Futuro no presente
Pedro J. Bondaczuk
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Se você tivesse que escolher um cenário futurista para um romance de cunho surreal, qual cidade escolheria? Nova York? Londres? Chicago? Miami? Londres, Paris, Roma ou Madri? Outra qualquer? Qual?
Eu não escolheria nenhuma delas. Todas, por mais arrojo arquitetônico que tenham (e não vejo isso em nenhuma delas), têm o ranço de coisa antiga, envelhecida, ultrapassada. Não que eu despreze a tradição, longe disso. Mas lembre-se que minha pergunta foi específica, ou seja, foi sobre a escolha de um cenário futurista para um romance surreal.
Nova York, a despeito da majestosidade dos seus arranha-céus, não tem nenhum (ou se tiver, tem no máximo meia dúzia), em que o arrojo arquitetônico seja a característica, em que arquitetura e arte se misturem, combinem e confundam. A maior parte dos seus edifícios é antiga. Sua construção data de fins do século XIX e início do XX. Decididamente, ela não seria o meu cenário.
Chicago, Miami e Los Angeles, muito menos, pelas mesmas razões. As grandes cidades do Velho Mundo, então, podem ter de tudo, podem ser belas, confortáveis, racionais etc.etc.etc., mas... não se destacam pela modernidade arquitetônica. O mesmo se pode dizer de Dallas, com seus edifícios que parecem construídos inteiramente de vidro.
Minha escolha, óbvia, recairia sobre uma cidade que trouxe o futuro para o presente e se distingue de todas as outras já na sua concepção urbanística. Vista do alto, pelo menos na sua parte considerada “nobre”, reproduz um avião prestes a decolar para o progresso sem fim. Claro que me refiro a Brasília. E não vai aí nenhum laivo de ufanismo. É mero sentido prático. Afinal, a proposta não era escolher um cenário futurista para um romance surreal? Pois então! Querem escolha mais adequada?!
Na verdade, não fui eu que me vi compelido a fazer essa opção. Foi o escritor, professor e diplomata João Almino, de cuja obra vimos tratando há já alguns dias. Em “Idéias para passar o fim do mundo” (Editora Brasiliense), a história transcorre em Brasília, embora o tempo em que ele situa sua trama seja um indeterminado futuro (que tanto pode ser no ano que vem, quanto no próximo século ou milênio).
Baseado na resenha escrita por Almeida Fischer e publicada no jornal “O Estado de São Paulo”, desse livro instigante (mas que exige grande exercício mental do leitor), informo que o romance de João Almino “parte de uma fotografia de grupo, cujos participantes se transformam em personagens de um roteiro de filme que o narrador deixou inconcluso ao morrer”.
A exemplo de Brás Cubas, de Machado de Assis, aquele que narra os “acontecimentos” é um “fantasma”. E, para complicar ainda mais as coisas e multiplicar o toque de surrealismo, é cego. Ou seja, já morreu, mas tem essa prerrogativa de, mediante a intuição, prescindindo, portanto, da visão, de “enxergar” o que se passa ao seu redor, bem como a de penetrar no cérebro e coração de cada personagem, para revelar seus pensamentos, sentimentos, intenções e motivações.
Não vou, claro, lhes contar o enredo que é, aliás, como procedo sempre que comento alguma obra. Não as resenho, salvo exceções, mas pinço aspectos pitorescos para debater com vocês. Querem conhecer a história? Comprem o livro e leiam-no com atenção e espírito crítico!!!
Só afirmo que Brasília se presta a caráter, por suas características urbanísticas ímpares, como cenário desse enredo surreal urdido por João Almino que é, no dizer de Almeida Fischer, “exercício de inteligência e cultura geral, em função do que nascem os paradoxos, as antinomias, os enigmas mais perturbadores”.
A narrativa tem de tudo: discos voadores e um presidente negro governando o Brasil, e tudo acontecendo em uma nova era, iniciada com o ano 1 a partir do anúncio do fim do mundo. A foto (e João Almino é vidrado em fotografia), ponto de partida do enredo, foi tirada em 1960, ano da inauguração da cidade, que ainda estava “incompleta”, a requerer complementos e retoques.
Armando Bulcão, em seus comentários sobre o romance, publicados no jornal “Correio Braziliense”, lança luz sobre a escolha dessa cidade para palco de uma história tão complexa, exercício de reflexão e análise sobre o presente com extrapolações lógicas (e outras nem tanto) do futuro. Afirma que Brasília foi a escolhida por ser “o cenário do racional e do místico, do moderno e do atrasado; do delírio e do pragmático – sexo, drogas, rock, misticismo e discos voadores pousando sobre nossas cabeças”. Em que outra cidade essa mistura de circunstâncias e situações daria certo e soaria minimamente verossímil?
Pedro J. Bondaczuk
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Se você tivesse que escolher um cenário futurista para um romance de cunho surreal, qual cidade escolheria? Nova York? Londres? Chicago? Miami? Londres, Paris, Roma ou Madri? Outra qualquer? Qual?
Eu não escolheria nenhuma delas. Todas, por mais arrojo arquitetônico que tenham (e não vejo isso em nenhuma delas), têm o ranço de coisa antiga, envelhecida, ultrapassada. Não que eu despreze a tradição, longe disso. Mas lembre-se que minha pergunta foi específica, ou seja, foi sobre a escolha de um cenário futurista para um romance surreal.
Nova York, a despeito da majestosidade dos seus arranha-céus, não tem nenhum (ou se tiver, tem no máximo meia dúzia), em que o arrojo arquitetônico seja a característica, em que arquitetura e arte se misturem, combinem e confundam. A maior parte dos seus edifícios é antiga. Sua construção data de fins do século XIX e início do XX. Decididamente, ela não seria o meu cenário.
Chicago, Miami e Los Angeles, muito menos, pelas mesmas razões. As grandes cidades do Velho Mundo, então, podem ter de tudo, podem ser belas, confortáveis, racionais etc.etc.etc., mas... não se destacam pela modernidade arquitetônica. O mesmo se pode dizer de Dallas, com seus edifícios que parecem construídos inteiramente de vidro.
Minha escolha, óbvia, recairia sobre uma cidade que trouxe o futuro para o presente e se distingue de todas as outras já na sua concepção urbanística. Vista do alto, pelo menos na sua parte considerada “nobre”, reproduz um avião prestes a decolar para o progresso sem fim. Claro que me refiro a Brasília. E não vai aí nenhum laivo de ufanismo. É mero sentido prático. Afinal, a proposta não era escolher um cenário futurista para um romance surreal? Pois então! Querem escolha mais adequada?!
Na verdade, não fui eu que me vi compelido a fazer essa opção. Foi o escritor, professor e diplomata João Almino, de cuja obra vimos tratando há já alguns dias. Em “Idéias para passar o fim do mundo” (Editora Brasiliense), a história transcorre em Brasília, embora o tempo em que ele situa sua trama seja um indeterminado futuro (que tanto pode ser no ano que vem, quanto no próximo século ou milênio).
Baseado na resenha escrita por Almeida Fischer e publicada no jornal “O Estado de São Paulo”, desse livro instigante (mas que exige grande exercício mental do leitor), informo que o romance de João Almino “parte de uma fotografia de grupo, cujos participantes se transformam em personagens de um roteiro de filme que o narrador deixou inconcluso ao morrer”.
A exemplo de Brás Cubas, de Machado de Assis, aquele que narra os “acontecimentos” é um “fantasma”. E, para complicar ainda mais as coisas e multiplicar o toque de surrealismo, é cego. Ou seja, já morreu, mas tem essa prerrogativa de, mediante a intuição, prescindindo, portanto, da visão, de “enxergar” o que se passa ao seu redor, bem como a de penetrar no cérebro e coração de cada personagem, para revelar seus pensamentos, sentimentos, intenções e motivações.
Não vou, claro, lhes contar o enredo que é, aliás, como procedo sempre que comento alguma obra. Não as resenho, salvo exceções, mas pinço aspectos pitorescos para debater com vocês. Querem conhecer a história? Comprem o livro e leiam-no com atenção e espírito crítico!!!
Só afirmo que Brasília se presta a caráter, por suas características urbanísticas ímpares, como cenário desse enredo surreal urdido por João Almino que é, no dizer de Almeida Fischer, “exercício de inteligência e cultura geral, em função do que nascem os paradoxos, as antinomias, os enigmas mais perturbadores”.
A narrativa tem de tudo: discos voadores e um presidente negro governando o Brasil, e tudo acontecendo em uma nova era, iniciada com o ano 1 a partir do anúncio do fim do mundo. A foto (e João Almino é vidrado em fotografia), ponto de partida do enredo, foi tirada em 1960, ano da inauguração da cidade, que ainda estava “incompleta”, a requerer complementos e retoques.
Armando Bulcão, em seus comentários sobre o romance, publicados no jornal “Correio Braziliense”, lança luz sobre a escolha dessa cidade para palco de uma história tão complexa, exercício de reflexão e análise sobre o presente com extrapolações lógicas (e outras nem tanto) do futuro. Afirma que Brasília foi a escolhida por ser “o cenário do racional e do místico, do moderno e do atrasado; do delírio e do pragmático – sexo, drogas, rock, misticismo e discos voadores pousando sobre nossas cabeças”. Em que outra cidade essa mistura de circunstâncias e situações daria certo e soaria minimamente verossímil?
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