Thursday, May 19, 2011







Apenas tempo

Pedro J. Bondaczuk

Perguntaram-me, de chofre, outro dia: “Pedrão, se você pudesse fazer, sem pensar, um pedido, um único, na certeza de que seria atendido, o que pediria?”. Trata-se, como se vê, de um questionamento capcioso, já que são tantos e tantos e tantos necessidades, carências e desejos, que ter atendido um único não iria resolver muito a nossa situação. Como parte da pergunta vem acompanhada de uma condição – a de não pensar – mais na base do emocional do que do racional, eu pediria tempo. Tempo para fazer o que quero e gosto, sem esse monte de obrigações que tenho no cotidiano. Tempo que fosse só meu, sem a menor interferência de quem quer que fosse. Tempo para ler e escrever poesia.
Não que eu não faça isso atualmente. Até porque, isso já se incorporou à minha vida e se tornou, literalmente, uma necessidade física, anímica, vital, imprescindível e indispensável, como comer, beber, dormir, respirar etc. Mas faço isso sem condições de “saborear” poema algum (nem os que escrevo e nem os de meus poetas preferidos, como Drummond, Quintana, Bandeira, Cecília Meirelles, Neruda etc.etc.etc.). E, sem esquecer, logicamente, do saudoso e magnífico Mauro Sampaio, cuja amizade era, por si só, estupendo poema vivo.
Como poderia esquecer quem escreveu versos como estes, do poema intitulado “Transpus”? O título não lhes diz nada? Pois leiam o que este íntimo das Musas escreveu: “transpus a minha alma/e embarquei em minha vontade./Hoje apenas farei a minha vontade./Não alimentarei esperanças do abstrato./Minha vontade apenas.?riscarei em mim o amor com suas obrigações./Riscarei a honra e o nome./Hoje apenas eu. Serei o meu dono,/e me levarei por onde minha vontade det./Sei que tenho realmente mil imagens./E hoje todas serão expostas./Que causem enjôos, vômitos e pena./Que cada um se enoje e se assuste./Que cada um se afaste definitivamente./Hoje não trairei as minhas imagens”.
Agora vocês entenderam por que eu pediria apenas tempo, tempo e tempo? Mas que fosse, reitero, todinho meu. Caso esse desejo se realizasse, da forma exata como quero, eu seria apenas “eu”, sem essa mistura de máscaras que preciso amarrar no rosto para encarar o cotidiano. Máscara de cidadão, mas que exerce a cidadania apenas até onde lhe permitem. Máscara de profissional zeloso, mas que produz sem tesão, de olho, apenas, no dinheiro, para garantir o sustento. Máscara do arauto das más novas, que é o que nós jornalistas somos. Mascarado, nenhum desses tipos é o meu real.
Tempo, tempo, tempo... Existe bem mais precioso para um ser tão frágil e efêmero quanto somos? E, no entanto, quando o temos, não raro o esbanjamos, o desperdiçamos, reclamamos do tédio e deixamos que se escoe pelo ralo, sem se dar conta de que os dias, horas, minutos e segundos perdidos são rigorosamente irrecuperáveis.

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