Perícia e versatilidade
Pedro J. Bondaczuk
O conto é um gênero fascinante, mas dos mais difíceis de se lidar. Engraçado que, quem não é do ramo, pensa exatamente o contrário. Ou seja, que qualquer aspirante a escritor é capaz de desenvolvê-lo com desembaraço, sem precisar de maiores conhecimentos literários ou de um tantinho de experiência. Não é bem assim.
É certo que o conto propicia ao autor uma série de recursos (desde que o contista os tenha, claro), que o romance e a novela, por exemplo, não permitem. É o meu gênero literário predileto – no que diz respeito à produção – aquele em que me especializei e com o qual me sinto familiarizado. Quanto à leitura, é o segundo que mais gosto de ler, perdendo, apenas, para a poesia, que me é obsessão.
Há contos de todos os tipos e tamanhos. Há, por exemplo, os curtinhos, em que o autor narra uma história com começo, meio e fim em reles cinco linhas, se tanto. Tenho publicado aqui, neste espaço, vários desses enredos minimalistas e, pelo visto, eles são muito apreciados pelos leitores. Em contrapartida, há contos extensíssimos, que chegam a se confundir com novelas nesse aspecto. Da minha parte, no que diz respeito à extensão, alterno as duas formas, de acordo com a história que me proponho a contar.
Quanto à maneira de narrar, há contos em que a narrativa é feita de forma linear e ininterrupta e com desfechos explícitos, que o leitor adivinha logo nos primeiros parágrafos. Em contrapartida, há outros em que o autor começa quase que do final da história, retorna ao começo para conferir coerência e permitir que o leitor se situa e entenda o que está sendo narrado, e termina, em geral, de forma surpreendente. É o que se chama de “ação em média ré”. É a minha forma preferida de escrever. Não raro, deixo o epílogo no ar, com ambigüidade explícita, ficando a interpretação de como as coisas terminam por conta do leitor. E, quando possível, dando margem não apenas a uma e óbvia interpretação, mas a inúmeras delas.
Há contos envolvendo um único e solitário personagem, com seus dramas afetivos e/ou psicológicos. Outros, porém, comportam uma grande legião de pessoas, com papéis ora ínfimos ora preponderantes. Há os que contam uma só história. E há os que narram várias, simultaneamente, que podem (ou não) se interligar. Há os que são narrados exclusivamente por personagens, com diálogos em profusão, do começo ao fim, sem nenhuma descrição. E há, também, os que se caracterizam por um monólogo da primeira à última linha. Lógico que eu poderia desfiar mais um rosário de possibilidades conferidas por este gênero nobre, mas não o farei. Quem quiser saber mais a respeito que procure as devidas referências em fontes teóricas acadêmicas para se informar melhor.
O Brasil conta com muuuuitos, e excelentes contistas. Por exemplo, entre os dez melhores lançamentos de livros de 2010, relacionados pelo site UOL, os dois únicos nacionais são de contos. Um deles, lançado pela Editora Record, chamou-me particularmente a atenção, tanto pela originalidade das histórias, quanto pela forma de exposição. Refiro-me ao livro “Uma fome”, do jornalista, poeta, dramaturgo e editor de Cultura da revista Superinteressante, o gaúcho Leandro Sarmatz.
É uma obra que recomendo sem pestanejar, sobretudo a quem aprecia enredos inteligentes, expostos com competência, perícia e versatilidade. Daí achar justíssimas as referências positivas da crítica. Não posso assegurar como andam as vendas. Nem sempre (ou quase nunca) os melhores textos literários se transformam em best-sellers. Boa parte dos leitores lê apenas para se “distrair”, e não para exercitar o raciocínio, que entendo ser a forma mais nobre de leitura. Enfim... Há os que achem que “pensar dói”...
Leandro Sarmatz traz histórias que abordam imensa variedade de temas, que ficam implícitos, subjacentes no enredo, entre os quais a sexualidade (como Sigismund Freud a interpretou), a memória (assunto que também abordo com freqüência em meus contos), as crises de criatividade (grande terror dos artistas, não importa de qual arte), sua identidade judaica, as recorrentes ditaduras da América Latina, o exílio, o suicídio, e vai por aí afora. Mas o que permeia o livro todo, e está presente, ostensiva ou veladamente, em todas as histórias, é o que se constitui na nossa paixão (pelo menos a minha): a Literatura.
Claro que eu não seria sacana de reproduzir nenhum de seus contos, mesmo que apenas um trecho ou outro, pois acabaria com o fator “surpresa”, que é o grande charme deste livro. Posso assegurar, porém, que Sarmatz apresenta um texto desprovido de “gorduras” supérfluas, de exibicionismo verbal, de inutilidades semânticas que, mesmo tornando a escrita aparentemente elegante, nada acrescenta em termos de conteúdo. Sua maneira de narrar, às vezes lembra (guardadas as proporções), Franz Kafka. Em outras, se parece um tanto com Samuel Becket. De qualquer forma, guarda, o tempo todo, o despojamento de um Graciliano Ramos.
Concordo, pois, com Daniel Benevides, que em sua crítica publicada em 5 de setembro de 2010 no site UOL, afirma que o ‘humor hiponcondríaco’ é a grande característica do livro “Uma fome”, o de estréia de Leandro Sarmatz em prosa, e que ocorre em grande estilo. Trata-se de uma obra não apenas para ser lida, mas relida periodicamente e sobretudo meditada. E merece, claro, ser citada entre os dez lançamentos mais relevantes de 2010 no mercado editorial brasileiro.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O conto é um gênero fascinante, mas dos mais difíceis de se lidar. Engraçado que, quem não é do ramo, pensa exatamente o contrário. Ou seja, que qualquer aspirante a escritor é capaz de desenvolvê-lo com desembaraço, sem precisar de maiores conhecimentos literários ou de um tantinho de experiência. Não é bem assim.
É certo que o conto propicia ao autor uma série de recursos (desde que o contista os tenha, claro), que o romance e a novela, por exemplo, não permitem. É o meu gênero literário predileto – no que diz respeito à produção – aquele em que me especializei e com o qual me sinto familiarizado. Quanto à leitura, é o segundo que mais gosto de ler, perdendo, apenas, para a poesia, que me é obsessão.
Há contos de todos os tipos e tamanhos. Há, por exemplo, os curtinhos, em que o autor narra uma história com começo, meio e fim em reles cinco linhas, se tanto. Tenho publicado aqui, neste espaço, vários desses enredos minimalistas e, pelo visto, eles são muito apreciados pelos leitores. Em contrapartida, há contos extensíssimos, que chegam a se confundir com novelas nesse aspecto. Da minha parte, no que diz respeito à extensão, alterno as duas formas, de acordo com a história que me proponho a contar.
Quanto à maneira de narrar, há contos em que a narrativa é feita de forma linear e ininterrupta e com desfechos explícitos, que o leitor adivinha logo nos primeiros parágrafos. Em contrapartida, há outros em que o autor começa quase que do final da história, retorna ao começo para conferir coerência e permitir que o leitor se situa e entenda o que está sendo narrado, e termina, em geral, de forma surpreendente. É o que se chama de “ação em média ré”. É a minha forma preferida de escrever. Não raro, deixo o epílogo no ar, com ambigüidade explícita, ficando a interpretação de como as coisas terminam por conta do leitor. E, quando possível, dando margem não apenas a uma e óbvia interpretação, mas a inúmeras delas.
Há contos envolvendo um único e solitário personagem, com seus dramas afetivos e/ou psicológicos. Outros, porém, comportam uma grande legião de pessoas, com papéis ora ínfimos ora preponderantes. Há os que contam uma só história. E há os que narram várias, simultaneamente, que podem (ou não) se interligar. Há os que são narrados exclusivamente por personagens, com diálogos em profusão, do começo ao fim, sem nenhuma descrição. E há, também, os que se caracterizam por um monólogo da primeira à última linha. Lógico que eu poderia desfiar mais um rosário de possibilidades conferidas por este gênero nobre, mas não o farei. Quem quiser saber mais a respeito que procure as devidas referências em fontes teóricas acadêmicas para se informar melhor.
O Brasil conta com muuuuitos, e excelentes contistas. Por exemplo, entre os dez melhores lançamentos de livros de 2010, relacionados pelo site UOL, os dois únicos nacionais são de contos. Um deles, lançado pela Editora Record, chamou-me particularmente a atenção, tanto pela originalidade das histórias, quanto pela forma de exposição. Refiro-me ao livro “Uma fome”, do jornalista, poeta, dramaturgo e editor de Cultura da revista Superinteressante, o gaúcho Leandro Sarmatz.
É uma obra que recomendo sem pestanejar, sobretudo a quem aprecia enredos inteligentes, expostos com competência, perícia e versatilidade. Daí achar justíssimas as referências positivas da crítica. Não posso assegurar como andam as vendas. Nem sempre (ou quase nunca) os melhores textos literários se transformam em best-sellers. Boa parte dos leitores lê apenas para se “distrair”, e não para exercitar o raciocínio, que entendo ser a forma mais nobre de leitura. Enfim... Há os que achem que “pensar dói”...
Leandro Sarmatz traz histórias que abordam imensa variedade de temas, que ficam implícitos, subjacentes no enredo, entre os quais a sexualidade (como Sigismund Freud a interpretou), a memória (assunto que também abordo com freqüência em meus contos), as crises de criatividade (grande terror dos artistas, não importa de qual arte), sua identidade judaica, as recorrentes ditaduras da América Latina, o exílio, o suicídio, e vai por aí afora. Mas o que permeia o livro todo, e está presente, ostensiva ou veladamente, em todas as histórias, é o que se constitui na nossa paixão (pelo menos a minha): a Literatura.
Claro que eu não seria sacana de reproduzir nenhum de seus contos, mesmo que apenas um trecho ou outro, pois acabaria com o fator “surpresa”, que é o grande charme deste livro. Posso assegurar, porém, que Sarmatz apresenta um texto desprovido de “gorduras” supérfluas, de exibicionismo verbal, de inutilidades semânticas que, mesmo tornando a escrita aparentemente elegante, nada acrescenta em termos de conteúdo. Sua maneira de narrar, às vezes lembra (guardadas as proporções), Franz Kafka. Em outras, se parece um tanto com Samuel Becket. De qualquer forma, guarda, o tempo todo, o despojamento de um Graciliano Ramos.
Concordo, pois, com Daniel Benevides, que em sua crítica publicada em 5 de setembro de 2010 no site UOL, afirma que o ‘humor hiponcondríaco’ é a grande característica do livro “Uma fome”, o de estréia de Leandro Sarmatz em prosa, e que ocorre em grande estilo. Trata-se de uma obra não apenas para ser lida, mas relida periodicamente e sobretudo meditada. E merece, claro, ser citada entre os dez lançamentos mais relevantes de 2010 no mercado editorial brasileiro.
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