Monday, October 24, 2011







Líderes naturais

Pedro J. Bondaczuk


Os escritores são líderes naturais de suas comunidades e do seu tempo. Sei que muitos irão me contestar, como já contestaram em outras ocasiões em que levantei a tese. Creio, porém, que a contestação se deveu em decorrência do mau entendimento desse conceito, por sinal bastante elástico. Via de regra, liderança é entendida como capacidade de comando, notadamente em política e no mundo empresarial ou somente neles. Esse entendimento, no entanto, apenas restringe e amesquinha essa capacidade natural que algumas pessoas especiais têm.

O escritor lidera, sim, e muito, no terreno das idéias, o seu povo. Analisa comportamentos, filtra conhecimentos, critica ações nocivas e deletérias, enfatiza as positivas e construtivas e, dependendo da sua capacidade de comunicação e da sua projeção, “faz a cabeça”, não raro, de toda uma geração. Trata-se, pois, de uma liderança natural, espontânea, não forçada e, não raro, sequer reconhecida pelo próprio líder, ou seja, o escritor. Todavia é real, é concreta e em boa parte dos casos, dependendo das circunstâncias, é efetiva.

Antes de mais nada, é preciso esclarecer uma questão, que já tratei em outras oportunidades neste espaço de reflexão, mas que nunca é demais reiterar. Há certo equívoco em torno dos conceitos de “chefia” e de “liderança”. Muitos entendem que os dois termos sejam sinônimos e que, por conseqüência, signifiquem a mesma coisa. Não significam. Chefiar nem sempre implica em liderar. Chefes são meros elos de uma corrente hierárquica. Líderes, por sua vez, não se submetem a nenhuma hierarquia, a não ser às das idéias que comungam.

Os primeiros são para serem obedecidos, os segundos, para serem seguidos. Ricardo Bergamin nos lembra: “Os chefes dão ordens, os líderes dão exemplos”. Ordenar implica em impor. Liderar significa convencer. Chefes são realistas e existem para manter certa ordem instituída, sem se importar se é justa ou injusta. Líderes, todavia, são idealistas. Sua missão é conduzir grupos de pessoas e até mesmo povos inteiros a novos caminhos, para desbravar o mundo e implantar sublimes ideais de justiça, solidariedade e liberdade. Submeto-me a chefes. Contudo, admiro, e procuro imitar (e seguir) apenas os líderes.

O historiador e ex-assessor especial do presidente norte-americano John Fitzgerald Kennedy, Arthur M. Schlesinger Junior, escreveu, em um ensaio publicado há muito tempo: “A liderança é o que realmente faz o mundo girar. O amor torna sem dúvida este giro mais suave; mas o amor é uma transação particular e consentida entre adultos. A liderança – capacidade de inspirar e mobilizar massas de pessoas – é uma transação pública com a história”.

Os artistas (e, entre eles, claro, os escritores) que, em fevereiro de 1922 organizaram e promoveram a Semana da Arte Moderna em São Paulo, ajudaram a instituir não apenas novos padrões artísticos (estéticos) e, por extensão, literários. Investiram contra os padrões vigentes – filosóficos, sociais e até morais – nitidamente esclerosados e ultrapassados e “lideraram”, dessa forma, uma revolução, posto que sem armas e sem barricadas. Cumpriram, por conseqüência, um papel de líderes, que defendo que sempre exercitem.

As sociedades humanas, desde tempos imemoriais, sempre precisaram de pessoas muito especiais, dotadas de iniciativa, com capacidade inata de comunicação e talento, para guiá-las. Em cima dessa necessidade é que se estruturaram as hierarquias – desde as familiares (nos clãs), às tribais e posteriormente comunitárias e nacionais.

Como ocorre com todos os animais, possivelmente até por questões genéticas, alguns indivíduos nascem com aptidões maiores do que outros. São os que normalmente constituem as elites. Quando não, se transformam em rebeldes, em contestadores, em questionadores que não se submetem ao status vigente. São os revolucionários, fatores essenciais de mudanças, para o bem e para o mal.

Há claro, lideranças perniciosas e até desastrosas. São as daqueles líderes nacionais que conduzem seus povos às guerras. Estes deveriam se conscientizar da gravidade de seus atos. Precisariam ter noção das desgraças que vão causar. Deveriam entender (mas não entendem) a real natureza do poder que lhes é outorgado. Necessitariam ter em mente o todo, e se conscientizar que o período que vivem é mero segmento de algo muito maior, infinitamente mais amplo, que é o eterno.

Convenhamos, não há glória alguma em destruir, causar dor, matar. E nem há ciência.. Na verdade, não somos nada. Somos menos do que um piscar de olhos na eternidade. E, no entanto, alguns de nossos atos têm um alcance tão grande, que continuam a produzir efeitos através dos anos. Às vezes, até por séculos, muito tempo depois da nossa extinção como pessoas.

A esse propósito, Schlesinger observou: “A liderança pode modificar a história para melhor ou para pior. São os líderes os responsáveis pelos crimes mais horríveis e as loucuras mais extravagantes que desgraçaram a raça humana. Mas a eles também se credita terem induzido a humanidade a lutar pela liberdade individual, a justiça social e a tolerância religiosa e racial”.

Só é capaz de difundir idéias quem as tem. Essa afirmação é acaciana, para lá de óbvia, mas muitos não se dão conta. Pessoas com cabeças vazias julgam-se capazes de liderar povos rumo a um destino que consideram glorioso e que, não raro, na verdade, é desastroso, para não dizer catastrófico. Quem lida com conceitos e valores, todavia, exerce, no contexto social, uma liderança natural, mesmo que não se dê conta. E o escritor lida com o que? Exatamente com isso. Ou seja, com idéias, com conceitos, com valores. Vai daí...

Para encerrar o assunto (por hoje), cito o que William James escreveu a respeito: “A noção de que um povo pode dirigir-se e aos seus negócios anonimamente, é, como se sabe hoje muito bem, o maior dos absurdos. A humanidade nada faz a não ser através das iniciativas dos inventores, grandes ou pequenos, que nós imitamos – são estes os únicos fatores do progresso humano”.

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