Sunday, May 08, 2011







Prática cotidiana


Pedro J. Bondaczuk


A Europa continua dando lições de práticas democráticas ao mundo, com a sucessão de crises políticas que vem enfrentando, sem que isso chegue a ameaçar, nem mesmo remotamente, as instituições dos países onde elas se desenvolvem.
Três sociedades nacionais do continente estão em vias de mudar governos: Itália, Portugal e Islândia. Mas nos três, ao contrário do que ocorre no Terceiro Mundo em circunstâncias semelhantes, não circulam boatos sobre possíveis golpes de Estado, a população não vive nenhuma espécie de sobressalto e nem mesmo os programas essenciais, de médio e longo prazo, sofrem solução de continuidade. A troca de governo, nesses países, é prática normal, corriqueira, quase sonolenta.
A Itália, por exemplo, passa por uma crise política de oito semanas, desde quando o seu gabinete de maior duração no pós-guerra, o da coalizão liderada pelo socialista Bettino Craxi, renunciou, por divergências internas.
Houve, a partir da renúncia, mais especificamente desde 3 de março passado, intenso vaivém entre as lideranças partidárias. O presidente Francesco Cossiga tentou, a todo o custo, evitar a antecipação das eleições. Não porque fosse avesso à consulta às urnas, como acontece, amiúde, com os caudilhos e candidatos a ditadores da América Latina. Fez isso por causa dos custos que um processo eleitoral, qualquer que seja, envolve. E para que a Itália tivesse um governo forte quando da anunciada visita do presidente norte-americano, Ronald Reagan, ao país.
Não foi possível, no entanto, segurar mais. Paciência! O chefe de Estado, simplesmente, dissolveu o Parlamento e convocou as eleições. Isto, porém, sem traumas, sem sustos e sem nenhum sobressalto.
O mesmo aconteceu em Portugal, país que vive a plena normalidade democrática há 13 anos e onde o socialista Mário Soares deu uma lição extraordinária de isenção e de competência. Uma desastrada moção de censura, apresentada pelos partidários do ex-presidente Ramalho Eanes, no princípio do mês, levou o primeiro-ministro conservador, Aníbal Cavaco Silva, a pedir a renúncia do seu gabinete.
A expectativa entre as esquerdas portuguesas era a de que o chefe de Estado lhes fosse atribuir a tarefa de formação de outro governo, minoritário. Esse seria, sem dúvida, o melhor caminho para essas facções, mas não o ideal para o país. Muita gente pensava que, por ser do PS, o presidente iria favorecer esse partido, nem que isso fosse em detrimento dos interesses nacionais. Quem pensava dessa forma, porém, se equivocou redondamente.
Mário Soares fez o que os conservadores esperavam, mas não acreditavam que faria. Ou seja, dissolveu o Parlamento e convocou eleições antecipadas para 19 de julho próximo. Os benefícios, óbvios, dessa votação extemporânea, serão de Cavaco Silva e seus correligionários, já que o primeiro-ministro fez excelente gestão, levando prosperidade ao país. Hoje ele é um dos políticos mais populares de Portugal e deverá vencer, até com relativa tranqüilidade, com chances do seu partido obter, sozinho, a maioria absoluta, o que lhe permitiria formar um gabinete sem a necessidade de alianças e, por isso, sólido e estável.
Na Islândia, finalmente, o fiel da balança foi a primeira organização política exclusivamente feminina a conseguir cadeiras no Parlamento. O sucesso das mulheres fez com que o partido do primeiro-ministro Steingrimur Hermansson perdesse a maioria parlamentar e que, em conseqüência, se visse forçado a renunciar.
O país teve suas eleições no sábado. No entanto, se ninguém conseguir formar um gabinete (e a formação somente será possível mediante coalizões), a Assembléia recém eleita poderá ser dissolvida, mesmo sem ter sido diplomada e empossada. Sem traumas ou sobressaltos, os eleitores serão, novamente, convocados a comparecer às urnas para resolver o impasse que eles mesmos criaram.
É este o tipo de comportamento que defendemos para a América Latina. O de tornar a democracia não um ato consentido pelos tiranos, enquanto engendram novos golpes de Estado, mas uma rotina, uma ação comum e corriqueira, tão automática quanto dormir, comer ou se banhar.
Só então teremos estabilidade econômica e justiça social. Só então as Constituições latino-americanas poderão trazer, seu conceito de governo, a premissa de que este é “do povo, pelo povo e para o povo”. Por enquanto, isso não passa de mera força de expressão ou de simples manifestação de intenção coletiva e nada mais.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 29 de abril de 1987).

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: