Sunday, October 09, 2011







Não se pode punir com base em suspeitas


Pedro J. Bondaczuk


O Ano Internacional da Paz quase começa com uma guerra de proporções difíceis de se dimensionar, a acreditar no que afirmou, em entrevista à imprensa neste final de semana, o líder líbio, coronel Muammar Khadafy. Ele disse que no sábado, 40 navios da Sexta Frota dos Estados Unidos, estiveram a pique de atacar a Líbia, numa operação de represália pelos atentados terroristas verificados no último dia 27 de dezembro nos aeroportos de Roma e de Viena, que teriam sido pelo menos incentivados por este país do Norte da África.

A única prova que o Ocidente tem da participação líbia no episódio, porém, é apenas a palavra de um dos extremistas, que foi interrogado, bastante ferido, num leito de hospital. E assim mesmo, seu interrogatório não foi divulgado na íntegra e nem observado por alguém alheio à questão e portanto neutro. As autoridades austríacas disseram que ele fez essa referência e todo o mundo aceitou passivamente a versão. Seria isso motivo suficiente para que um Estado independente e soberano fosse atacado militarmente?

É evidente que ninguém, em sã consciência, defende os métodos radicais aplicados pelo coronel líbio no trato das questões internacionais. Há muito tempo pesam suspeitas de que ele seria patrocinador, ou pelo menos protetor de grupos terroristas. Ainda hoje, uma versão dá conta da existência de campos de treinamento de guerrilheiros messe país. Mas ao que se depreende do noticiário, tudo não passa de uma coleção interminável de conjecturas.

Em momento algum alguém conseguiu colher provas conclusivas contra a Líbia e nem levá-la à Corte Internacional de Justiça de Haia ou mesmo ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, os canais normais para essa controvérsia ser debatida. E se as coisas não forem aquilo que parecem? E se os ditos campos de treinamento de guerrilheiros forem somente locais destinados aos exercícios das Forças Armadas líbias, a exemplo de centros idênticos existentes em todos os países do mundo? Como fiar-se apenas nas aparências?

Se os seguidores do coronel Khadafy fossem flagrados num ato delituoso, aí sim seria lícito, ou pelo menos legítimo, um possível ataque preventivo contra o seu país. Mas qual é a prova que foi colhida contra o irrequieto coronel? Ao que se saiba, nenhuma. Ademais, nessas questões, vale muito mais um exemplo do que um milhão de palavras e exortações. E esses não têm sido dos mais louváveis.

Depois do caso da minagem dos portos da Nicarágua por parte dos Estados Unidos, do manual de guerrilha divulgado à farta pela CIA prevendo ações de terror contra a indefesa população nicaragüense, ou da bomba colocada por agentes secretos franceses no navio "Rainbow Warrior", da organização pacifista "Greenpeace", há muito pouco a se dizer quanto aos métodos que estariam sendo empregados pela Líbia. Eles ficam parecendo brincadeiras de criança.

Outro aspecto a ponderar é a eficiência de uma operação dessa natureza. Sintomaticamente, no governo norte-americano, o ministro que mais se opõe a uma ação militar contra território líbio é exatamente o de Defesa, Caspar Weinberger. E ninguém pode afirmar, em sã consciência, que ele seja um pacifista fanático. É que, pragmático como tem que ser quem ocupa um cargo da natureza do seu, entendeu que uma medida dessas não traria benefício de qualquer espécie para os Estados Unidos. Ela seria politicamente desastrosa, militarmente ineficiente e moralmente condenável.

Nem mesmo eficaz ela seria. Ao contrário, estimularia os extremistas a novas e mais sangrentas ações, numa escalada que poderia tornar esse mundo, já tão inseguro e instável, num verdadeiro inferno. Isso sem considerar as implicações para a paz mundial de um ato de agressão tão tolo e inconseqüente.

Pode até ser que o coronel Muammar Khadafy já esteja merecendo um corretivo. Mesmo que não seja por outra coisa, até pelo fato de falar demais. Entretanto, nem o momento é oportuno, nem o meio é o apropriado e nem o pretexto é suficiente para que a lição sirva adequadamente para os Estados que dão guarida ao terror.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 7 de janeiro de 1986)

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