Sunday, May 01, 2011







Cotidiano banal

Pedro J. Bondaczuk

O cotidiano da maioria das pessoas é, pelo menos por longos períodos, encarado como tedioso e entediante. Os dias parecem se arrastar, serem sempre iguais, embora, obviamente, não o sejam. Quem passa por dificuldades – doenças, carência financeira ou afetiva que considero pior, desemprego etc. – torce para que o tempo voe, se possível na velocidade da luz, na esperança (não raro vã) de que, em isto acontecendo, sua vida irá melhorar. Às vezes melhora mesmo. Em outras, porém, se deteriora ainda mais. Depende das ações de cada um.

Encaro cada novo dia como uma alta montanha a ser escalada, alguns deles até como o Pico do Everest, com seus quase nove quilômetros de altura, que me desafie a escalá-lo. Caso consigamos cumprir todas as tarefas a que nos propusermos, neste espaço de 24 horas (desde que factíveis em tal período), poderemos afirmar que atingimos o topo com sucesso e fincamos, ali, nossa bandeira. Em caso contrário...

Todas as manhãs, ao despertar, em minhas meditações, busco reunir forças, físicas e mentais, para escalar, com êxito, o pico desse dia que estiver iniciando. Quanto mais rotineiro ele me parecer, maiores serão minhas chances de êxito. O que arruína nosso cotidiano não é, propriamente, a rotina. São os acontecimentos súbitos, não previstos, inesperados, que podem arruinar não somente o dia, mas a semana, o mês, o ano... e até a própria vida. É verdade que surpresas agradáveis também ocorrem, mas são raras. Daí preferir a rotina, aquilo que já conheço, a possibilidade de seguir meu roteiro previamente traçado, no qual não seja necessário nenhum improviso.

Perguntaram, em uma entrevista, se não me engano feita em junho de 1979, a Lygia Fagundes Telles, se a televisão não era a grande inimiga dos escritores. Afinal, as pessoas se distraem, por horas, à frente da “telinha mágica”, despendendo um tempo que poderia ser utilizado para a leitura. Poderia...

A querida escritora nem mesmo pensou muito para responder. Disse, com plena convicção: “A televisão não tira leitores. Quem tira leitores é a vida. E a vida no Brasil virou um artigo de luxo. Para se poder pagar a vida, tem-se de trabalhar muito”. E põe muito nisso! É necessário fazer das tripas coração. Concordo, pois, plenamente com a Lygia. Quem não está habituado a ler, não o fará jamais, tenha ou não televisão em casa (hoje em dia, até sem-tetos, ou seja, moradores de rua, a têm).

A TV, aliás, desde que você saiba o que assistir, quando e quanto, ou seja, tenha moderação no seu uso (conheço pessoas que ficam doze horas ou mais à frente dessa geringonça que o saudoso humorista Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo de Sérgio Porto, gostava de chamar de “máquina de fazer doido”) , é um instrumento utilíssimo de informação e de cultura. Não concebo que em pleno século XXI esse veículo de comunicação não existisse. Se não existisse, teria que ser, urgentemente, inventado, tal como o computador, o telefone celular e outras tantas “engenhocas” menos disseminadas (ou mais caras).

O cotidiano, por mais banal que nos pareça, se vivido plenamente, sem que adiemos coisa alguma para o dia seguinte, ou para os posteriores, tende a nos conduzir ao sucesso e até mesmo à felicidade. Claro que não há nenhuma certeza (nunca há, e para ninguém) disso. Mas as chances são grandes, ou pelo menos razoáveis. Todavia, não devemos, em contrapartida, colocar “o carro à frente dos bois”. Não é atitude sensata e nem inteligente se preocupar com o que ainda não aconteceu e tem grandes probabilidades, até, de jamais acontecer. Projetar o futuro é uma coisa muito relativa e, não raro, inútil. Corremos o risco de perder o hoje, sem construir um melhor amanhã.
Tempos atrás publiquei, neste espaço, duas crônicas, ambas com o mesmo título, distinguindo uma da outra apenas com os algarismos 1 e 2, intituladas “Um dia por vez”. A primeira delas iniciei com estas palavras, que embora pareçam refletir o óbvio, nem todos se dão conta: “ O segredo de uma vida equilibrada, sem traumas e sem dramaticidade, é viver um dia por vez”. E não estou certo? Muitos não agem assim. Diria que é a maioria.
A poetisa Charlyane Mirielle diz tudo isso, porém com muito mais charme e beleza do que eu, neste poema que partilho com vocês, intitulado “Flores do cotidiano”: “Dentro de um verso esquecido/uma flor sangra a saudade/de uma nova inspiração./É o tempo rotineiro/sem manhã, sem arrebol,/sem perfume, sem canção./E o pranto escorre faceiro/no olhar do rouxinol/Por saber que o cancioneiro/no lugar do coração/carrega um girassol...”.

Salve, pois, os dias calmos e preguiçosos, que parecem não querer acabar! Salve a rotina, quando a preenchemos com atividades construtivas que embora pareçam sempre a mesma, de fato, soem ser diferentes! Só os tolos e os despidos de imaginação (o que no meu entender vem a dar na mesma) se queixam de tédio e precisam (ou pensam precisar) de agito para viver. Não sabem, não podem ou não querem escalar o pico de cada dia, e ficam, inutilmente, pelo caminho, sem jamais conquistarem seus Everestes.
Reitero que gosto do cotidiano rotineiro, que preencho com atrações ditadas por minha imaginação. Afinal, conforme encerrei a segunda das crônicas intituladas “Um dia por vez”, “da soma de todos esses dias calmos, aparentemente sem brilho, sem dramas, sem euforias e sem heroísmos, construiremos nossa biografia. Fabricaremos o sucesso ou, quiçá, a felicidade. Simples, não é verdade...?”. Prá quê, pois, complicar o que de per si é objetivo é óbvio?!

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