Tuesday, October 04, 2011







Criadores e construtores

Pedro J. Bondaczuk

A criação literária não tem nenhuma fórmula mágica, universal e infalível, que garanta, a quem eventualmente a possuísse (e ninguém a possui, porquanto não existe), originalidade, credibilidade e qualidade. O processo de elaboração de uma obra artística ou intelectual e, principalmente, o teor do que é criado, dependem de cada artista, de cada escritor (ou filósofo, ou cientista etc.etc.etc.). É individual e intransferível. São aptidões que têm a ver com cultura, vivência, autodisciplina, talento e com os ambientes que a pessoa freqüentou, com as pessoas que conheceu e se relacionou e com sua capacidade de observação e de descrição do que observou. Além, claro, do óbvio: da sua técnica, estilo, domínio do idioma e visão de vida.

Cada gênero (poesia, crônica, ensaio, conto, novela e romance) tem suas próprias regras, suas peculiaridades, seus cânones, suas técnicas características. O que deve prevalecer, acima de tudo, é o bom gosto do escritor. É a clareza com que expõe o que pensa e cria. É a convicção com que defende seus princípios éticos e/ou estéticos.

Para ter sucesso, é necessário que a obra literária (que, no caso, é o que nos interessa) tenha a capacidade natural de prender a atenção do leitor. E, mais do que isso, de fazer dele cúmplice, uma espécie de parceiro do ato criativo, o que é muito mais difícil do que parece, porém é compensador. Isso depende do talento natural de cada um. Ou a pessoa é apta para realizar o que se propõe ou não é e ficará marcando passo, atado a meros lugares comuns, sem nada acrescentar a idéias surradas e, não raro, ultrapassadas.

Entre os que, de fato, fazem a diferença no mundo, por sua conduta e suas obras, há duas categorias que se destacam: a dos criadores e a dos construtores. Há, é verdade, quem consiga ser as duas coisas simultaneamente, o que é mais raro do que se pensa (e. certamente, do que se deseja). Estes se tornam imprescindíveis às comunidades que integram.

E qual a diferença entre “criar” e “construir”? É profunda e claramente delimitada. Os que constroem, em geral, se limitam a executar projetos alheios. Ou seja, fazem o trabalho “braçal” de determinada obra, não importa sua natureza. Não a conceberam, embora a tenham executado. Seguem as pegadas alheias, com modificações aqui e ali, mas sem originalidade. São importantes? Muito! Desde que se limitem a cumprir bem seu papel.

Já os criadores partem do zero, do nada, às vezes de reles e indefinido fiapo de idéia. E “inventam” suas obras literalmente, desde a concepção original até sua concretização final. Em termos de satisfação íntima, prefiro ser criador, embora não desdenhe do construtor. Nem poderia.

O romancista inglês, Charles Dickens, observa a respeito: “A verdadeira diferença entre a construção e a criação é esta: uma coisa construída só pode ser amada depois de construída, mas uma coisa criada ama-se mesmo antes de existir”. É essa paixão que deve nos mover vida afora: a de criar, criar e criar, com diligência, competência, assiduidade e originalidade..

As grandes obras, intelectuais ou artísticas, são solitárias. São individuais, personalizadas, frutos do conhecimento, da experiência e da vontade de quem as elabora. Originam-se de uma visão particular de mundo e, após elaboradas, se popularizam e ganham acréscimos, aperfeiçoamentos e ampliações alheios. Mas suas concepções, reitero, são individuais. John Steinbeck faz essa constatação no livro “A Leste do Éden”: “Nossa espécie é a única criativa e possui apenas um instrumento criativo: a mente individual e o espírito de um homem. Nada jamais foi criado por dois homens”.

A seguir, complementa essa observação: “Não há boas colaborações em música, arte, matemática, poesia, filosofia. Depois que o milagre da criação ocorreu, o grupo pode consolidá-lo e ampliá-lo. Mas o grupo nunca inventa qualquer coisa. O grande valor está na mente solitária de um homem”. Explore, pois, sua mente. Confie no seu talento. Crie, para tornar o mundo mais rico em conhecimentos e em opções.

O fato de não termos inventado nada, mas apenas refletido sobre idéias alheias, elaboradas às vezes milênios antes do nosso nascimento, não invalida, todavia, a filosofia, nem a incessante busca por conhecimentos que devemos empreender, nem a pesquisa científica e nem, sobretudo, a Literatura (que, no meu caso, é a minha grande paixão). O que não podemos é ser arrogantes e presunçosos e nos acharmos “geniais”, por contarmos com um “tantinho” de inteligência e de talento.

Temos que deixar de lado nossa propalada auto-suficiência e admitir que não passamos de anões. E que nos parecemos gigantes (isso quando parecemos) – aos que nos observam à distância – apenas por estarmos de pé nos ombros dos que de fato foram geniais, grandiosos, originais e criativos (até premidos por necessidades). Ou seja, dos nossos verdadeiramente inventivos (no entanto anônimos). antepassados.

Se Goethe, reconhecidamente gênio da Literatura mundial de todos os tempos, negava a mais remota possibilidade de ser “descobridor”, e, portanto, de ser original (e negou-o publicamente, em vários dos seus textos) quem sou eu, que não conto com o mínimo resquício da sua genialidade, para me sentir minimamente inventivo?! Definitivamente, não sou! Mas não desisto de tentar ser.

Há pessoas que têm potencial imenso de criatividade, mas o desperdiçam por falta de disciplina, de método, der continuidade e, principalmente, de comprometimento com o que quer que seja. Acham que lhes basta mera “inspiração” para inventarem máquinas, princípios, ideologias ou, até, para comporem simples poema. Estão equivocadas. Só isso não basta.

A capacidade de criar só pode ser plenamente desenvolvida com disciplina, concentração, estudo e trabalho. Requer, além disso, meticuloso planejamento e rigor na execução do que foi planejado. Albert Einstein, tido e havido como gênio, criador (entre outras coisas) da “Teoria da Relatividade”, afirma: “Fazer, criar, inventar exigem uma unidade de concepção, de direção e de responsabilidade”. E, convenhamos, ele sabia o que dizia.

Não desperdice, pois, seu talento (se o tiver), por mera negligência. Aplique-se, concentre-se, estude e trabalhe, sem esmorecimento ou desânimo. Afinal, a vida é oportunidade única, sem nenhuma chance de reprise. Procure, nos limites da sua capacidade, ser criador, caso sua capacidade o qualifique a sê-lo. Se não conseguir... Não se aflija. Não se sinta diminuído em ser “apenas” construtor. Afinal, sê-lo é muito mais valioso do que simplesmente se omitir, ser parasita que nada faz e usufrui de obras alheias, sem criar e nem construir nada, em tempo algum.

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