Friday, April 16, 2010




Omissão que seria herética

Pedro J. Bondaczuk

Quando se fala de literatura “de” ou “sobre” Brasília, um nome se destaca, soberano, como uma espécie de ícone das letras da nossa capital federal: Antonio Lisboa Carvalho de Miranda. É verdade que não nasceu na cidade (como ademais centenas de milhares de outros dos seus habitantes também não nasceram). É maranhense, nascido em 5 de agosto de 1940. Mas isso importa? Claro que não.
Afinal, Antonio Miranda, como tantos e tantos e tantos outros brasileiros, dos mais diversos recantos do País, um dia conheceu Brasília, dela se enamorou e ficou por lá. E mais, fincou raízes, floresceu, frutificou e hoje é tido, com toda a justiça, como o mais legítimo representante das letras do Planalto Central. Integrou-se de tal forma à vida literária e cultural da cidade, que virou referência. E que referência! Tanto que, entre outras coisas, é membro da Academia de Letras do Distrito Federal.
Mas não é só. É professor da Universidade de Brasília. Querem mais? É diretor da Biblioteca Nacional da cidade. Querem mais ainda? Mantém um conceituado portal na internet, que leva o seu nome, um dos mais completos sobre poesia ibero-americana que conheço, que, frequentemente, acesso para aplacar minha insaciável sede de beleza e de transcendência.
Falar, pois, de literatura “de” ou “sobre” Brasília, sem ao menos mencionar Antonio Miranda, chega a se constituir em heresia. É cometer “pecado mortal”, o do desconhecimento e da desinformação, ao tratar desse assunto. Como não sou herético... não cometerei esse pecadão.
Como poeta, por exemplo, Antonio Miranda é tão importante, que tem poesias e biografia publicadas até em russo! Se você não o conhece, portanto, está desinformadíssimo sobre literatura. Mas nosso personagem de hoje não se restringe, apenas, a fazer poesia, embora pela qualidade de sua produção, apenas isso já seria o bastante para conferir-lhe projeção, que de fato merece. É também dramaturgo e escultor. É artista dos “sete instrumentos” (ou mais).
Brasileiro corajoso e, sobretudo, patriota, no melhor sentido do termo, não se conformou com o golpe militar de 1964. Tanto que, impotente para mudar aquela situação política adversa, optou pelo exílio voluntário, em 1967, no auge dos chamados “anos de chumbo”, pouco antes da edição do malfadado Ato Institucional Número Cinco, ou simplesmente AI-5, como ficou conhecido.
No exterior, seu talento luziu. Antonio Miranda viveu, por exemplo, em Buenos Aires, em Caracas, em Bogotá e em Londres e, em todos esses lugares, deixou “pegadas dos seus passos”, rastros do seu imenso talento literário. Como autor teatral, impôs-se, sobretudo, com a peça “Tu país está feliz”, datada de 1971, encenada em mais de 20 países. Todavia, só pôde vê-la publicada no Brasil em 1979.
Antonio Miranda tem vários romances e livros de poesia publicados, embora seja conhecido no exterior por sua obra teatral. A seu respeito, há vasta bibliografia, em português e em espanhol, de livros publicados em praticamente toda a América Latina, além de Espanha e Portugal. Daí não haver nenhum exagero meu, como muitos desinformados podem supor, ao afirmar que tratar de literatura “de” ou “sobre” Brasília e omitir sua obra é brutal heresia, quando não contundente ignorância do escriba que agir dessa forma.
Sua importância é tamanha, que poderia escrever não somente um texto tão resumido, quanto este, mas um alentado volume, ou quem sabe uma coleção a seu respeito (como tantos já escreveram, como vimos). Prefiro, contudo, limitar-me a transcrever um simples poema de Antonio Miranda, como uma espécie de “amostra grátis” de um santo “remédio”, capaz de curar o mais renitente mau-gosto literário, com sua fórmula mágica, composta de transcendência e beleza, como a boa poesia tem e sempre deve ter.

Antepasto

“Tudo o que o poeta escrever
Está resumido
Numa única palavra: Solidão.

Escrever é distanciar-se do mundo
Para poder entendê-lo,
É uma forma de morrer.

Viver é outra coisa
Ainda que alienada.

Eu trocaria mil rimas
Por uma noite de amor.

E trocaria um belo poema
Sobre a fome
Por um singelo prato de comida”.

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