Sunday, April 11, 2010




Questão de justiça

Pedro J. Bondaczuk

A anexação de Timor Leste por parte da Indonésia é uma questão esquecida pelo mundo, da mesma forma que o é a do Tibete pela China. O caso ganhou as manchetes – e assim mesmo apenas em algumas partes da Europa, em especial na Escandinávia – em 1991, quando ocorreu um massacre, por parte das tropas indonésias, dos autonomistas. Mais de cem pessoas foram mortas na oportunidade e milhares foram encarceradas.

Houve tímidos protestos nas Nações Unidas e uma ou outra manifestação inócua, mas tudo limitou-se a apenas nisso. Não se tomou qualquer providência efetiva para que fosse cumprida determinação da própria ONU, que através de resolução, considerou legítimas as aspirações dos timorenses do leste pela independência. E, por conseqüência, ilegal a atitude indonésia.

Ocorre que na época a crise do Golfo estava ainda em ebulição. Uma aliança de 42 países, liderada pelos Estados Unidos, havia recém terminado a chamada operação "Tempestade no Deserto", que resultou na expulsão das tropas do presidente iraquiano Saddam Hussein de território kuwaitiano.

E qual foi a razão desse confronto militar que agitou o cenário mundial? A mesma que manteve a comunidade internacional absolutamente omissa e passiva em relação a Timor do Leste em 1976: a anexação ilegal de território. O Iraque pagou (e continua pagando) um duro preço por haver anexado o Kuwait. A Indonésia, no entanto, não pagou nenhum até aqui. E ocupa ilegalmente terras que não lhe pertencem.

Para que se entenda um pouco sobre os motivos dessa omissão, é preciso identificar os "personagens" desse drama. No caso do Golfo Pérsico, havia um interesse econômico decisivo em jogo: a produção e comercialização de quase a totalidade do petróleo consumido pelo Primeiro Mundo. No drama que se desenrola de forma silenciosa na Oceania h 20 anos inexiste esse fator.

Timor do Leste é uma ilha de 14.784 quilômetros quadrados, com 750 mil habitantes, colonizada pelos portugueses em 1586. Sua parte oeste, o grande "x" dessa questão, foi cedida à Holanda apenas em 1859. E quando a Indonésia ficou independente, esse território tornou-se indonésio. A outra fatia continuou com Portugal.

Depois da "Revolução dos Cravos Vermelhos", em 1974, os portugueses iniciaram um processo descolonizador, que afetou suas terras na África e na Ásia (Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, etc). Timor do Leste (católica) estava entre os territórios que deveriam conquistar a independência pelo chamado "Acordo de Macau", de 1975. Não houve tempo para isso.

Alegando a necessidade de proteção de seus cidadãos que viviam no Leste, o Exército indonésio invadiu a região, provocando "um banho de sangue" terrível. Estima-se que 200 mil timorenses morreram. E o que fez a comunidade internacional na ocasião? Nada.

A Indonésia (muçulmana), com seus 182,5 milhões de habitantes, movia implacável perseguição aos comunistas. Vivia-se, na época, em plena "Guerra Fria". Não convinha, portanto, ao Ocidente incomodar um aliado tão poderoso (e precioso) com uma "questiúncula" internacional. Com isso, consagrou-se a ilegalidade da anexação, que permanece até os dias de hoje. É contra isso que os ganhadores do Prêmio Nobel da Paz de 1996 estão lutando, com tanto empenho e coragem. Por isso merecem total apoio mundial.

(Artigo publicado no Correio Popular em 1 de novembro de 1996)

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