Tuesday, May 31, 2011







Fonte de reflexão

Pedro J. Bondaczuk


Permita-me, caríssimo leitor, o atrevimento de invadir sua privacidade, para perguntar: por que você lê? Por que é obrigado por seus professores? Para aprender? Para se divertir? Ou por todos estes motivos juntos? É óbvio que, se não for dado ao hábito da leitura, não estará lendo este questionamento. Por isso, não terá como respondê-lo. Para tudo há uma razão e para este saudabilíssimo exercício (na verdade supremo privilégio), também há. Machado de Assis, no livro “Cartas fluminenses”, capítulo I, intitulado “A opinião pública”, confessa: “Leio por instruir-me; as vezes por consolar-me. Creio nos livros e adoro-os”.

Meu motivo para a leitura é semelhante. Só aduziria que, além de instruir-me e de consolar-me, leio para exercitar a capacidade de reflexão. Sobretudo sobre este insondável mistério, que é o atinente à minha origem e ao meu fim, ou seja, à vida e à morte. Detesto temas mórbidos e, sempre que posso, fujo deles. Conheço, e muito, qual meu destino final, mas recuso-me a pensar nele, pelo menos com freqüência ou espontaneamente. Temo a morte, embora tenha plena consciência que jamais conseguirei fugir dela. Todavia, mesmo consciente de que um dia (que felizmente não sei quando e nem como) passarei por essa experiência definitiva, não vejo sentido em pensar nela e sofrer por antecipação.

Vida e morte são temas constantes e recorrentes na literatura e nem poderia deixar de ser. Todos os escritores, em todos os livros, não importa o gênero, falam, de uma forma ou de outra, ou explicitamente, ou nas entrelinhas, dessa origem e desse fim. Percorri a esmo uma das estantes da minha caótica biblioteca, abri a esmo vários volumes, de escritores os mais variados, de estilos e épocas diferentes, e pincei estas citações, sobre esses dois misteriosos fenômenos, ambos interditos à nossa vontade, que partilho com vocês.

O norte-americano John Updike, por exemplo, no romance “O Encontro”, escreveu a propósito: “Somos na nossa maior parte uns monstros. As pessoas falam em gostar da vida. A vida é como um doido furioso”. Pessimismo à parte, é assim que ela se apresenta muitas vezes. Felizmente, porém, nem sempre. Mas que, em determinadas ocasiões, a vida parece um doido furioso, disso não tenho como negar.

Já o psicanalista Carl Gustav Jung mostra-se mais objetivo a respeito e traça esta pitoresca metáfora a tal propósito: “Tão intensamente e incansavelmente como a vida sobe antes de atingir a metade de seu curso, desce ela agora a outra vertente, pois sua meta não está no ápice, mas no vale onde começou a subida”. E não tem razão? Engraçado como não nos damos conta dessa realidade.

Outra avaliação pessimista que colhi é desta declaração de um dos personagens do romance “A cidade e as serras”, do português Eça de Queirós: “Miséria do corpo, tormento da vontade, fastio da inteligência – eis a vida!”. O fato de citar este desabafo, não quer dizer que concorde com ele. Claro que tem seu fundo de verdade. A vida, todavia, não é apenas isso, ou seja, “miséria do corpo e fastio da inteligência”. E o que é, no final das contas? Quem sou eu para definir isso, ainda mais com precisão?!

Do filósofo norte-americano Will Durant pincei definição a propósito da morte, que ele qualifica como uma espécie de “remoção do lixo” do Planeta, promovida pela natureza. Em certo aspecto, ele não deixa de ter razão, embora eu considere a metáfora um tanto forte. Esse notável pensador escreveu, em seu livro clássico “Filosofia da vida”: “Se fôssemos viver eternamente, o crescimento da raça se paralisaria, e as folhas novas não encontrariam espaço na terra. A morte, como o estilo literário, não passa da remoção do lixo, do inútil. Por meio do amor transmitimos nossa vitalidade a formas novas antes que a nossa forma pereça”. Faz sentido, não é fato?

O poeta alemão, Stefan George, por seu turno, vê magia no fato de sobrevivermos. Face à imensa quantidade de riscos à sobrevivência não apenas da nossa espécie, mas de todas sem exceção, que sequer nos damos conta, mas que são concretas e reais, acho felicíssima a constatação. O escritor escreveu a propósito: “Só a magia mantém a vida acesa”. Estranho é o fato de haver tanta gente que não se dê conta disso. Essas pessoas são, simultaneamente, homicidas e suicidas potenciais, como apologistas da morte. Credo! Mas o que fazer? Há gosto para tudo!

Outro que analisa a questão com racionalidade e objetividade é o psicanalista Erich Fromm, que escreveu a respeito: “O homem é dotado de razão; é ‘a vida consciente de si mesma’; tem consciência de si, de seus semelhantes, de seu passado e das possibilidades de seu futuro. Essa consciência de si mesmo como entidade separada, a consciência de seu próprio e curto período de vida, do fato de haver nascido sem ser por vontade própria e de ter de morrer contra sua vontade, de ter de morrer antes daqueles que ama, ou estes antes dele, a consciência de sua solidão e separação, de sua incompetência ante as forças da natureza e da sociedade, tudo isso faz de sua existência apartada e desunida uma prisão insuportável. Ele ficaria louco se não pudesse libertar-se de tal prisão e alcançar os homens, unir-se de uma forma ou de outra com eles, com o mundo exterior”.

E a forma de união aos semelhantes por excelência são os livros. É a literatura, quando encarada em seu devido contexto. Em vez de pensarmos na morte, que é fatalidade biológica, e nos preocuparmos com ela, o que é inútil porquanto ela é inevitável, o mais sensato e inteligente é desenvolvermos o gosto de viver. Só nós podemos fazer isso. Quem conhece, por exemplo, os livros de Bertrand Russell, sabe o quanto esse filósofo inglês era realista. Tinha os pés no chão, como se costuma dizer.

Muitos vêem, até mesmo, em sua obra, profundo pessimismo. No entanto, em 1962, ao completar 90 anos de idade, Russell deu a seguinte declaração, em entrevista a jornalistas, que desmente a impressão que eu tinha sobre ele: “À medida que o tempo passa, aumenta o meu gosto pela vida. Tenho a impressão de que estou ficando até mais belo. Os dez últimos anos foram para mim muito bons. E acredito que os próximos dez anos vão ser ainda melhores”. E foram, ou quase. Russell aproximou-se da idade centenária (morreu com 98 anos), lúcido e produtivo e, acima de tudo, atuante como ativista contrário às armas nucleares.

Para encerrar este nosso bate-papo diário, cito outro filósofo norte-americano da minha preferência, cuja obra exerce profunda influência na minha forma de encarar a vida. Refiro-me a Ralph Waldo Emerson, cujas mensagens iluminaram-me dezenas, centenas, milhares de manhãs ao longo dos anos com seu lúcido otimismo. Ele escreve, no trecho que pincei de um de seus livros: “A vida consiste naquilo em que o homem pensa todo dia”. E para mim, ela é uma excitante (posto que perigosa) aventura, que não tem reprise e que por isso tem que ser gozada com plenitude. Pena que não possa ser eterna. Agora vocês entendem por que (a exemplo de Machado de Assis), “creio nos livros e os adoro”?




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