Cultura e subcultura na TV
Pedro J. Bondaczuk
Existe muita confusão por aí entre o que vem a ser "colonialismo" cultural e "subcultura" passada em grandes quantidades, pelos nossos canais de televisão, aos telespectadores. Dizer que um bom programa estrangeiro leva nosso povo à descaracterização do seu modo de ser e de agir, é grossa bobagem. Cultura, no sentido mais amplo, em seu real significado, não tem pátria e nem nacionalidade. É universal. É soma de talentos e de conhecimentos. É, simplesmente, cultura, sem ser brasileira, norte-americana, francesa, afegã ou swaili. E o intercâmbio entre os vários centros de produção cultural não faz mal a ninguém e, pelo contrário, é bastante saudável.
Entretanto, "subcultura" (e uma dose enorme dela é passada, diariamente, ao público, através do vídeo), como o próprio termo diz, é algo inferior, de nível menor e nocivo, influenciando, nitidamente, tanto as crianças, como àquela faixa da população que, por problemas sociais (que não cabe aqui analisar) é menos esclarecida (e ela é, infelizmente, bastante ampla em nosso País). Também é conhecida como "cultura popular" ou, de forma mais contundente e depreciativa, como "lixo cultural".
Essa manifestação distorcida e sem qualidade também não tem nacionalidade. Tanto pode ser produzida aqui, quanto alhures. A burrice é democrática e universal. É apátrida. Via de regra, a maior parte das bobagens que temos que "engolir", infiltrada, sem que nos peçam licença, em nossos lares, vem do Exterior. Provém de filmes sem qualquer mensagem positiva, sem nada de construtivo, calcados, quase sempre, nos mesmos estereótipos, que nos trazem uma visão irreal, maniqueísta e tola da convivência entre as pessoas e dos vários conflitos que as afetam. Seus objetivos são, declaradamente, comerciais.
Essas "obras" distinguem, nitidamente, o herói --- bonitão, atlético, másculo, defensor intransigente da justiça e dos bons costumes --- do vilão, sempre um personagem feio (ou negro, ou latino ou portador de qualquer deficiência física), protótipo do mal, que urge ser combatido. Os enredos, quando existem, são ridículos, piegas e sem imaginação. Repetem-se. Teoricamente, esses filmes, produzidos às toneladas, estariam apresentando exemplos dignos de imitação. Ou seja, a defesa do justo, do belo e do legal. O crime não compensa (infelizmente compensa!), o bem e a justiça sempre prevalecem, etc.etc.etc. A vida, convenhamos, não é assim.
Com o pretexto de apresentar virtudes dignas de imitação, são exibidos, na verdade, na totalidade dos nossos canais de televisão, em tempos variáveis, autênticos festivais de violência gratuita, que já começa pelos "inocentes" desenhos animados, voltados às nossas crianças, e passam pelos filmes, novelas e até pelos noticiários, cada vez mais centralizados em notícias policiais.
Os defensores desses "filmecos", que nada acrescentam, em termos culturais (alguns sequer divertem), e os há aos montes, comprados aos lotes por uma bagatela (na verdade, de graça já seriam caros), dizem que essas produções são no mínimo úteis. Argumentam que levam o telespectador a um processo de catarse, transferindo para os heróis das histórias exibidas a violência que acumulam e reprimem no dia a dia. Balela, todos sabem.
Alguém já disse que a televisão tem poder hipnótico sobre a maior parte das pessoas. É um poderoso olho (a Bandeirantes adotou esse órgão como símbolo). Não podemos provar, mas provavelmente, pela intensa luminosidade, que atrai irresistivelmente nossa atenção, por atingir nossos sentidos principais de contato com o mundo (visão e audição), as mensagens diretas ou indiretas veiculadas por esse poderoso órgão de comunicação calam mais fundo em nossas consciências (ou no inconsciente, ou no subconsciente talvez).
Não é a toa que o aprendizado, com a utilização do vídeo, se mostra tão eficiente. As formas de violência sugeridas pelos filmes e programas exibidos na TV também são captadas com maior facilidade. Assim, se a pessoa não for dotada de autocontrole (e poucas são), quando surgirem situações idênticas ou parecidas às dos enredos assistidos, as reações tenderão, subconscientemente, a ser as do "mocinho" ou do "bandido", dependendo da tendência de cada um.
Coincidência, ou não, o incremento da violência nas grandes metrópoles mundiais guarda estreita relação com o tipo de programação de TV exibida nessas cidades. O leitor pode fazer sozinho a experiência em sua casa, não precisa acreditar em nós. Sempre que a televisão exibe grandes quantidades de filmes, desses sumamente violentos, no estilo Rambo, as ocorrências policiais, de lesões corporais (agressões, homicídios, estupros, etc.) aumentam na mesma proporção. Claro que a TV não é a causa, mas contribui, com grande parcela, para tornar a sociedade mais violenta. É o efeito "imitação".
A responsabilidade dos que fazem as programações, portanto, é muito grande, bem maior do que a que costumam assumir ou podem supor. Não adiante, por exemplo, censurar determinados programas, limitando-os a certos horários ou certas faixas etárias. Censura não funciona. No atual processo de desagregação familiar, em que a autoridade dos pais é questionada, quando não ignorada, poucas regras são respeitadas na maioria dos lares. E uma que não o é, em absoluto, é a que determina o que uma criança pode, ou não pode, assistir na TV.
A maioria dos pais não impõe nenhuma restrição a qualquer horário ou tipo de programa. Sequer se preocupa com isso e tem lá os seus motivos. Portanto, exibir um filme não recomendável às 21 horas, por exemplo, anunciando-o como não recomendável, digamos, para menores de 12 anos, é o mesmo que convidar crianças dessa faixa etária a assisti-lo. Elas vão querer descobrir o motivo da proibição. E, desde que o homem surgiu na face da Terra, o "proibido sempre foi o melhor".
Muito desenho animado, exibido pela manhã ou no período vespertino, supostamente voltado ao público infantil, é bastante mais nocivo do que os filmes mais violentos, ou pornográficos que possam ser exibidos. Algumas dessas "obras", dessas "maravilhas" de uma imaginação doentia, têm, inclusive, causado graves traumas em crianças mais sensíveis (exemplos não faltam ed eu já tive a oportunidade de comprovar esse fato pessoalmente).
Outra providência que não surte qualquer efeito é a de programar a exibição desses filmes que fazem a apologia da violência (quase todos, em graus variáveis, exibidos na TV), que nada de útil têm a ensinar a quem quer que seja, para horários em plena madrugada. Isto também não funciona. Atitude como esta só consegue mesmo é quebrar, ainda mais, a já restrita disciplina familiar, fazendo com que as crianças durmam bem mais tarde do que fazem habitualmente, pois as freqüentes "chamadas" para esse tipo de programa, feitas pelas emissoras, despertam a curiosidade da meninada.
Eu tive a felicidade (rara) de assistir, em 1950, ao primeiro programa de televisão apresentado no Brasil, aquele que inaugurou o antigo (e de saudosa memória) Canal 3 (depois Canal 4), TV Tupi de São Paulo. Desde essa época, acompanho atentamente a evolução desse importantíssimo meio de comunicação, não apenas por motivos profissionais, mas por prazer. Em várias oportunidades envolvi-me em polêmicas para defender determinados programas ou programações inteiras de algum canal, quando julguei que eram alvos de críticas injustificadas.
Por isso, sinto-me bem à vontade para criticar o que entendo ser nocivo, deprimente, pernicioso e de qualidade, no mínimo, duvidosa. E a carga de "subcultura" lançada diariamente, sem nenhuma cerimônia ou consideração, pelas emissoras de TV, em nossas casas é tão grande, que merece não apenas críticas ou reparos, mas o ostracismo por parte do telespectador.
(Comentário publicado na página 17, editoria de Artes, do Correio Popular, em 27 de janeiro de 1984).
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