Brasiliense de adoção
Pedro J. Bondaczuk
Começo minhas considerações de hoje com uma pergunta, mesmo fugindo do meu estilo de redigir: Qual cidade é mais importante para nós: a em que nascemos, mas que um dia deixamos, por não satisfazer nossas necessidades, ou a que “adotamos” como nossa, a que escolhemos livremente para ser o cenário de toda a nossa vida? Honestamente, fico com a segunda opção.
Não que não guarde na memória, no coração e na alma a minha pequenina Horizontina natal, longe disso! No meu caso, porém, Campinas adquire dimensão especial e única. Foi o lugar do Brasil que escolhi para morar, trabalhar, casar, gerar meus filhos, ver nascer meus netos, viver e, provavelmente, morrer. Sua importância, portanto, em minha vida não tem comparação.
Vim para cá há já 46 anos. Quando cheguei, confesso, estava receoso, pois o campineiro sempre foi tido (injustamente, hoje lhes asseguro de pés juntos), como frio, distante, arredio, orgulhoso no sentido negativo da palavra e avesso a contatos com estranhos. Nada mais mentiroso do que isso.
Fui recebido de braços abertos e por aqui nunca me faltaram oportunidades, amores e amizades. Integrei-me completamente à vida da cidade. Passei a torcer pela Ponte Preta, por exemplo, único clube de futebol pelo qual me apaixonei, freqüentei suas escolas e faculdades, “enturmei-me” e até perdi o sotaque característico do gaúcho. Hoje, ouvindo-me falar, ninguém dirá que não sou campineiro. E é assim que (orgulhosamente) me sinto. Só não sei se fui eu que adotei a cidade ou se foi ela que me adotou. Mas isso é o que menos importa.
Em relação a Brasília, ocorre a mesma coisa. A imensa maioria dos seus mais de 2,6 milhões de habitantes veio de fora. Todavia, se “enturmou” de tal sorte, que certamente se sentiria ofendida se não fosse considerada brasiliense. Tem que ser, ora bolas! É como Mário de Andrade disse no poema “O poeta come amendoim”: “Pátria” (ou seja, o lugar que escolhemos para viver), “é a casa de migrações e do pão nosso onde Deus der”.
O escritor que escolhi para tratar hoje, Emanuel Medeiros Vieira, 65 anos, é catarinense de nascimento, e mais, pode ser chamado carinhosamente de “Manezinho da ilha”, já que é natural de Florianópolis. Contudo, teimo com qualquer um e afirmo que se trata de um brasiliense legítimo, de “pura cepa”. Na seqüência vocês entenderão porque.
Emanuel é formado em Direito, mas é, também, jornalista (mais especificamente, editor, como eu), e exercendo, por bom tempo, a função de crítico de cinema Reside há mais de 30 anos em Brasília, onde é servidor público federal.
Dominando com perícia todos os gêneros literários, é um dos mais ilustres e ecléticos escritores brasilienses. “Mas como?!”, perguntará o intrigado e atento leitor. “Você não afirmou que ele nasceu em Florianópolis?”. Afirmei. Mas afirmo que é brasiliense (sem renegar sua cidade natal, a antiga Desterro).
Antes de tudo, informo-o, assíduo leitor, que Emanuel é um bem-sucedido veterano das letras. Já publicou a “bagatela” de 18 livros, o último dos quais intitulado “Cerrado Desterro” (lançado pela Thesaurus Editora), que classifica de uma espécie de “memórias de geração”. Recebeu vários prêmios literários nacionais, o que comprova a qualidade dos seus textos.
Pelo menos, os seguintes “cobras” da Literatura brasileira os leram, comentaram e apreciaram: Carlos Drummond de Andrade, Otto Maria Carpeaux, Afrânio Coutinho, Antonio Cândido, Mário Quintana, Caio Fernando Abreu, Antonio Olinto, Hélio Pólvora, Carlos Appel, Assis Brasil, Moacyr Scliar, Jorge de Sá, Rubem Mauro Machado, Anderson Braga Horta, Ronaldo Cagiano, Salim Miguel, Silveira de Souza, Flávio Cardozo, Alberto Crusius, Antonio Carlos Vilaça, Leo Gilson Ribeiro, Lourenço Cazarré, Ruy Espinheira Filho, Deonísio da Silva (que já foi colunista do Literário), Nei Duclós (que até há um ano também integrava a nossa confraria), Antonio Hohlfeldt, José Santiago Naud e Paulo Leminski.
Pouco, ou quase nada, portanto, eu poderia acrescentar sobre a literatura de Emanuel, que esse montão de “feras” não tenha dito. Sua especialidade, aliás, sequer é a poesia, embora se trate de um poeta de mão cheia. É, sobretudo, romancista, contista e novelista, ou seja, ficcionista.
Um de seus romances mais conhecidos é “Olhos azuis – ao sul do efêmero”. A obra de Emanuel Medeiros Vieira, que escolheu Brasília para viver (assim como eu escolhi Campinas) é, antes de tudo, testemunho humano. O escritor desabafa que pagou alto preço pels forma com que encara e faz ficção (todos nós pagamos): “O meu testemunho é visceral e humano. Esconder sujeira debaixo do tapete nunca foi o propósito de minhas obras. Nem da minha vida. Paguei um preço muito alto por isto”.
Numa crônica, repleta de informação, Emanuel confessa seu fascínio e veneração pela cidade que escolheu para viver e que o acolheu (creio que com orgulho). O texto intitula-se “No mar nasceu Brasília”.
Reproduzo, abaixo, alguns trechos do que o escritor registrou:
“No final de 1956, Lúcio Costa (1902-1998) viajara para Nova York para participar de um evento. Foi na volta, a bordo do navio argentino Rio Jachal, que Lúcio fez o que ´[e considerado o primeiro esboço do Plano Piloto. Sim, pensou a cidade no mar. No dia 11 de março de 2007 fez 50 anos que o urbanista e arquiteto entregou o trabalho à comissão julgadora que avaliaria os projetos apresentados. Ele venceu o concurso do plano urbano de Brasília ‘com um trabalho de feição amadora, sem um único cálculo’...”
Em outro trecho, Emanuel diz com clareza e simplicidade o que venho tentando dizer nesta série de textos sobre a inserção de Brasília na literatura e, temo, sem sucesso: “(...) Eu, pessoalmente, desisti de explicar aos ‘outros’, aos que não vivem aqui: no ‘inconsciente coletivo’, e trabalhado pela grande mídia, na TV e nos jornais, a cidade é só o lugar dos podres poderes, das tenebrosas transações, das falcatruas, da corrupção, capital que vampiriza o resto do Brasil. Sim, isso existe, mas na Brasília ‘oficial’, nos três poderes. Precisarei ser mais explicativo, falando das boates luxuosas, das entranhas palacianas, congressuais, judiciais e ministeriais? Mas a cidade real é outra, dos verdes, das mangueiras, do céu límpido, sem mediação, das flores retorcidas e belas do cerrado. É a urbe onde nasceram Clarice, minha filha, o Lucas, filho do coração, dos meus caros e honrados amigos. Mesmo que a gente diga que a maioria dos velhacos, patifes, corruptos veio de fora, não adianta...”
Em certo trecho, Emanuel faz essa comovida declaração de amor à cidade: “(...) Brasília: amo os teus verdes, teus espaços (lógico, não a juventude que mata índios, mas a desgraça da violência é nacional), a luz que emana de ti, os candangos e os ‘fundadores da utopia’... E gosto muito da arquitetura branca e ‘escultural’ do Dr. Oscar (Niemeyer). Creio que a Praça dos Três Poderes é uma das dez mais belas do mundo...”
Ao cabo dessas linhas, pergunto: Quem faz uma declaração de amor, como esta, a Brasília, tem ou não o direito e a prerrogativa de se considerar (e de ser considerado) brasiliense, posto que por adoção?
Pedro J. Bondaczuk
Começo minhas considerações de hoje com uma pergunta, mesmo fugindo do meu estilo de redigir: Qual cidade é mais importante para nós: a em que nascemos, mas que um dia deixamos, por não satisfazer nossas necessidades, ou a que “adotamos” como nossa, a que escolhemos livremente para ser o cenário de toda a nossa vida? Honestamente, fico com a segunda opção.
Não que não guarde na memória, no coração e na alma a minha pequenina Horizontina natal, longe disso! No meu caso, porém, Campinas adquire dimensão especial e única. Foi o lugar do Brasil que escolhi para morar, trabalhar, casar, gerar meus filhos, ver nascer meus netos, viver e, provavelmente, morrer. Sua importância, portanto, em minha vida não tem comparação.
Vim para cá há já 46 anos. Quando cheguei, confesso, estava receoso, pois o campineiro sempre foi tido (injustamente, hoje lhes asseguro de pés juntos), como frio, distante, arredio, orgulhoso no sentido negativo da palavra e avesso a contatos com estranhos. Nada mais mentiroso do que isso.
Fui recebido de braços abertos e por aqui nunca me faltaram oportunidades, amores e amizades. Integrei-me completamente à vida da cidade. Passei a torcer pela Ponte Preta, por exemplo, único clube de futebol pelo qual me apaixonei, freqüentei suas escolas e faculdades, “enturmei-me” e até perdi o sotaque característico do gaúcho. Hoje, ouvindo-me falar, ninguém dirá que não sou campineiro. E é assim que (orgulhosamente) me sinto. Só não sei se fui eu que adotei a cidade ou se foi ela que me adotou. Mas isso é o que menos importa.
Em relação a Brasília, ocorre a mesma coisa. A imensa maioria dos seus mais de 2,6 milhões de habitantes veio de fora. Todavia, se “enturmou” de tal sorte, que certamente se sentiria ofendida se não fosse considerada brasiliense. Tem que ser, ora bolas! É como Mário de Andrade disse no poema “O poeta come amendoim”: “Pátria” (ou seja, o lugar que escolhemos para viver), “é a casa de migrações e do pão nosso onde Deus der”.
O escritor que escolhi para tratar hoje, Emanuel Medeiros Vieira, 65 anos, é catarinense de nascimento, e mais, pode ser chamado carinhosamente de “Manezinho da ilha”, já que é natural de Florianópolis. Contudo, teimo com qualquer um e afirmo que se trata de um brasiliense legítimo, de “pura cepa”. Na seqüência vocês entenderão porque.
Emanuel é formado em Direito, mas é, também, jornalista (mais especificamente, editor, como eu), e exercendo, por bom tempo, a função de crítico de cinema Reside há mais de 30 anos em Brasília, onde é servidor público federal.
Dominando com perícia todos os gêneros literários, é um dos mais ilustres e ecléticos escritores brasilienses. “Mas como?!”, perguntará o intrigado e atento leitor. “Você não afirmou que ele nasceu em Florianópolis?”. Afirmei. Mas afirmo que é brasiliense (sem renegar sua cidade natal, a antiga Desterro).
Antes de tudo, informo-o, assíduo leitor, que Emanuel é um bem-sucedido veterano das letras. Já publicou a “bagatela” de 18 livros, o último dos quais intitulado “Cerrado Desterro” (lançado pela Thesaurus Editora), que classifica de uma espécie de “memórias de geração”. Recebeu vários prêmios literários nacionais, o que comprova a qualidade dos seus textos.
Pelo menos, os seguintes “cobras” da Literatura brasileira os leram, comentaram e apreciaram: Carlos Drummond de Andrade, Otto Maria Carpeaux, Afrânio Coutinho, Antonio Cândido, Mário Quintana, Caio Fernando Abreu, Antonio Olinto, Hélio Pólvora, Carlos Appel, Assis Brasil, Moacyr Scliar, Jorge de Sá, Rubem Mauro Machado, Anderson Braga Horta, Ronaldo Cagiano, Salim Miguel, Silveira de Souza, Flávio Cardozo, Alberto Crusius, Antonio Carlos Vilaça, Leo Gilson Ribeiro, Lourenço Cazarré, Ruy Espinheira Filho, Deonísio da Silva (que já foi colunista do Literário), Nei Duclós (que até há um ano também integrava a nossa confraria), Antonio Hohlfeldt, José Santiago Naud e Paulo Leminski.
Pouco, ou quase nada, portanto, eu poderia acrescentar sobre a literatura de Emanuel, que esse montão de “feras” não tenha dito. Sua especialidade, aliás, sequer é a poesia, embora se trate de um poeta de mão cheia. É, sobretudo, romancista, contista e novelista, ou seja, ficcionista.
Um de seus romances mais conhecidos é “Olhos azuis – ao sul do efêmero”. A obra de Emanuel Medeiros Vieira, que escolheu Brasília para viver (assim como eu escolhi Campinas) é, antes de tudo, testemunho humano. O escritor desabafa que pagou alto preço pels forma com que encara e faz ficção (todos nós pagamos): “O meu testemunho é visceral e humano. Esconder sujeira debaixo do tapete nunca foi o propósito de minhas obras. Nem da minha vida. Paguei um preço muito alto por isto”.
Numa crônica, repleta de informação, Emanuel confessa seu fascínio e veneração pela cidade que escolheu para viver e que o acolheu (creio que com orgulho). O texto intitula-se “No mar nasceu Brasília”.
Reproduzo, abaixo, alguns trechos do que o escritor registrou:
“No final de 1956, Lúcio Costa (1902-1998) viajara para Nova York para participar de um evento. Foi na volta, a bordo do navio argentino Rio Jachal, que Lúcio fez o que ´[e considerado o primeiro esboço do Plano Piloto. Sim, pensou a cidade no mar. No dia 11 de março de 2007 fez 50 anos que o urbanista e arquiteto entregou o trabalho à comissão julgadora que avaliaria os projetos apresentados. Ele venceu o concurso do plano urbano de Brasília ‘com um trabalho de feição amadora, sem um único cálculo’...”
Em outro trecho, Emanuel diz com clareza e simplicidade o que venho tentando dizer nesta série de textos sobre a inserção de Brasília na literatura e, temo, sem sucesso: “(...) Eu, pessoalmente, desisti de explicar aos ‘outros’, aos que não vivem aqui: no ‘inconsciente coletivo’, e trabalhado pela grande mídia, na TV e nos jornais, a cidade é só o lugar dos podres poderes, das tenebrosas transações, das falcatruas, da corrupção, capital que vampiriza o resto do Brasil. Sim, isso existe, mas na Brasília ‘oficial’, nos três poderes. Precisarei ser mais explicativo, falando das boates luxuosas, das entranhas palacianas, congressuais, judiciais e ministeriais? Mas a cidade real é outra, dos verdes, das mangueiras, do céu límpido, sem mediação, das flores retorcidas e belas do cerrado. É a urbe onde nasceram Clarice, minha filha, o Lucas, filho do coração, dos meus caros e honrados amigos. Mesmo que a gente diga que a maioria dos velhacos, patifes, corruptos veio de fora, não adianta...”
Em certo trecho, Emanuel faz essa comovida declaração de amor à cidade: “(...) Brasília: amo os teus verdes, teus espaços (lógico, não a juventude que mata índios, mas a desgraça da violência é nacional), a luz que emana de ti, os candangos e os ‘fundadores da utopia’... E gosto muito da arquitetura branca e ‘escultural’ do Dr. Oscar (Niemeyer). Creio que a Praça dos Três Poderes é uma das dez mais belas do mundo...”
Ao cabo dessas linhas, pergunto: Quem faz uma declaração de amor, como esta, a Brasília, tem ou não o direito e a prerrogativa de se considerar (e de ser considerado) brasiliense, posto que por adoção?
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