Wednesday, May 18, 2011







Questão de opinião

Pedro J. Bondaczuk

A opinião alheia – quer a nosso respeito, quer sobre nosso comportamento, ações e principalmente obras – é muito importante, desde que quem opine esteja habilitado a opinar. E mesmo que não esteja, e ela nos for desfavorável, embora fira nosso ego e arranhe nosso amor próprio, deve ser levada em conta, ou para descartá-la, por se mostrar errônea ou para corrigirmos alguma falha que não havíamos notado e que outros notaram. Deve servir, portanto, guardadas as proporções, como uma espécie de alarme, de sinal vermelho, de que algo em nós não está normal ou correto.

Ouço, a todo o momento, pessoas dizerem que não ligam para opiniões alheias. Quando isso acontece, rio à socapa, disfarçadamente (para não perder o amigo, se tiver relação de amizade, ou para não acirrar o inimigo, se for o caso), pois não creio que estejam sendo sinceras. Ou, se o forem, enganam-se a si mesmas. Tudo o que fazemos, rigorosamente tudo, é para agradar, conquistar ou impressionar alguém. Ou seja, para obter uma opinião favorável do interlocutor ou do simples e anônimo transeunte que cruza conosco num lugar qualquer. Alguns podem até estar sendo sinceros quando dizem não ligar para opiniões, mas lá no fundo do subconsciente, ligam, e muito.

Vamos analisar, primeiro, o lado de quem opina. Os que têm alguma coisa útil a dizer ambicionam ser ouvidos (ou lidos), com respeito e com atenção. Os que não têm, mas acham que têm, igualmente acalentam essa ambição. Restrinjamo-nos, todavia, ao primeiro grupo. Poucos têm esse privilégio de ver suas opiniões acatadas. Estas recebem, via de regra, restrições, ora de forma velada, ora ostensiva. É bom que isso ocorra, desde que de forma respeitosa e cortês. A divergência de opiniões tende a gerar debates que, se objetivos, são esclarecedores.

Meu ensaísta predileto, Henry David Thoreau, fez essa constatação de que é raro respeitarem o que pensamos de algo ou alguém no ensaio “A vida sem princípio”. Para quem não o conhece, foi um anarquista (no sentido lato do termo, ou seja, do que defende a preponderância do indivíduo sobre governos e organizações) cujos textos são estudados em todas as escolas dos Estados Unidos. É um clássico do gênero. Chegou a ser preso, por se opor à interferência do governo do seu país em sua vida pessoal. Thoreau, inspirador de Gandhi, escreveu: “Nunca me senti tão lisonjeado quanto no dia em que alguém pediu a minha opinião e prestou atenção ao que eu disse... pois é uma forma rara de fazer uso de minha pessoa; é como estar acostumado a usar uma ferramenta”. Portanto, é questão de humanidade e de justiça prestarmos atenção, sempre, nas opiniões alheias, mesmo que contrariem as nossas.

Tudo bem, e qual é o ponto de vista do agente passivo da opinião? Você aceita, numa boa, restrição, digamos, ao seu modo de andar, de vestir, de sentar, à sua fala, ao conteúdo do que você diz e, no nosso caso de escritores, àquilo que você escreve e a maneira como faz? Quem tem esse cuidado, quem não é cheio de melindres e é maduro o suficiente para absorver críticas e transformá-las em instrumentos de evolução pessoal e notadamente literária, tem maiores chances de vencer neste complicado, mas ainda assim fascinante, mundo das letras. O excessivamente vaidoso, o sujeito que se melindra com qualquer coisa, o arrogante e prepotente, perde oportunidade preciosa de saber o que os outros pensam a seu respeito e sobre o que faz. Fica, pois, sem parâmetro e suas chances de despencar no abismo do ridículo são enormes, quase que de 100%.

No meu caso, nunca libero um mísero texto meu sem submetê-lo à leitura prévia de alguém. Com isso, tenho me livrado de gafes imensas, alertado, previamente, para contundentes equívocos, quando não aberrações que não havia percebido durante a redação. Mesmo assim, alguns ainda escapam e depõem contra mim publicamente. Imaginem se eu fosse absolutamente refratário a opiniões! Hoje eu seria o “bobo da corte” preferido do público. Aliás, por falar neste, é importante que definamos o perfil dos nossos leitores potenciais. Porque, a menos que sejamos clones de Machado de Assis, dificilmente iremos agradar a gregos e troianos. Alguns vão achar nossa linguagem e estilo rebuscados em demasia. Outros, provavelmente, os acharão piegas e infantis. Depende do gosto e do grau cultural de cada um.

Tempos atrás, quando você encaminhava um livro a uma editora, para que esta decidisse sobre sua viabilidade de ser publicado, algumas delas exigiam que você definisse qual seu público-alvo. Esta era, aliás, a chave que poderia abrir-lhe, ou fechar-lhe as portas, conforme o caso. Ultimamente não tenho notícias de que esse procedimento esteja mantido.

Dependendo da cultura do leitor (ou da falta dela), seu livro pode deixar de vender por ser profundo demais. Parcela dos leitores será incapaz de “digerir mentalmente” suas idéias, por serem profundas e sofisticadas. A rejeição de um outro grupo pode se dar pela razão contrária (o que, no meu entender, é muito pior). Ou seja, por achar que aquilo que você escreveu é mais óbvio do que as observações daquele personagem de Eça de Queiroz no romance “O primo Basílio”: o Conselheiro Acácio. Já conversei com pessoas que disseram, na maior cara dura, por exemplo, que não gostavam de Drummond, Bandeira e Quintana. Preferiam outros poetas, digamos, “menores”, cujos versos não passavam de enjoativa “água com açúcar”, óbvios e piegas. Você não iria querer destinar sua obra para este tipo de público. Claro que após ouvir disparates como este, essa manifestação de mau gosto, eu sempre saía de perto, para não ser instado a opinar a respeito. Se o fizesse... seria briga na certa!

A verdade é que temos o hábito de fazer juízo de tudo e de todos, mesmo do que não compreendemos. Se tivermos o cuidado de buscar esclarecimento do que desconhecemos, ou do que temos incompletas noções, e mudarmos nossa opinião, não haverá problema. Estaremos corrigindo uma injustiça cometida pela pressa de julgar. Mas, via de regra, não é o que ocorre. Por isso, somos tão injustos em relação ao próximo, embora nos rebelemos quando alguém comete algum tipo de injustiça conosco. Se guardarmos apenas para nós os juízos e opiniões equivocados, o mal será menor (embora não desapareça). Não estaremos induzindo ninguém ao erro. A ação mais comum, porém, não é esta. A tendência é externarmos juízos e opiniões, mesmo os nitidamente equivocados, e não termos a humildade de nos corrigir quando descobrimos a injustiça cometida. O poeta italiano, Ludovico Ariosto, fez este desabafo, na boca de um personagem: “Como é comum que o juízo humano se engane!” Como é comum que opiniões negativas (mesmo que pertinentes) agridam nosso amor próprio!!!



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