Reconhecimento, posto que tardio
Pedro J. Bondaczuk
A escritora espanhola Ana Maria Matute, catalã de nascimento, mas “cidadã do mundo”, como se define, é tida e havida, e há já vários anos, por grande parte dos críticos literários europeus, em especial os da Espanha, como a melhor novelista do pós-guerra civil desse país. Além de escrever romances, contos e novelas, é professora de letras e atua como mestra convidada também no Exterior, em três renomadas universidades dos Estados Unidos: as dos Estados de Indiana, Oklahoma e Virginia.
Ana Maria, a despeito do seu estilo refinado, inacessível a quem não tenha razoável cultura geral e bom conhecimento de literatura, tem, há muito, um público fiel e cativo, que faz dela uma das escritoras mais bem sucedidas da Espanha na atualidade. Há tempos conta, também, com o reconhecimento da crítica especializada. Faltava-lhe, todavia, um prêmio literário de grande expressão para consagrá-la de vez, como uma das grandes ficcionistas contemporâneas. Faltava... Não falta mais.
Com muita justiça (que tardou, mas não falhou) – e quem conhece sua obra sabe do que estou falando – Ana Maria Matute, que é membro da Real Academia Española, conquistou o Prêmio Cervantes de 2010, considerado o Nobel das letras hispânicas, e praticamente seis meses depois de completar 85 anos de idade (em 26 de julho de 2010). Que bom que foi reconhecida. Antes tarde do que nunca.
Considero, no entanto, que ainda há poucas mulheres conquistando os grandes prêmios de literatura, mundo afora. Não que sua produção seja inferior à dos homens. Em determinados períodos, até a supera, em quantidade e em qualidade. Há, ainda, no meu entender, um certo “ranço” de preconceito de gênero, inconcebível em pleno século XXI. Até porque, competência e criatividade não são e nunca serão questões de sexo. Ou as pessoas são competentes e criativas, não importa se homens ou mulheres, ou não são.
Quando se levanta a questão, os responsáveis pela atribuição dos principais prêmios literários negam que haja esse tipo de preconceito. Não estranho, todavia, essa negativa. Só faltava alguém admitir que é preconceituoso e assumir isso publicamente. Nunca vi ninguém fazer isso. Façam um levantamento dos ganhadores do Prêmio Nobel de Literatura e vejam quantas mulheres conquistaram-no. Foram poucas. Cabe, inclusive, o superlativo: pouquíssimas.
Quanto ao Cervantes, Ana Maria Matute é, apenas, a terceira mulher a ser contemplada. As duas anteriores foram a também espanhola Maria Zambrano (1988) e a poetisa cubana Dulce Maria Loynez (1992). Os círculos literários, convenhamos, não podem se transformar numa espécie de Clube do Bolinha, sob pena de perderem credibilidade. Tem que ser premiado quem tiver uma obra consistente, criativa e original. A questão de se tratar de homem ou de mulher não deve sequer ser cogitada.
O Prêmio Miguel de Cervantes foi instituído em 1974. Premia, alternadamente, num ano escritores espanhóis e em outro latino-americanos que escrevam em castelhano. Essa espécie de regra informal foi quebrada apenas quatro vezes. Nos anos de 1982-1983, contemplou, respectivamente, Luís Rosales e Rafael Alberti e de 1985-1986, premiou Gonzalo Torrente Balester e Antonio Buero Valejo. Os quatro nomes citados são de escritores espanhóis. No caso de latino-americanos, isso ocorreu em 1980-1981, com Juan Carlos Onetti do Uruguai e Octávio Paz do México, respectivamente e em 1989-1990, com Augusto Roa Bastos, do Paraguai e Adolfo Bioy Casares, da Argentina.
Da América Latina, muito “peso pesado” já conquistou o Cervantes. Alguns também acabaram somando o Nobel às suas coleções. Outros tantos, não. Entre os grandes ganhadores da América Latina podemos citar o cubano Alejo Carpentier (1977); o argentino Jorge Luís Borges, um dos injustiçados do Nobel (1979); o uruguaio Juan Carlos Onetti (1980); o mexicano Octávio Paz, que na sequência ganharia o Nobel (1981) e vai por aí afora. Sem esquecer de Ernesto Sabato, Carlos Fuentes, Augusto Roa Bastos, Adolfo Bioy Casares e Mário Vargas Llosa.
Sentiram como é rica a literatura latino-americana? Mas onde estão as mulheres? Elas estão produzindo, criando, publicando e vendendo tanto quanto os homens, mas à espera de um reconhecimento, mesmo que tardio, como o que acabou de acontecer com Ana Maria Matute. Os romances dessa escritora são uma espécie de radiografia da sociedade espanhola, com sua grandeza e seus inúmeros problemas. Em quase toda a sua obra, a Guerra Civil aparece, de uma forma ou de outra, como pano de fundo, por se tratar de divisora de águas da história da Espanha.
Uma das características desta escritora são as trilogias. Utiliza os mesmos personagens em três histórias diferentes, que podem ou não ter ligações entre si. E isso nos três gêneros de ficção que explora: romance, conto e novela. Tomara que sua conquista abra as portas para novas mulheres, quer da Espanha, quer na América Latina, que neste momento produzem obras competentes, consistentes, criativas e marcantes.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
A escritora espanhola Ana Maria Matute, catalã de nascimento, mas “cidadã do mundo”, como se define, é tida e havida, e há já vários anos, por grande parte dos críticos literários europeus, em especial os da Espanha, como a melhor novelista do pós-guerra civil desse país. Além de escrever romances, contos e novelas, é professora de letras e atua como mestra convidada também no Exterior, em três renomadas universidades dos Estados Unidos: as dos Estados de Indiana, Oklahoma e Virginia.
Ana Maria, a despeito do seu estilo refinado, inacessível a quem não tenha razoável cultura geral e bom conhecimento de literatura, tem, há muito, um público fiel e cativo, que faz dela uma das escritoras mais bem sucedidas da Espanha na atualidade. Há tempos conta, também, com o reconhecimento da crítica especializada. Faltava-lhe, todavia, um prêmio literário de grande expressão para consagrá-la de vez, como uma das grandes ficcionistas contemporâneas. Faltava... Não falta mais.
Com muita justiça (que tardou, mas não falhou) – e quem conhece sua obra sabe do que estou falando – Ana Maria Matute, que é membro da Real Academia Española, conquistou o Prêmio Cervantes de 2010, considerado o Nobel das letras hispânicas, e praticamente seis meses depois de completar 85 anos de idade (em 26 de julho de 2010). Que bom que foi reconhecida. Antes tarde do que nunca.
Considero, no entanto, que ainda há poucas mulheres conquistando os grandes prêmios de literatura, mundo afora. Não que sua produção seja inferior à dos homens. Em determinados períodos, até a supera, em quantidade e em qualidade. Há, ainda, no meu entender, um certo “ranço” de preconceito de gênero, inconcebível em pleno século XXI. Até porque, competência e criatividade não são e nunca serão questões de sexo. Ou as pessoas são competentes e criativas, não importa se homens ou mulheres, ou não são.
Quando se levanta a questão, os responsáveis pela atribuição dos principais prêmios literários negam que haja esse tipo de preconceito. Não estranho, todavia, essa negativa. Só faltava alguém admitir que é preconceituoso e assumir isso publicamente. Nunca vi ninguém fazer isso. Façam um levantamento dos ganhadores do Prêmio Nobel de Literatura e vejam quantas mulheres conquistaram-no. Foram poucas. Cabe, inclusive, o superlativo: pouquíssimas.
Quanto ao Cervantes, Ana Maria Matute é, apenas, a terceira mulher a ser contemplada. As duas anteriores foram a também espanhola Maria Zambrano (1988) e a poetisa cubana Dulce Maria Loynez (1992). Os círculos literários, convenhamos, não podem se transformar numa espécie de Clube do Bolinha, sob pena de perderem credibilidade. Tem que ser premiado quem tiver uma obra consistente, criativa e original. A questão de se tratar de homem ou de mulher não deve sequer ser cogitada.
O Prêmio Miguel de Cervantes foi instituído em 1974. Premia, alternadamente, num ano escritores espanhóis e em outro latino-americanos que escrevam em castelhano. Essa espécie de regra informal foi quebrada apenas quatro vezes. Nos anos de 1982-1983, contemplou, respectivamente, Luís Rosales e Rafael Alberti e de 1985-1986, premiou Gonzalo Torrente Balester e Antonio Buero Valejo. Os quatro nomes citados são de escritores espanhóis. No caso de latino-americanos, isso ocorreu em 1980-1981, com Juan Carlos Onetti do Uruguai e Octávio Paz do México, respectivamente e em 1989-1990, com Augusto Roa Bastos, do Paraguai e Adolfo Bioy Casares, da Argentina.
Da América Latina, muito “peso pesado” já conquistou o Cervantes. Alguns também acabaram somando o Nobel às suas coleções. Outros tantos, não. Entre os grandes ganhadores da América Latina podemos citar o cubano Alejo Carpentier (1977); o argentino Jorge Luís Borges, um dos injustiçados do Nobel (1979); o uruguaio Juan Carlos Onetti (1980); o mexicano Octávio Paz, que na sequência ganharia o Nobel (1981) e vai por aí afora. Sem esquecer de Ernesto Sabato, Carlos Fuentes, Augusto Roa Bastos, Adolfo Bioy Casares e Mário Vargas Llosa.
Sentiram como é rica a literatura latino-americana? Mas onde estão as mulheres? Elas estão produzindo, criando, publicando e vendendo tanto quanto os homens, mas à espera de um reconhecimento, mesmo que tardio, como o que acabou de acontecer com Ana Maria Matute. Os romances dessa escritora são uma espécie de radiografia da sociedade espanhola, com sua grandeza e seus inúmeros problemas. Em quase toda a sua obra, a Guerra Civil aparece, de uma forma ou de outra, como pano de fundo, por se tratar de divisora de águas da história da Espanha.
Uma das características desta escritora são as trilogias. Utiliza os mesmos personagens em três histórias diferentes, que podem ou não ter ligações entre si. E isso nos três gêneros de ficção que explora: romance, conto e novela. Tomara que sua conquista abra as portas para novas mulheres, quer da Espanha, quer na América Latina, que neste momento produzem obras competentes, consistentes, criativas e marcantes.
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