Polêmico, irreverente e... genial
Pedro J. Bondaczuk
Polêmico. Esta é, provavelmente, a forma, diria, consensual de definir o escritor português José Saramago, admitida tanto pelos que o admiram com paixão, quase ao extremo da veneração, quanto pelos que o detestam sem limites, a ponto de odiá-lo. Em relação ao único escritor de língua portuguesa a conquistar um Prêmio Nobel de Literatura (o de 1998), as posições e opiniões raramente admitem meios-termos. Adoradores e detratores recorrem, ao se referirem a ele, invariavelmente, a extremos, positivos ou negativos.
E antes de morrer, o escritor pôs mais lenha nessa fogueira, com o último romance que escreveu, “Caim” que, exatamente por seu conteúdo polêmico, pode e deve ser classificado entre os dez melhores lançamentos de 2010 no mercado editorial. O site UOL pelo menos fez isso. Ninguém pode ficar indiferente a um livro desses.
Da minha parte, não tenho opinião formada (não a definitiva) sobre José Saramago. Às vezes considero-o genial, na sua irreverência e no seu sardônico pessimismo. Outras, acho que ele exagera ao expor com tanta insistência (e veemência) seu conhecido ateísmo que, de tanto bater nessa tecla, chega a me parecer que procura convencer a si mesmo que não deve acreditar naquilo que de fato acredita. Aliás, se há um assunto tabu, que procura evitar a qualquer custo, é o que se refere àquilo que os outros crêem ou deixam de crer.
Muitas pessoas, por exemplo, já tentaram extrapolar sobre as minhas crenças, mas nada do que escreveram a respeito (algumas com a convicção que eu jamais tive), foi exato ou sequer se aproximou da verdade. Apesar de não ser adepto dessa temática, o estilo do escritor português e algumas de suas originalíssimas conclusões me fascinam, não posso negar. E seu texto, que pode ser tudo menos convencional, me faz oscilar ora para a reverência de quem gostaria de ter sido seu discípulo, ora para o repúdio de quem entende que a crença alheia (por mais absurda que pareça) é rigorosamente pessoal, à prova de questionamentos e deve ser tratada como tabu, como tema proibido.
Convenhamos que o personagem bíblico escolhido por Saramago para o seu último livro é fascinante (e assustador) em muitos aspectos (ou talvez em todos). Não acredito que haja existido em carne e osso. Tenho a convicção que se trate de mera alegoria de um dos tantos redatores anônimos da Bíblia (foram inúmeros). Simboliza tanta coisa! Pode ser tanto a metáfora mais forte do ciúme e de suas conseqüências, quanto da força de uma consciência pesada. Afinal, o Caim bíblico foi atormentado por algumas centenas de anos com o arrependimento do crime que cometeu, vindo a se constituir no primeiro dos bilhões e bilhões de homicidas que viriam a sucedê-lo. Já foi, inclusive, tratado como Ahsverus (Castro Alves escreveu poema basilar sobre esse personagem), o sujeito errante, sem eira e nem beira, que suplicava a morte, como expiação da sua culpa, mas esta lhe era invariavelmente negada.
Caim, em hebraico, aliás, significa “lança”, ou seja, arma de matar, conforme informa a enciclopédia eletrônica Wikipédia. Além de simbolizar, de ser metáfora de ciúme, o é, também, de consciência pesada, de arrependimento tardio e do instinto assassino. Saramago, em seu romance, se não o isenta de culpa, pelo menos a atenua, ao responsabilizar o deus do Velho Testamento (que grafa, sempre, em letras minúsculas) por este homicídio inaugural, que se tornaria (mau) exemplo para que outros viessem a ser cometidos mundo e tempo afora. Considera-o autor intelectual do crime “ao desprezar o sacrifício que Caim havia lhe oferecido”. Bem, não quero e não vou entrar nessa discussão. Tenho, claro, meu ponto de vista firmado a respeito, mas reservo-me o direito de mantê-lo sigiloso.
Coletei, a esmo, uma série de frases de José Saramago, que confirmam e reforçam seu caráter polêmico e iconoclasta. Como esta: “Costuma-se dizer que as paredes têm ouvidos, imagina-se o tamanho que terão as orelhas das estrelas”. Ou como esta: “Se eu estiver a ser sincero hoje, que importa que tenha de arrepender-me amanhã?”. Ou como est’outra: “Não sou pessimista. O mundo que é péssimo”. Gostaram? Eu gostei, embora as ache, (como dizer?) um tanto exóticas (não sei se seria a designação mais adequada).
Com algumas de suas frases eu me divirto, como se as ouvisse de uma criança atrevida, que não apreende o alcance do que fala, mas que revela uma genialidade precoce ao falar. Como esta: “O problema não é um deus que não existe, mas a religião que o proclama!”. Ou como esta: “Criamos um deus à nossa imagem e semelhança (...) e por isso ele é tão cruel, porque nós somos cruéis”.
Por favor, não se sintam ofendidos com alguns desses conceitos que reproduzi, mas os encare democraticamente, principalmente se discordarem deles. E entendam que não manifesto concordância (e nem discordância) em relação a nenhum deles. Faço, apenas, o papel do jornalista, que comunica a existência de algo que testemunhou, mesmo que hediondo e assustador, sem lhe ser necessariamente favorável.
Uma das frases mais pitorescas de Saramago foi sobre este meio de comunicação tão na moda e que cada vez se expande mais, que é o twitter. Escreveu: “Nem sequer é para mim uma tentação de neófito. Os tais 140 caracteres refletem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido”. E não vamos?
Sobre a morte, fez este desabafo: “O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer!”. Pois é, penalizado ou não, José Saramago, autor do hiper-polêmico romance “Caim”, único escritor de língua portuguesa a ganhar um Nobel de Literatura, deixou a vida em 18 de junho de 2010, menos de cinco meses antes de completar 88 anos de idade, no vilarejo de Lanzarote, no arquipélago espanhol das Canárias, onde se refugiou, para evitar os fanáticos, os intolerantes e os burros.
Pedro J. Bondaczuk
Polêmico. Esta é, provavelmente, a forma, diria, consensual de definir o escritor português José Saramago, admitida tanto pelos que o admiram com paixão, quase ao extremo da veneração, quanto pelos que o detestam sem limites, a ponto de odiá-lo. Em relação ao único escritor de língua portuguesa a conquistar um Prêmio Nobel de Literatura (o de 1998), as posições e opiniões raramente admitem meios-termos. Adoradores e detratores recorrem, ao se referirem a ele, invariavelmente, a extremos, positivos ou negativos.
E antes de morrer, o escritor pôs mais lenha nessa fogueira, com o último romance que escreveu, “Caim” que, exatamente por seu conteúdo polêmico, pode e deve ser classificado entre os dez melhores lançamentos de 2010 no mercado editorial. O site UOL pelo menos fez isso. Ninguém pode ficar indiferente a um livro desses.
Da minha parte, não tenho opinião formada (não a definitiva) sobre José Saramago. Às vezes considero-o genial, na sua irreverência e no seu sardônico pessimismo. Outras, acho que ele exagera ao expor com tanta insistência (e veemência) seu conhecido ateísmo que, de tanto bater nessa tecla, chega a me parecer que procura convencer a si mesmo que não deve acreditar naquilo que de fato acredita. Aliás, se há um assunto tabu, que procura evitar a qualquer custo, é o que se refere àquilo que os outros crêem ou deixam de crer.
Muitas pessoas, por exemplo, já tentaram extrapolar sobre as minhas crenças, mas nada do que escreveram a respeito (algumas com a convicção que eu jamais tive), foi exato ou sequer se aproximou da verdade. Apesar de não ser adepto dessa temática, o estilo do escritor português e algumas de suas originalíssimas conclusões me fascinam, não posso negar. E seu texto, que pode ser tudo menos convencional, me faz oscilar ora para a reverência de quem gostaria de ter sido seu discípulo, ora para o repúdio de quem entende que a crença alheia (por mais absurda que pareça) é rigorosamente pessoal, à prova de questionamentos e deve ser tratada como tabu, como tema proibido.
Convenhamos que o personagem bíblico escolhido por Saramago para o seu último livro é fascinante (e assustador) em muitos aspectos (ou talvez em todos). Não acredito que haja existido em carne e osso. Tenho a convicção que se trate de mera alegoria de um dos tantos redatores anônimos da Bíblia (foram inúmeros). Simboliza tanta coisa! Pode ser tanto a metáfora mais forte do ciúme e de suas conseqüências, quanto da força de uma consciência pesada. Afinal, o Caim bíblico foi atormentado por algumas centenas de anos com o arrependimento do crime que cometeu, vindo a se constituir no primeiro dos bilhões e bilhões de homicidas que viriam a sucedê-lo. Já foi, inclusive, tratado como Ahsverus (Castro Alves escreveu poema basilar sobre esse personagem), o sujeito errante, sem eira e nem beira, que suplicava a morte, como expiação da sua culpa, mas esta lhe era invariavelmente negada.
Caim, em hebraico, aliás, significa “lança”, ou seja, arma de matar, conforme informa a enciclopédia eletrônica Wikipédia. Além de simbolizar, de ser metáfora de ciúme, o é, também, de consciência pesada, de arrependimento tardio e do instinto assassino. Saramago, em seu romance, se não o isenta de culpa, pelo menos a atenua, ao responsabilizar o deus do Velho Testamento (que grafa, sempre, em letras minúsculas) por este homicídio inaugural, que se tornaria (mau) exemplo para que outros viessem a ser cometidos mundo e tempo afora. Considera-o autor intelectual do crime “ao desprezar o sacrifício que Caim havia lhe oferecido”. Bem, não quero e não vou entrar nessa discussão. Tenho, claro, meu ponto de vista firmado a respeito, mas reservo-me o direito de mantê-lo sigiloso.
Coletei, a esmo, uma série de frases de José Saramago, que confirmam e reforçam seu caráter polêmico e iconoclasta. Como esta: “Costuma-se dizer que as paredes têm ouvidos, imagina-se o tamanho que terão as orelhas das estrelas”. Ou como esta: “Se eu estiver a ser sincero hoje, que importa que tenha de arrepender-me amanhã?”. Ou como est’outra: “Não sou pessimista. O mundo que é péssimo”. Gostaram? Eu gostei, embora as ache, (como dizer?) um tanto exóticas (não sei se seria a designação mais adequada).
Com algumas de suas frases eu me divirto, como se as ouvisse de uma criança atrevida, que não apreende o alcance do que fala, mas que revela uma genialidade precoce ao falar. Como esta: “O problema não é um deus que não existe, mas a religião que o proclama!”. Ou como esta: “Criamos um deus à nossa imagem e semelhança (...) e por isso ele é tão cruel, porque nós somos cruéis”.
Por favor, não se sintam ofendidos com alguns desses conceitos que reproduzi, mas os encare democraticamente, principalmente se discordarem deles. E entendam que não manifesto concordância (e nem discordância) em relação a nenhum deles. Faço, apenas, o papel do jornalista, que comunica a existência de algo que testemunhou, mesmo que hediondo e assustador, sem lhe ser necessariamente favorável.
Uma das frases mais pitorescas de Saramago foi sobre este meio de comunicação tão na moda e que cada vez se expande mais, que é o twitter. Escreveu: “Nem sequer é para mim uma tentação de neófito. Os tais 140 caracteres refletem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido”. E não vamos?
Sobre a morte, fez este desabafo: “O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer!”. Pois é, penalizado ou não, José Saramago, autor do hiper-polêmico romance “Caim”, único escritor de língua portuguesa a ganhar um Nobel de Literatura, deixou a vida em 18 de junho de 2010, menos de cinco meses antes de completar 88 anos de idade, no vilarejo de Lanzarote, no arquipélago espanhol das Canárias, onde se refugiou, para evitar os fanáticos, os intolerantes e os burros.
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