Monday, April 12, 2010




Utopia e desilusão

Pedro J. Bondaczuk
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Que Brasília é a concretização de uma utopia, aparentemente irrealizável, é uma constatação, ou seja, é um fato, contra o qual não há e nem pode haver argumento que se sustente. Era um sonho há muito acalentado por gerações, antes mesmo da independência do País, que se mantinha vivo, é verdade, mas que a imensa maioria acreditava ser rigorosamente fantasioso, portanto, inviável. E, objetivamente, de fato era, dados a localização que se pretendia dar à cidade, às dificuldades logísticas para a sua construção, os exorbitantes custos para que saísse do papel e vai por aí afora.
Por muito tempo, Brasília foi uma espécie de “anedota” nacional dos céticos, dos que se julgavam sabidos demais e faziam chacota com tudo o que não se enquadrasse em suas cogitações. “Fazer uma cidade no Planalto Central, onde não existe nada, além de cerrado, não há estradas ou sequer rios para se chegar lá? Que bobagem! Tirem isso da cabeça”, ouvi muita gente dizer isso, quando eu era apenas menino.
Tudo indicava, pois, que essa utopia não passaria disso. Que teria o mesmo destino de tantas outras, acalentadas por nossos antepassados e que hoje são encaradas como meras excentricidades, e nada mais. Isso até que um homem visionário, contestado por boa parte da sociedade brasileira, Juscelino Kubitschek, decidisse encarar essa empreitada a sério.
Quando ao longo da campanha eleitoral, com vistas às eleições presidenciais, ele fez, em palanque, essa promessa, o mundo quase veio abaixo. A imprensa, na época, usou isso até para exemplificar quão cínicas e desavergonhadas eram (e ainda são) as promessas dos políticos. Virou folclore. Houve quem dissesse que isso equivalia a prometer a “revogação da lei da gravidade”. Talvez nem o próprio JK, num primeiro momento, levasse a sério o que estava prometendo. Talvez... mas não posso garantir.
O fato é que, aos trancos e barrancos, sob hostilidades gerais, esse ilustre homem público fez o que todos julgavam impossível. E o que aconteceu com ele? Foi alçado à condição de herói, de líder de um empreendimento que superou, em muito, a construção das pirâmides do Egito? Sim, porque aqueles monumentos de pedra, a despeito do seu gigantismo e valor histórico, nunca trouxeram vantagens práticas para o povo egípcio. Eram meros monumentos à vaidade dos faraós, que se julgavam deuses e buscavam garantir a imortalidade com essas obras. Claro que nunca conseguiram.
Ademais as pirâmides foram erguidas à custa de muito trabalho escravo. Dezenas de milhares de homens despenderam saúde e vidas por nada. Por aquilo que, reitero, não passava de megamonumento à superlativa vaidade de governantes néscios e paranóicos.
Brasília, pelo contrário, não se tratou de uma ou de um punhado de construções graníticas, sem nenhuma serventia prática para a população. Foi toda uma cidade, erguida para abrigar não somente o governo federal, com todo seu imenso séqüito de servidores, mas uma população heterogênea, vinda de todos os recantos do Brasil, que hoje ascende a mais de 2,6 milhões de habitantes e provavelmente iguale ou supere à do Egito do tempo da construção das pirâmides.
Em vez de louvores ao homem que ousou transformar uma utopia em surpreendente realidade, o que houve foi uma infinidade de críticas, insinuações e acusações de toda a sorte. Disseram, por exemplo, que JK construiu Brasília para valorizar as terras nas suas cercanias, que seriam suas. Que bobagem! E pensar que ele morreu relativamente pobre.
Colunistas que se julgavam oniscientes acusaram Juscelino de endividar o Brasil até o pescoço, para construir uma cidade no meio do nada, no mato, destinada a virar “cidade fantasma”, como garantiam. Leiam as coleções de jornais da época. Isso está escrito e nem há como apagar. Ora, ora, ora. O País conviveu por mais de um século com dívida externa. A primeira resultou de um empréstimo (rolado sucessivamente por décadas), junto ao Banco da Inglaterra, para pagar a indenização referente à nossa independência a Portugal.
Esse foi um assunto que freqüentou as manchetes, reitero, por mais de um século, até que um metalúrgico – contestado como JK, ou seja, cercado de preconceitos, (e até maiores do que os que envolveram o político mineiro) – equacionasse a questão, que os derrotistas consideravam insolúvel.
Diziam que a nossa dívida era impagável. Que os tataranetos de nossos netos continuariam arcando com, seus juros. Que não se tratava de dívida externa, mas de “dívida eterna”. E isso até que Lula virtualmente a liquidasse. Hoje, nossas reservas de moeda forte cobrem toda a eventual dívida externa e ainda resta considerável saldo, que faz do Brasil de devedor em credor.
Imaginem se JK não houvesse liderado essa cruzada nacional pela construção de Brasília, em que País estaríamos vivendo! Tenho absoluta certeza que seria num muito mais miserável e atrasado do que o atual. E qual foi a recompensa desse líder ousado? A glória? A eterna gratidão nacional? A transformação em mito? Não, não e não! Foi a cassação dos seus direitos políticos! Foi o exílio em Portugal! Foi a morte mal-explicada (e ninguém dirimiu, sem sombras de dúvidas, as suspeitas de que se tratou de um assassinato).
Brasília, de utopia fantástica, virou, na cabeça de muitos (dos medíocres, sobretudo, rápidos no criticar, mas inermes no fazer) fulcro de desilusões. “Ali é a ilha da fantasia”, dizem alguns. “É o foco infeccioso da corrupção nacional”, deblateram outros, citando os sucessivos escândalos, notadamente o que ainda permanece vivo na imprensa diária, que redundou na destituição e prisão do seu ex-governador e que deve resultar na eleição indireta de seu sucessor.
Culpar a cidade pelas mazelas e patifarias de adventícios sem a menor ligação, sequer afetiva, com ela, que só estão lá por circunstâncias, por se tratar da sede da administração federal, é muito para a minha cabeça. Brasília continua sendo um milagre de fé e operosidade do povo brasileiro e essa condição ninguém conseguirá lhe tirar jamais. E a desilusão, ligada a ela, não se prende à sua existência, mas às pessoas que para lá vão e as que, mesmo sem ir, não sabem valorizar a maior obra da modernidade e talvez de todos os tempos.

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