Capital da Esperança
Pedro J. Bondaczuk
Ouço falar de Brasília há muito, muitíssimo tempo. Desde bem de antes que sequer se cogitasse, seriamente, da sua construção. Lembro-me nitidamente da primeira vez que essa então utopia foi mencionada pela primeira vez para mim. Foi em 1951, seis anos antes de começar a sua construção e nove antes da inauguração. Eu tinha meus verdes oito anos, que como diria o poeta, o “tempo não me trará jamais”.
Quem falou a respeito foi minha professorinha primária, Dona Helena, numa aula de História do Brasil. Foi quando se referiu ao sisudo líder do clã dos Andradas, de Santos, José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da nossa independência, que bem mereceria a designação dada por Tacredo Neves a Tiradentes, em seu discurso depois de haver sido eleito, pelo Colégio Eleitoral, presidente da República, pondo fim a praticamente um quarto de século de ditadura: “aquele herói enlouquecido de esperança”..
Fiquei impressionado, na oportunidade, com o fato de uma aspiração (e necessidade) tão antiga não haver desaparecido ainda do imaginário nacional. “Construir uma cidade no ermo sertão de Goiás?! Está visto que é um sonho irrealizável!”, pensei na ocasião. E pensei, também, não com esta clareza e nem com as mesmas palavras, mas com este teor: “como o brasileiro é sonhador!”.
A professorinha, porém, falou a respeito como se fossem favas contadas, mera questão de tempo, a sua construção. Anos depois, vi que ela estava certa, totalmente com a razão. Eu é que era um cético empedernido, já naquela tenra idade.
Mal eu sabia que Brasília se tornaria tão importante em minha vida. Importantíssima. Devo confessar, a bem da verdade, que nunca pus os pés nessa cidade. Não passei sequer nos seus arredores. É verdade que assisti tantos vídeos e filmes sobre a nossa capital, que seu perfil se fixou em minhas retinas, no cérebro e no coração.
Suas largas avenidas, quadras, prédios, amplos jardins e imensos gramados me são rigorosamente familiares. Tenho certeza que se for solto em qualquer ponto dessa hoje já gigantesca metrópole, saberei me orientar. Andarei por ela como ando por Campinas, sem o menor risco de me perder. .
Mas, reitero, Brasília é importantíssima na minha vida. Por que? Porque meu pai, que era mestre de obras, participou diretamente dessa heróica e magnífica saga, que foi a sua construção. Há, pois, muito do suor da nossa família nessa sua pujança e majestosidade atuais.
Minha primeira formatura formal – da qual, aliás, fui o orador – deu-se no ano da sua inauguração. Nossa turma ficou conhecida no então Ginásio Adventista Campineiro (atual Instituto Adventista São Paulo), em Hortolândia, que então era conhecida por Jacuba e era mero distrito de Sumaré (hoje é uma cidade com mais de 120 mil habitantes), como “Turma Brasília”.
Era tradição, naquele tempo, os formandos doarem à escola um painel, contendo todas as fotografias (e de beca) dos que estavam se formando, junto com as do paraninfo e dos professores mais populares. O nosso, tinha o formato do Palácio da Alvorada.
E por que trago esse assunto tão pessoal à baila? Porque, neste ano, esse grande, imenso, utópico e exagerado sonho nacional completa meio século de concretização. Tratarei, certamente, muito de Brasília, principalmente ao longo deste mês. Talvez não trate com a objetividade e grandeza que a cidade merece. É possível que me falte talento para tal. Mas essa ausência, certamente, será suprida pela empolgação. Esta tenho com fartura.
Procurarei, sobretudo, trazer à baila como Brasília vem sendo tratada na Literatura por nossos principais escritores e por muitos do Exterior. Uma saga de heroísmo e vontade, como foi a da sua construção, só poderia resultar nisso: em milhares e milhares de obras, quer de ficção, quer de sociologia, arquitetura, filosofia, antropologia e todas as ciências humanas que vocês possam imaginar.
Concordo com o que Clarice Lispector escreveu sobre Brasília: “é um futuro que aconteceu no passado”. Em outro texto, ela falou, inclusive, da sua “artificialidade”, que tanta gente menciona amiúde. Afinal, nasceu de forma muito diferente da que nascem quase todas as cidades. Estas surgem, via de regra, por acaso. Determinada família, por algum motivo qualquer, fixa-se num certo lugar. Outras, e mais outras e mais outras vão chegando, construindo suas casas, formando lavouras, criando lojas, oficinas etc. e, quando se dá conta, eis que surge um vilarejo. E, do crescimento deste...
Nossa majestosa capital, porém, não surgiu assim. Foi traçada a régua e compasso e planejada em detalhes. Isso é ruim? Não concordo que seja. Clarice explicou assim essa artificialidade: “Brasília é artificial. Tão artificial quanto devia ser o mundo quando foi criado”. É, sobretudo, resultado da capacidade de um povo magnífico de sonhar alto, mas de nunca se limitar a apenas isso. É saber transformar desejos, utopias e esperanças em realidade. E isso o brasileiro sabe fazer como ninguém!
Pedro J. Bondaczuk
Ouço falar de Brasília há muito, muitíssimo tempo. Desde bem de antes que sequer se cogitasse, seriamente, da sua construção. Lembro-me nitidamente da primeira vez que essa então utopia foi mencionada pela primeira vez para mim. Foi em 1951, seis anos antes de começar a sua construção e nove antes da inauguração. Eu tinha meus verdes oito anos, que como diria o poeta, o “tempo não me trará jamais”.
Quem falou a respeito foi minha professorinha primária, Dona Helena, numa aula de História do Brasil. Foi quando se referiu ao sisudo líder do clã dos Andradas, de Santos, José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da nossa independência, que bem mereceria a designação dada por Tacredo Neves a Tiradentes, em seu discurso depois de haver sido eleito, pelo Colégio Eleitoral, presidente da República, pondo fim a praticamente um quarto de século de ditadura: “aquele herói enlouquecido de esperança”..
Fiquei impressionado, na oportunidade, com o fato de uma aspiração (e necessidade) tão antiga não haver desaparecido ainda do imaginário nacional. “Construir uma cidade no ermo sertão de Goiás?! Está visto que é um sonho irrealizável!”, pensei na ocasião. E pensei, também, não com esta clareza e nem com as mesmas palavras, mas com este teor: “como o brasileiro é sonhador!”.
A professorinha, porém, falou a respeito como se fossem favas contadas, mera questão de tempo, a sua construção. Anos depois, vi que ela estava certa, totalmente com a razão. Eu é que era um cético empedernido, já naquela tenra idade.
Mal eu sabia que Brasília se tornaria tão importante em minha vida. Importantíssima. Devo confessar, a bem da verdade, que nunca pus os pés nessa cidade. Não passei sequer nos seus arredores. É verdade que assisti tantos vídeos e filmes sobre a nossa capital, que seu perfil se fixou em minhas retinas, no cérebro e no coração.
Suas largas avenidas, quadras, prédios, amplos jardins e imensos gramados me são rigorosamente familiares. Tenho certeza que se for solto em qualquer ponto dessa hoje já gigantesca metrópole, saberei me orientar. Andarei por ela como ando por Campinas, sem o menor risco de me perder. .
Mas, reitero, Brasília é importantíssima na minha vida. Por que? Porque meu pai, que era mestre de obras, participou diretamente dessa heróica e magnífica saga, que foi a sua construção. Há, pois, muito do suor da nossa família nessa sua pujança e majestosidade atuais.
Minha primeira formatura formal – da qual, aliás, fui o orador – deu-se no ano da sua inauguração. Nossa turma ficou conhecida no então Ginásio Adventista Campineiro (atual Instituto Adventista São Paulo), em Hortolândia, que então era conhecida por Jacuba e era mero distrito de Sumaré (hoje é uma cidade com mais de 120 mil habitantes), como “Turma Brasília”.
Era tradição, naquele tempo, os formandos doarem à escola um painel, contendo todas as fotografias (e de beca) dos que estavam se formando, junto com as do paraninfo e dos professores mais populares. O nosso, tinha o formato do Palácio da Alvorada.
E por que trago esse assunto tão pessoal à baila? Porque, neste ano, esse grande, imenso, utópico e exagerado sonho nacional completa meio século de concretização. Tratarei, certamente, muito de Brasília, principalmente ao longo deste mês. Talvez não trate com a objetividade e grandeza que a cidade merece. É possível que me falte talento para tal. Mas essa ausência, certamente, será suprida pela empolgação. Esta tenho com fartura.
Procurarei, sobretudo, trazer à baila como Brasília vem sendo tratada na Literatura por nossos principais escritores e por muitos do Exterior. Uma saga de heroísmo e vontade, como foi a da sua construção, só poderia resultar nisso: em milhares e milhares de obras, quer de ficção, quer de sociologia, arquitetura, filosofia, antropologia e todas as ciências humanas que vocês possam imaginar.
Concordo com o que Clarice Lispector escreveu sobre Brasília: “é um futuro que aconteceu no passado”. Em outro texto, ela falou, inclusive, da sua “artificialidade”, que tanta gente menciona amiúde. Afinal, nasceu de forma muito diferente da que nascem quase todas as cidades. Estas surgem, via de regra, por acaso. Determinada família, por algum motivo qualquer, fixa-se num certo lugar. Outras, e mais outras e mais outras vão chegando, construindo suas casas, formando lavouras, criando lojas, oficinas etc. e, quando se dá conta, eis que surge um vilarejo. E, do crescimento deste...
Nossa majestosa capital, porém, não surgiu assim. Foi traçada a régua e compasso e planejada em detalhes. Isso é ruim? Não concordo que seja. Clarice explicou assim essa artificialidade: “Brasília é artificial. Tão artificial quanto devia ser o mundo quando foi criado”. É, sobretudo, resultado da capacidade de um povo magnífico de sonhar alto, mas de nunca se limitar a apenas isso. É saber transformar desejos, utopias e esperanças em realidade. E isso o brasileiro sabe fazer como ninguém!
No comments:
Post a Comment