Novamente Salinger
Pedro J. Bondaczuk
O escritor norte-americano, J. D. Salinger, é um fenômeno da literatura mundial e não apenas por seus textos, mas por inúmeras outras razões. Já escrevi dezenas de textos a seu respeito e desconfio que escreverei muitas mais. Por que essa fixação num indivíduo que detestava que falassem dele? Por inúmeros motivos, reitero. Um deles, e o mais óbvio, é exatamente essa atitude arredia e incompreensível para quem milita no meio literário.
A primeira razão de tanta gente querer saber mais sobre esse escritor e escrever a seu respeito (e a principal, por sinal) é que seu livro mais famoso, o que o consagrou, “Apanhador no campo de centeio”, é muito bom. A segunda é a aura de mistério que o cercou desde o bem-sucedido lançamento da sua obra, em decorrência do seu inexplicável e inexplicado “auto-exílio”, fugindo de toda e qualquer exposição pessoal, mesmo aquela formal e superficial, nos meios de comunicação.
Só que, quanto mais J. D. Salinger se isolava, mais e mais os jornalistas se empenhavam em conseguir uma entrevista, por simples que fosse, ou uma foto, mesmo que convencional, ou uma notícia nova qualquer. Quem conseguisse isso, obteria o que em jornalismo é tratado como “furo”. Mas... todo o esforço foi vão. Ninguém, absolutamente ninguém conseguiu nada disso.
O escritor decidiu, por razões que só ele sabia, manter-se recluso, a salvo de olhares indiscretos e assim, de fato, se conservou até sua morte, ocorrida em 2010, aos 91 anos de idade. Nunca ninguém entendeu essa postura. Eu também jamais entendi. Um outro aspecto – não menos importante do que os dois já citados – que faz de J. D. Salinger fenômeno raro, foi que, mesmo havendo passado quase meio século (na verdade, 45 anos) sem publicar uma só linha de texto novo, os leitores não o esqueceram e nem se desinteressaram por seu consagrado livro. Ao contrário, o número de seus admiradores, nesse período, só cresceu e não pára ainda de crescer.
Faço um desafio a você, caro escritor, que me dá a honra da leitura: experimente, por mais rica e original que seja sua obra, ficar, digamos, cinco anos e não cinqüenta como o autor de “Apanhador no campo de centeio” ficou, sem nenhum tipo de contato com o mundo editorial e com os meios de comunicação. Será imediatamente esquecido e provavelmente mal interpretado. O mínimo que dirão a seu respeito é que você é mascado, ou que tem um rei na barriga ou que é um doido varrido. E ninguém, nunca mais, mencionará sequer de passagem, nem o seu nome e nem o que você escreveu. Para que vocês tenham uma idéia sobre o tempo em que Salinger ficou afastado do público, basta lembrar que o último texto dele que veio à luz foi publicado em 1965.
E por que me, então, disponho a escrever, mais uma vez, sobre o exótico escritor? Porque agora tenho um “gancho” para isso. E este é o lançamento de uma nova biografia dele. Espera aí, esse fato causa-me profunda admiração. Fico indagando, cá com os meus botões: como é possível biografar um sujeito tão arredio e impermeável, que esconde de olhares indiscretos até os fatos mais comezinhos do cotidiano, quanto mais os relevantes? Sim, como é possível?
Ressalte-se que Salinger ganhou não apenas uma biografia, mas várias, das quis menciono as de autoria de Ian Hamilton e Paul Alexander. Recentemente, outro escritor arriscou-se a partir para este (no caso) ousado empreendimento. É Kenneth Slaweski, de 54 anos, admirador incondicional do seu biografado ao ponto de ter criado um site de seus fãs intitulado “DeadCaulfields”. Seu livro “J. D. Salinger: a lifre” (“J. D. Salinger: uma vida”, em português), foi lançado recentemente no Brasil, pela Editora LeYa.
Essa nova biografia tem, como principais fontes de informação, as cartas do biografado e, principalmente, as memórias escritas pela filha dele, Margaret. Pode não ser a fundamentação definitiva, ideal e desejável, mas não deixa de ser crível, ou pelo menos verossímil.
Michiko Kakutani, na excelente resenha que publicou no jornal “The New York Times” (com tradução de Eloísa De Vylder), classifica essa nova biografia de “honesta, simpática e perceptiva”. No entanto, faz uma restrição: diz que Slaweski “erra em sua tendência a fazer correspondências diretas entre a vida e a obra do autor. E retraça boa parte do caminho já percorrido por livros anteriores”.
Outro aspecto digno de nota no texto de Kakutani é o deste trecho: “O Salinger que emerge desse livro é um parente psicológico próximo de sua criação mais famosa, o adolescente Holden Caulfield e do garoto prodígio da família Glass que estrelaria em seus livros posteriores. Ele é o eterno forasteiro e peregrino espiritual que se sente ilhado num mundo materialista e vulgar, cheio de hipócritas e gente entediante”.
Possivelmente, a biografia escrita por Kenneth Slaweski – um livro volumoso, de 450 páginas na edição norte-americana da Randon House – não irá esclarecer alguns dos pontos mais obscuros da vida de um dos escritores mais exóticos e emblemáticos do século XX. Mas, reiterando o que Michiko Kakutani escreveu a propósito, é uma abordagem “honesta, simpática e perceptiva”. Confira você próprio, caríssimo leitor.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O escritor norte-americano, J. D. Salinger, é um fenômeno da literatura mundial e não apenas por seus textos, mas por inúmeras outras razões. Já escrevi dezenas de textos a seu respeito e desconfio que escreverei muitas mais. Por que essa fixação num indivíduo que detestava que falassem dele? Por inúmeros motivos, reitero. Um deles, e o mais óbvio, é exatamente essa atitude arredia e incompreensível para quem milita no meio literário.
A primeira razão de tanta gente querer saber mais sobre esse escritor e escrever a seu respeito (e a principal, por sinal) é que seu livro mais famoso, o que o consagrou, “Apanhador no campo de centeio”, é muito bom. A segunda é a aura de mistério que o cercou desde o bem-sucedido lançamento da sua obra, em decorrência do seu inexplicável e inexplicado “auto-exílio”, fugindo de toda e qualquer exposição pessoal, mesmo aquela formal e superficial, nos meios de comunicação.
Só que, quanto mais J. D. Salinger se isolava, mais e mais os jornalistas se empenhavam em conseguir uma entrevista, por simples que fosse, ou uma foto, mesmo que convencional, ou uma notícia nova qualquer. Quem conseguisse isso, obteria o que em jornalismo é tratado como “furo”. Mas... todo o esforço foi vão. Ninguém, absolutamente ninguém conseguiu nada disso.
O escritor decidiu, por razões que só ele sabia, manter-se recluso, a salvo de olhares indiscretos e assim, de fato, se conservou até sua morte, ocorrida em 2010, aos 91 anos de idade. Nunca ninguém entendeu essa postura. Eu também jamais entendi. Um outro aspecto – não menos importante do que os dois já citados – que faz de J. D. Salinger fenômeno raro, foi que, mesmo havendo passado quase meio século (na verdade, 45 anos) sem publicar uma só linha de texto novo, os leitores não o esqueceram e nem se desinteressaram por seu consagrado livro. Ao contrário, o número de seus admiradores, nesse período, só cresceu e não pára ainda de crescer.
Faço um desafio a você, caro escritor, que me dá a honra da leitura: experimente, por mais rica e original que seja sua obra, ficar, digamos, cinco anos e não cinqüenta como o autor de “Apanhador no campo de centeio” ficou, sem nenhum tipo de contato com o mundo editorial e com os meios de comunicação. Será imediatamente esquecido e provavelmente mal interpretado. O mínimo que dirão a seu respeito é que você é mascado, ou que tem um rei na barriga ou que é um doido varrido. E ninguém, nunca mais, mencionará sequer de passagem, nem o seu nome e nem o que você escreveu. Para que vocês tenham uma idéia sobre o tempo em que Salinger ficou afastado do público, basta lembrar que o último texto dele que veio à luz foi publicado em 1965.
E por que me, então, disponho a escrever, mais uma vez, sobre o exótico escritor? Porque agora tenho um “gancho” para isso. E este é o lançamento de uma nova biografia dele. Espera aí, esse fato causa-me profunda admiração. Fico indagando, cá com os meus botões: como é possível biografar um sujeito tão arredio e impermeável, que esconde de olhares indiscretos até os fatos mais comezinhos do cotidiano, quanto mais os relevantes? Sim, como é possível?
Ressalte-se que Salinger ganhou não apenas uma biografia, mas várias, das quis menciono as de autoria de Ian Hamilton e Paul Alexander. Recentemente, outro escritor arriscou-se a partir para este (no caso) ousado empreendimento. É Kenneth Slaweski, de 54 anos, admirador incondicional do seu biografado ao ponto de ter criado um site de seus fãs intitulado “DeadCaulfields”. Seu livro “J. D. Salinger: a lifre” (“J. D. Salinger: uma vida”, em português), foi lançado recentemente no Brasil, pela Editora LeYa.
Essa nova biografia tem, como principais fontes de informação, as cartas do biografado e, principalmente, as memórias escritas pela filha dele, Margaret. Pode não ser a fundamentação definitiva, ideal e desejável, mas não deixa de ser crível, ou pelo menos verossímil.
Michiko Kakutani, na excelente resenha que publicou no jornal “The New York Times” (com tradução de Eloísa De Vylder), classifica essa nova biografia de “honesta, simpática e perceptiva”. No entanto, faz uma restrição: diz que Slaweski “erra em sua tendência a fazer correspondências diretas entre a vida e a obra do autor. E retraça boa parte do caminho já percorrido por livros anteriores”.
Outro aspecto digno de nota no texto de Kakutani é o deste trecho: “O Salinger que emerge desse livro é um parente psicológico próximo de sua criação mais famosa, o adolescente Holden Caulfield e do garoto prodígio da família Glass que estrelaria em seus livros posteriores. Ele é o eterno forasteiro e peregrino espiritual que se sente ilhado num mundo materialista e vulgar, cheio de hipócritas e gente entediante”.
Possivelmente, a biografia escrita por Kenneth Slaweski – um livro volumoso, de 450 páginas na edição norte-americana da Randon House – não irá esclarecer alguns dos pontos mais obscuros da vida de um dos escritores mais exóticos e emblemáticos do século XX. Mas, reiterando o que Michiko Kakutani escreveu a propósito, é uma abordagem “honesta, simpática e perceptiva”. Confira você próprio, caríssimo leitor.
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