Sem limites
Pedro J. Bondaczuk
O campo de atuação do escritor, quer seja ficcionista ou não, é virtualmente ilimitado e se expande, mais e mais, à medida que o tempo passa. Ele sempre teve, tem e continuará tendo o que dizer. Ao contrário da vida real, na literatura você não precisa se ater ao presente, que aliás é volátil e, na verdade, abstrato, praticamente mera metáfora. Pode, por exemplo, fazer incursões a um passado remotíssimo e, com ele, compor textos marcantes e imortais. Quanto ao futuro... os bons escritores de ficção científica já o exploram, e muito bem, há muitos e muitos anos, embora muitos dogmáticos, que posam de “puristas”, sequer reconheçam esse subgênero como sendo literatura. Tolice.
Hoje, abordarei o romance, mas estas observações valem, também, para outras formas de ficção, como o conto, a novela, as peças de teatro e os roteiros cinematográficos. A todos eles estão abertos, diria escancarados, os portais tanto do passado – da Idade da Pedra Lascada, por exemplo –, quanto os do longínquo futuro, digamos, dez milênios à frente. Do primeiro, há (desde que não muito remoto, anterior à criação da escrita), um ou outro registro em que se basear, nos revelando, mesmo que não por completo, como foram. Do segundo, óbvio, só podemos imaginar. Por melhor que um escritor seja, é impossível que descreva o que sequer não aconteceu. Mas pode, isso sim, criar tipos, cenários, cidades, países, civilizações, circunstâncias etc.etc.etc. atinentes.
Para se escrever um romance, desses gostosos de se ler e que nos empolguem e acumpliciem, se requer algumas características “sine qua non” do escritor. Para Émile Zola – uma espécie de “jornalista do imaginário”, ou seja, que utilizava técnicas de reportagem para escrever histórias que inventava, com verossimilhança tamanha a ponto de deixar o leitor confuso sobre se estava lendo acerca de um fato ou de uma criação fantasiosa –, são indispensáveis estes pré-requisitos: “Entendemos que um romancista deve ser ao mesmo tempo um observador e um experimentador. O observador expõe os fatos tais quais os observou, estabelece o terreno sólido em que se vão mover os personagens e acontecimentos; em seguida surge o experimentador e faz experiências, isto é, faz seus personagens se movimentarem em determinado enredo, de modo a patentear que a sucessão dos fatos é a exigida pelo determinismo das coisas estudadas”.
Esta observação, posto que possa ser feita exclusivamente no presente, pode ser adaptada para o passado ou extrapolada para o futuro. Isso depende, apenas, do talento e da criatividade do escritor. Ademais, em termos de comportamento, naquilo que é essencial, nos mais diversos tipos de relacionamentos, quer os meramente sociais, quer os profissionais ou os afetivos, o ser humano pouco ou quase nada mudou. As mudanças, poucas, foram apenas pontuais e provavelmente, apenas, de intensidade. E dificilmente mudará. Não, pelo menos, para melhor. Este animal que pensa e que ri continuará sendo o que sempre foi: egoísta, violento, corrupto e raramente solidário. O que pode mudar (e muda) é, repito, a intensidade de seus comportamentos, sentimentos e ações, de uma pessoa para outra. Uns, por exemplo, têm menos egoísmo (tão pouco a ponto de ser quase imperceptível). Outros, por seu turno.... E vai por aí afora.
Quanto à originalidade dos enredos... Podemos (e devemos) ser sempre originais, mesmo tratando de assuntos abordados “ad náusea” por “n” escritores, milhões, quiçá bilhões, de todas as eras e partes do mundo. Isso é possível? Claro que sim! Não conheço, por exemplo, duas pessoas que presenciaram determinado fato e que o narrem, o relatem exatamente, rigorosamente, literalmente da mesma forma. Uma será mais detalhista, outra mais parcimoniosa nos detalhes, outra ainda acrescentará um ou vários pontos à história que testemunhou mas que não ocorreram e que acha que sim e... também vai por aí afora.
Gustave Flaubert escreveu a respeito, em carta que escreveu a seu “filho espiritual”, Guy de Maupassant, aconselhando-o sobre como deveria escrever, citado no livro “Zola e seu Tempo”, de Mathew Josephson: “Aquilo que devemos fazer é examinarmos com a demora suficiente e bastante atenção o que quisermos descrever, a fim de descobrir algum aspecto que ninguém tenha ainda visto ou de que ninguém tenha ainda falado”.
Isso é possível? É, porventura, factível? Flaubert entende que sim. E acrescenta, em seus conselhos a Guy de Maupassant: “Em todas as coisas existe algo de inexplorado, porque estamos habituados a utilizar-nos de nossos olhos apenas com a recordação daquilo que já foi antes pensado a respeito do objeto de nossas contemplações. Todas as coisas, por insignificantes que sejam, contêm um pouco de desconhecido. É este o que devemos procurar. Este método forçou-me a descrever em poucos períodos as pessoas e os objetos de um modo que os singularizava exatamente, diferençando-os de todos os objetos ou pessoas da mesma raça ou espécie. Quando você passar junto de um merceeiro sentado à frente de seu armazém, ou de algum porteiro fumando seu cachimbo, ou de um cavalo de cabriolé num ponto de estacionamento, mostre-me aquele merceeiro e aquele porteiro na posição em que estavam, com seu aspecto físico, salientando também, por meio da fidelidade de seu retrato, toda a natureza moral dos mesmos, de modo que eu nunca os possa confundir com outros merceeiros ou porteiros. E faça-me ver com uma simples palavra, com uma frase, que o cavalo do cabriolé não se parece com os outros cinqüenta que se seguiam e que o antecediam”.
Estou seguríssimo que tanto as observações de Émile Zola, quanto os conselhos de Gustave Flaubert a Guy de Maupassant serão úteis a você, caríssimo escritor que nos prestigia com sua presença, e a você, jovem talentoso e ousado, que aspira a ingressar neste estressante, às vezes decepcionante, mas sempre fascinante mundo das letras. A mim têm sido de uma utilidade que não tem tamanho!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O campo de atuação do escritor, quer seja ficcionista ou não, é virtualmente ilimitado e se expande, mais e mais, à medida que o tempo passa. Ele sempre teve, tem e continuará tendo o que dizer. Ao contrário da vida real, na literatura você não precisa se ater ao presente, que aliás é volátil e, na verdade, abstrato, praticamente mera metáfora. Pode, por exemplo, fazer incursões a um passado remotíssimo e, com ele, compor textos marcantes e imortais. Quanto ao futuro... os bons escritores de ficção científica já o exploram, e muito bem, há muitos e muitos anos, embora muitos dogmáticos, que posam de “puristas”, sequer reconheçam esse subgênero como sendo literatura. Tolice.
Hoje, abordarei o romance, mas estas observações valem, também, para outras formas de ficção, como o conto, a novela, as peças de teatro e os roteiros cinematográficos. A todos eles estão abertos, diria escancarados, os portais tanto do passado – da Idade da Pedra Lascada, por exemplo –, quanto os do longínquo futuro, digamos, dez milênios à frente. Do primeiro, há (desde que não muito remoto, anterior à criação da escrita), um ou outro registro em que se basear, nos revelando, mesmo que não por completo, como foram. Do segundo, óbvio, só podemos imaginar. Por melhor que um escritor seja, é impossível que descreva o que sequer não aconteceu. Mas pode, isso sim, criar tipos, cenários, cidades, países, civilizações, circunstâncias etc.etc.etc. atinentes.
Para se escrever um romance, desses gostosos de se ler e que nos empolguem e acumpliciem, se requer algumas características “sine qua non” do escritor. Para Émile Zola – uma espécie de “jornalista do imaginário”, ou seja, que utilizava técnicas de reportagem para escrever histórias que inventava, com verossimilhança tamanha a ponto de deixar o leitor confuso sobre se estava lendo acerca de um fato ou de uma criação fantasiosa –, são indispensáveis estes pré-requisitos: “Entendemos que um romancista deve ser ao mesmo tempo um observador e um experimentador. O observador expõe os fatos tais quais os observou, estabelece o terreno sólido em que se vão mover os personagens e acontecimentos; em seguida surge o experimentador e faz experiências, isto é, faz seus personagens se movimentarem em determinado enredo, de modo a patentear que a sucessão dos fatos é a exigida pelo determinismo das coisas estudadas”.
Esta observação, posto que possa ser feita exclusivamente no presente, pode ser adaptada para o passado ou extrapolada para o futuro. Isso depende, apenas, do talento e da criatividade do escritor. Ademais, em termos de comportamento, naquilo que é essencial, nos mais diversos tipos de relacionamentos, quer os meramente sociais, quer os profissionais ou os afetivos, o ser humano pouco ou quase nada mudou. As mudanças, poucas, foram apenas pontuais e provavelmente, apenas, de intensidade. E dificilmente mudará. Não, pelo menos, para melhor. Este animal que pensa e que ri continuará sendo o que sempre foi: egoísta, violento, corrupto e raramente solidário. O que pode mudar (e muda) é, repito, a intensidade de seus comportamentos, sentimentos e ações, de uma pessoa para outra. Uns, por exemplo, têm menos egoísmo (tão pouco a ponto de ser quase imperceptível). Outros, por seu turno.... E vai por aí afora.
Quanto à originalidade dos enredos... Podemos (e devemos) ser sempre originais, mesmo tratando de assuntos abordados “ad náusea” por “n” escritores, milhões, quiçá bilhões, de todas as eras e partes do mundo. Isso é possível? Claro que sim! Não conheço, por exemplo, duas pessoas que presenciaram determinado fato e que o narrem, o relatem exatamente, rigorosamente, literalmente da mesma forma. Uma será mais detalhista, outra mais parcimoniosa nos detalhes, outra ainda acrescentará um ou vários pontos à história que testemunhou mas que não ocorreram e que acha que sim e... também vai por aí afora.
Gustave Flaubert escreveu a respeito, em carta que escreveu a seu “filho espiritual”, Guy de Maupassant, aconselhando-o sobre como deveria escrever, citado no livro “Zola e seu Tempo”, de Mathew Josephson: “Aquilo que devemos fazer é examinarmos com a demora suficiente e bastante atenção o que quisermos descrever, a fim de descobrir algum aspecto que ninguém tenha ainda visto ou de que ninguém tenha ainda falado”.
Isso é possível? É, porventura, factível? Flaubert entende que sim. E acrescenta, em seus conselhos a Guy de Maupassant: “Em todas as coisas existe algo de inexplorado, porque estamos habituados a utilizar-nos de nossos olhos apenas com a recordação daquilo que já foi antes pensado a respeito do objeto de nossas contemplações. Todas as coisas, por insignificantes que sejam, contêm um pouco de desconhecido. É este o que devemos procurar. Este método forçou-me a descrever em poucos períodos as pessoas e os objetos de um modo que os singularizava exatamente, diferençando-os de todos os objetos ou pessoas da mesma raça ou espécie. Quando você passar junto de um merceeiro sentado à frente de seu armazém, ou de algum porteiro fumando seu cachimbo, ou de um cavalo de cabriolé num ponto de estacionamento, mostre-me aquele merceeiro e aquele porteiro na posição em que estavam, com seu aspecto físico, salientando também, por meio da fidelidade de seu retrato, toda a natureza moral dos mesmos, de modo que eu nunca os possa confundir com outros merceeiros ou porteiros. E faça-me ver com uma simples palavra, com uma frase, que o cavalo do cabriolé não se parece com os outros cinqüenta que se seguiam e que o antecediam”.
Estou seguríssimo que tanto as observações de Émile Zola, quanto os conselhos de Gustave Flaubert a Guy de Maupassant serão úteis a você, caríssimo escritor que nos prestigia com sua presença, e a você, jovem talentoso e ousado, que aspira a ingressar neste estressante, às vezes decepcionante, mas sempre fascinante mundo das letras. A mim têm sido de uma utilidade que não tem tamanho!
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