Ficção mesclada à realidade
Pedro J. Bondaczuk
O romance contemporâneo tem uma característica que me agrada bastante, já que sou jornalista por profissão (e por opção): a mistura de fatos reais com ficção, com a imaginação do romancista complementando a realidade. Muitos enredos podem parecer, até, aos desavisados, como uma boa reportagem, posto que mais dinâmica, por conta dos diálogos entre os protagonistas, de tão realistas (e verossímeis) que são. Alguns escritores chegam ao requinte de misturar não somente fatos e cenários reais aos fictícios, como até personagens de carne e osso com outros que existem somente em suas cabeças. Quando isso é feito com talento e criatividade, o resultado, via de regra, é um best-seller, que vale ao autor não somente copiosa quantidade de dólares (ou de euros, a moeda da moda) em sua conta bancária, mas muitos e muitos prêmios internacionais.
É o caso, por exemplo, do romance “Deixe o grande mundo girar”, do irlandês, radicado em Nova York, Colum McCann, livro que valeu ao autor o cobiçadíssimo prêmio literário National Book Award 2009, um dos mais prestigiosos e cobiçados de todos os que existem. Esta obra foi relacionada, pelo site UOL como um dos dez principais lançamentos editoriais de 2010 (indicação com a qual concordo sem pestanejar). No Brasil, coube à Editora Record presentear os amantes das letras com uma edição primorosa e bem cuidada, que teve tradução perfeita de Maria José Silveira.
Colum McCann é um dos maiores talentos mundiais da nova geração de romancistas. Aos 45 anos de idade (nasceu em Dublin, na República da Irlanda, ou Eire, como queiram, em 1965), já conquistou fama, respeito, dinheiro, credibilidade e muitos prêmios internacionais. Considero-o jovem, já que tem idade para ser meu filho. Para que vocês tenham uma idéia, quando ele nasceu, eu já estava trabalhando, com carteira assinada, há cinco anos. Para mim, portanto, é um menino. E que menino prodigioso!
O grande lance da sua vida foi o fato de mudar-se para Nova York que, mais do que cenário para seus romances, se tornou, praticamente, “personagem” de suas sumamente verossímeis histórias, com cara e jeito de reportagens. Essa mudança ocorreu em 1983, cerca de seis meses antes dele completar dezoito anos de idade. Atuava, na época, como repórter, com salário, conforme confessa, “vil, abaixo da linha da miséria”. Tudo mudou quando conseguiu publicar seu primeiro livro. Desde então, acumula sucesso sobre sucesso, e em 30 idiomas, o que não é brincadeira. Além de se dedicar atualmente à literatura, escreve para vários prestigiosos jornais, do porte do The New Yorker, do The New York Times Magazine, do The Atlantic Monthly e do The Paris Review, entre outros.
Como afirmei no início deste comentário, o romance “Deixe o grande mundo girar” mistura ficção com realidade, mas ambas tão bem tecidas que se torna quase impossível distinguir uma da outra. McCann aborda, por exemplo, a aventura do equilibrista francês Phillipe Petit. Esse maluco de pedra (ou seria suicida em potencial?), cismou, em um determinado dia de agosto de 1974 de brincar nas alturas, nas torres gêmeas do há nove anos arrasado World Trade Center. Estendeu uma corda-bamba no 110º andar de um prédio a outro e, por 50 intermináveis minutos, “passeou” por sobre o abismo, desafiando, de peito aberto, a morte. Mas os malucos têm sorte!
Claro que a maluquice do francês causou o maior reboliço na Big Apple! O equilibrista, todavia, é apenas um personagem, e ainda por cima ocasional (não o principal, portanto) do romance. Como é meu costume, não resumirei o enredo, para não tirar o gosto da surpresa do leitor. Mas reproduzo este trecho da resenha feita por Ana Rocha desta tão bem contada história: “Soldados não voltando do Vietnã, famílias desoladas tendo que refazer seus caminhos. Os subúrbios da cidade e a falta de esperança no futuro. A dor que une a todos e possibilita novos caminhos. E o equilibrista arriscando a própria vida só para poder cruzar as maiores torres do mundo. Histórias que a princípio não têm nenhuma conexão, acabam se revelando parte de uma mesma efervescente Nova York”.
Mas o que mais me fascina em “Deixe o grande mundo girar” é a perícia, a capacidade descritiva de Colum McCann. Ele “pinta”, com palavras, os cenários à perfeição e a gente nem precisa fazer qualquer exercício de imaginação para “visualizá-los”. Na edição lançada pela Editora Record, méritos têm que ser dados para a tradutora Maria José Silveira, que reproduziu com rara competência as magníficas descrições do autor.
Para que vocês não achem que estou exagerando (o que às vezes ocorre comigo quando gosto de algum escritor), confiram por si mesmos, neste trecho que reproduzo, a título de amostra, o porque do meu entusiasmo por este romance: “Ao redor dos observadores, a cidade ainda fazia seus barulhos cotidianos. Buzinas de carros. Caminhões de lixo. Apito das barcas. O zumbido do metrô. O ônibus M22 avançou contra a calçada, freou, murchou em um buraco. Uma embalagem de chocolate jogada fora bateu em um hidrante. Portas de táxi batiam. Pedaços de lixo se enfiavam nos cantos mais escuros das passagens. Tênis se acomodavam. O couro das pastas roçava na perna das calças. Algumas pontas de guarda-chuvas tiniam no calçamento. Portas giratórias empurravam conversas entrecortadas para a rua”.
Por esta pequena amostra, dá para o leitor concluir, portanto, que não há nenhum exagero no meu entusiasmo (ou há?). Colum McCann é, de fato, um prodígio. E não fui somente eu que cheguei a essa óbvia conclusão, mas foram, também, os jurados do National Book Award, que lhe atribuíram o prêmio de 2009. E digo mais, não ficarei nada, nada surpreso se o próximo passo for a conquista do Nobel de Literatura.
Pedro J. Bondaczuk
O romance contemporâneo tem uma característica que me agrada bastante, já que sou jornalista por profissão (e por opção): a mistura de fatos reais com ficção, com a imaginação do romancista complementando a realidade. Muitos enredos podem parecer, até, aos desavisados, como uma boa reportagem, posto que mais dinâmica, por conta dos diálogos entre os protagonistas, de tão realistas (e verossímeis) que são. Alguns escritores chegam ao requinte de misturar não somente fatos e cenários reais aos fictícios, como até personagens de carne e osso com outros que existem somente em suas cabeças. Quando isso é feito com talento e criatividade, o resultado, via de regra, é um best-seller, que vale ao autor não somente copiosa quantidade de dólares (ou de euros, a moeda da moda) em sua conta bancária, mas muitos e muitos prêmios internacionais.
É o caso, por exemplo, do romance “Deixe o grande mundo girar”, do irlandês, radicado em Nova York, Colum McCann, livro que valeu ao autor o cobiçadíssimo prêmio literário National Book Award 2009, um dos mais prestigiosos e cobiçados de todos os que existem. Esta obra foi relacionada, pelo site UOL como um dos dez principais lançamentos editoriais de 2010 (indicação com a qual concordo sem pestanejar). No Brasil, coube à Editora Record presentear os amantes das letras com uma edição primorosa e bem cuidada, que teve tradução perfeita de Maria José Silveira.
Colum McCann é um dos maiores talentos mundiais da nova geração de romancistas. Aos 45 anos de idade (nasceu em Dublin, na República da Irlanda, ou Eire, como queiram, em 1965), já conquistou fama, respeito, dinheiro, credibilidade e muitos prêmios internacionais. Considero-o jovem, já que tem idade para ser meu filho. Para que vocês tenham uma idéia, quando ele nasceu, eu já estava trabalhando, com carteira assinada, há cinco anos. Para mim, portanto, é um menino. E que menino prodigioso!
O grande lance da sua vida foi o fato de mudar-se para Nova York que, mais do que cenário para seus romances, se tornou, praticamente, “personagem” de suas sumamente verossímeis histórias, com cara e jeito de reportagens. Essa mudança ocorreu em 1983, cerca de seis meses antes dele completar dezoito anos de idade. Atuava, na época, como repórter, com salário, conforme confessa, “vil, abaixo da linha da miséria”. Tudo mudou quando conseguiu publicar seu primeiro livro. Desde então, acumula sucesso sobre sucesso, e em 30 idiomas, o que não é brincadeira. Além de se dedicar atualmente à literatura, escreve para vários prestigiosos jornais, do porte do The New Yorker, do The New York Times Magazine, do The Atlantic Monthly e do The Paris Review, entre outros.
Como afirmei no início deste comentário, o romance “Deixe o grande mundo girar” mistura ficção com realidade, mas ambas tão bem tecidas que se torna quase impossível distinguir uma da outra. McCann aborda, por exemplo, a aventura do equilibrista francês Phillipe Petit. Esse maluco de pedra (ou seria suicida em potencial?), cismou, em um determinado dia de agosto de 1974 de brincar nas alturas, nas torres gêmeas do há nove anos arrasado World Trade Center. Estendeu uma corda-bamba no 110º andar de um prédio a outro e, por 50 intermináveis minutos, “passeou” por sobre o abismo, desafiando, de peito aberto, a morte. Mas os malucos têm sorte!
Claro que a maluquice do francês causou o maior reboliço na Big Apple! O equilibrista, todavia, é apenas um personagem, e ainda por cima ocasional (não o principal, portanto) do romance. Como é meu costume, não resumirei o enredo, para não tirar o gosto da surpresa do leitor. Mas reproduzo este trecho da resenha feita por Ana Rocha desta tão bem contada história: “Soldados não voltando do Vietnã, famílias desoladas tendo que refazer seus caminhos. Os subúrbios da cidade e a falta de esperança no futuro. A dor que une a todos e possibilita novos caminhos. E o equilibrista arriscando a própria vida só para poder cruzar as maiores torres do mundo. Histórias que a princípio não têm nenhuma conexão, acabam se revelando parte de uma mesma efervescente Nova York”.
Mas o que mais me fascina em “Deixe o grande mundo girar” é a perícia, a capacidade descritiva de Colum McCann. Ele “pinta”, com palavras, os cenários à perfeição e a gente nem precisa fazer qualquer exercício de imaginação para “visualizá-los”. Na edição lançada pela Editora Record, méritos têm que ser dados para a tradutora Maria José Silveira, que reproduziu com rara competência as magníficas descrições do autor.
Para que vocês não achem que estou exagerando (o que às vezes ocorre comigo quando gosto de algum escritor), confiram por si mesmos, neste trecho que reproduzo, a título de amostra, o porque do meu entusiasmo por este romance: “Ao redor dos observadores, a cidade ainda fazia seus barulhos cotidianos. Buzinas de carros. Caminhões de lixo. Apito das barcas. O zumbido do metrô. O ônibus M22 avançou contra a calçada, freou, murchou em um buraco. Uma embalagem de chocolate jogada fora bateu em um hidrante. Portas de táxi batiam. Pedaços de lixo se enfiavam nos cantos mais escuros das passagens. Tênis se acomodavam. O couro das pastas roçava na perna das calças. Algumas pontas de guarda-chuvas tiniam no calçamento. Portas giratórias empurravam conversas entrecortadas para a rua”.
Por esta pequena amostra, dá para o leitor concluir, portanto, que não há nenhum exagero no meu entusiasmo (ou há?). Colum McCann é, de fato, um prodígio. E não fui somente eu que cheguei a essa óbvia conclusão, mas foram, também, os jurados do National Book Award, que lhe atribuíram o prêmio de 2009. E digo mais, não ficarei nada, nada surpreso se o próximo passo for a conquista do Nobel de Literatura.
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