Poeta marginal assumido
* Pedro J. Bondaczuk
Há poetas que se sentem melindrados caso sua poesia seja classificada de “marginal”, mesmo sem a conotação pejorativa do termo, por fugir dos cânones tradicionais da composição poética. Confesso que também detestaria essa distinção, caso me fosse impingida. Alguns entendem que isso deprecia, de alguma maneira, suas composições. É questão de como cada um interpreta esse tipo de avaliação. Uns, ficam melindrados. Outros, não dão a mínima. E outros, ainda, até assumem essa condição e a revertem a seu favor.
Esta última postura é a assumida por Eudoro Augusto Macieira de Souza, classificado por J. R. de Almeida Pinto, em seu livro “Poesia de Brasília – duas tendências”, como um dos quatro protótipos de “poetas marginais” da cidade (os outros três são Luiz Turiba, Francisco Alvim e Nicolas Behr). Em texto anterior, eu me equivoquei e afirmei que Cassiano Nunes havia sido classificado como tal. Não foi. Foi relacionado, isto sim, entre os poetas “cultos”, que de fato é.
Eudoro é português de nascimento (nasceu em Lisboa, em 1943, mas dez anos depois, em 1953, emigrou, com os pais, para o Brasil, indo morar em São Paulo), mas brasiliense de coração, embora resida na Capital Federal relativamente há pouco tempo (mudou-se, definitivamente, para lá em 1991). Além de poeta, é jornalista, radialista e professor. Estudou letras, a partir de 1963, na Universidade de Brasília, onde também fez mestrado de Literatura Brasileira. Em 1971, mudou-se para o Rio de Janeiro. Na Cidade Maravilhosa, juntou-se aos poetas marginais, que se consideravam “pós-modernistas” e “pós-vanguarda”, o que influenciou decisivamente a sua maneira não só de fazer poesia, mas de encarar o mundo.
Eudoro tem uma produção literária considerável. Publicou dez livros (vários deles no Rio de Janeiro), entre os quais “O desejo e o deserto” (1989), “Olhos de bandido” (2001), “Um estrago no paraíso” (2008) e “A natureza humana” (2009). Ele próprio define sua poética da seguinte maneira: “Meu conceito de arte, em particular, envolve a ironia, a brincadeira. Gosto muito de confundir o leitor, a ponto de ele não saber quando estou falando sério”. Também sou um pouco assim, quer em prosa, quer em poesia.
O Correio Braziliense, em texto que não foi assinado pelo repórter, escreveu a seu respeito: “Eudoro também escreve poemas românticos, cortantes, carregados de densidade e observações sobre desespero, saudade e separação. O amor é descrito como algo febril, nas vezes em que a pessoa amada está perto. E como algo delirante, quando as recordações são a única coisa que restou de um relacionamento alegre e prazeroso”.
Eudoro Augusto é, também, radialista, produtor de quatro programas da Rádio Câmara de Brasília: “Samba da minha terra”, “Faixa contemporânea” (de rock independente), “esquina do jazz” e “Trilha da meia-noite” (com músicas variadas).
Sobre seu “encontro” com a poesia, afirma que aconteceu da seguinte forma: “Fui um grande leitor na minha adolescência, me interessava muito pelos textos clássicos. E depois, passei a ler, também, muito, os poetas modernos de língua inglesa, Williams Carlos Williams, Ezra Pound... Gostava também da poesia de Archibald McLeish; ele era diretor da Biblioteca do Congresso de Washington, mas fazia uma poesia muito visceral. Em seguida, vieram os brasileiros modernos. Manuel Bandeira é o meu preferido, mas gosto também do Drummond e do Murilo Mendes. No começo, o meu pai sempre achava que a minha poesia tinha algo de Fernando Pessoa”.
Sobre a cidade que amanhã aniversaria, Eudoro diz: “Acho que Brasília é um projeto de uma cidade feliz e que tinha a obrigação de ser mais feliz. Tem uma qualidade de vida que não existe mais no Rio de Janeiro. Agora, não gosto do peso do poder: entro em uma casamata lá no Congresso Nacional para produzir os meus programas na Rádio Câmara, e faço questão de não participar de nenhuma articulação, de nenhuma relação com o poder”.
Eu não poderia encerrar estas considerações sem dar uma “palhinha” da poesia de Eudoro Augusto. Para isso, escolhi três poemas que, no meu entender, refletem seu estilo e se constituem em sua marca registrada. O primeiro, intitula-se “Histórico” e diz: “bêbado e rouco/em carro aberto//meu coração desfila aos berros/desde outros carnavais”.
O segundo poema é este “Ana C”: “Outra vez nos braços do amor perdido./Sempre o declive. Sempre a vertigem./Às vezes o abismo./Posso inflar/as velas de outra imagem/e assim navegar teus canais azulados,/minha lúcida amiga./No céu-da-boca desta manhã/fica apenas um risco:/relâmpago longo como o olhar./Luz. Outra luz. Louca luz./O mesmo anjo que beija tua orelha fina/invade o cinema como um vento fictício/e rabisca cicatrizes bem legíveis/no coração deserto do meio-dia”.
Finalmente, trago à sua apreciação este poema intitulado “A fugitiva”: “O barco aguarda/em algum porto da enseada./As antenas saltam dos telhados/como lanças ao sol./Ela amanhece. Ela tarda./Escondida entre os arbustos/e os anões-de-jardim./Fugida./A caminho do porto ela transtorna/desnorteia o velho marinheiro./Dizem que foge de um amante gelado/e fala sem parar nas ilhas do sul”.
Ser poeta “marginal”, com esta força poética, não é nenhum desdouro, concordam?. Há certos momentos em que, para colher estrelas, temos que esvaziar as mãos e nos livrar de regras, normas, peias, métricas, ritmos e rimas. O que conta é a emoção face à beleza, que, convenhamos, não falta em momento algum a Eudoro Augusto.
* Pedro J. Bondaczuk
Há poetas que se sentem melindrados caso sua poesia seja classificada de “marginal”, mesmo sem a conotação pejorativa do termo, por fugir dos cânones tradicionais da composição poética. Confesso que também detestaria essa distinção, caso me fosse impingida. Alguns entendem que isso deprecia, de alguma maneira, suas composições. É questão de como cada um interpreta esse tipo de avaliação. Uns, ficam melindrados. Outros, não dão a mínima. E outros, ainda, até assumem essa condição e a revertem a seu favor.
Esta última postura é a assumida por Eudoro Augusto Macieira de Souza, classificado por J. R. de Almeida Pinto, em seu livro “Poesia de Brasília – duas tendências”, como um dos quatro protótipos de “poetas marginais” da cidade (os outros três são Luiz Turiba, Francisco Alvim e Nicolas Behr). Em texto anterior, eu me equivoquei e afirmei que Cassiano Nunes havia sido classificado como tal. Não foi. Foi relacionado, isto sim, entre os poetas “cultos”, que de fato é.
Eudoro é português de nascimento (nasceu em Lisboa, em 1943, mas dez anos depois, em 1953, emigrou, com os pais, para o Brasil, indo morar em São Paulo), mas brasiliense de coração, embora resida na Capital Federal relativamente há pouco tempo (mudou-se, definitivamente, para lá em 1991). Além de poeta, é jornalista, radialista e professor. Estudou letras, a partir de 1963, na Universidade de Brasília, onde também fez mestrado de Literatura Brasileira. Em 1971, mudou-se para o Rio de Janeiro. Na Cidade Maravilhosa, juntou-se aos poetas marginais, que se consideravam “pós-modernistas” e “pós-vanguarda”, o que influenciou decisivamente a sua maneira não só de fazer poesia, mas de encarar o mundo.
Eudoro tem uma produção literária considerável. Publicou dez livros (vários deles no Rio de Janeiro), entre os quais “O desejo e o deserto” (1989), “Olhos de bandido” (2001), “Um estrago no paraíso” (2008) e “A natureza humana” (2009). Ele próprio define sua poética da seguinte maneira: “Meu conceito de arte, em particular, envolve a ironia, a brincadeira. Gosto muito de confundir o leitor, a ponto de ele não saber quando estou falando sério”. Também sou um pouco assim, quer em prosa, quer em poesia.
O Correio Braziliense, em texto que não foi assinado pelo repórter, escreveu a seu respeito: “Eudoro também escreve poemas românticos, cortantes, carregados de densidade e observações sobre desespero, saudade e separação. O amor é descrito como algo febril, nas vezes em que a pessoa amada está perto. E como algo delirante, quando as recordações são a única coisa que restou de um relacionamento alegre e prazeroso”.
Eudoro Augusto é, também, radialista, produtor de quatro programas da Rádio Câmara de Brasília: “Samba da minha terra”, “Faixa contemporânea” (de rock independente), “esquina do jazz” e “Trilha da meia-noite” (com músicas variadas).
Sobre seu “encontro” com a poesia, afirma que aconteceu da seguinte forma: “Fui um grande leitor na minha adolescência, me interessava muito pelos textos clássicos. E depois, passei a ler, também, muito, os poetas modernos de língua inglesa, Williams Carlos Williams, Ezra Pound... Gostava também da poesia de Archibald McLeish; ele era diretor da Biblioteca do Congresso de Washington, mas fazia uma poesia muito visceral. Em seguida, vieram os brasileiros modernos. Manuel Bandeira é o meu preferido, mas gosto também do Drummond e do Murilo Mendes. No começo, o meu pai sempre achava que a minha poesia tinha algo de Fernando Pessoa”.
Sobre a cidade que amanhã aniversaria, Eudoro diz: “Acho que Brasília é um projeto de uma cidade feliz e que tinha a obrigação de ser mais feliz. Tem uma qualidade de vida que não existe mais no Rio de Janeiro. Agora, não gosto do peso do poder: entro em uma casamata lá no Congresso Nacional para produzir os meus programas na Rádio Câmara, e faço questão de não participar de nenhuma articulação, de nenhuma relação com o poder”.
Eu não poderia encerrar estas considerações sem dar uma “palhinha” da poesia de Eudoro Augusto. Para isso, escolhi três poemas que, no meu entender, refletem seu estilo e se constituem em sua marca registrada. O primeiro, intitula-se “Histórico” e diz: “bêbado e rouco/em carro aberto//meu coração desfila aos berros/desde outros carnavais”.
O segundo poema é este “Ana C”: “Outra vez nos braços do amor perdido./Sempre o declive. Sempre a vertigem./Às vezes o abismo./Posso inflar/as velas de outra imagem/e assim navegar teus canais azulados,/minha lúcida amiga./No céu-da-boca desta manhã/fica apenas um risco:/relâmpago longo como o olhar./Luz. Outra luz. Louca luz./O mesmo anjo que beija tua orelha fina/invade o cinema como um vento fictício/e rabisca cicatrizes bem legíveis/no coração deserto do meio-dia”.
Finalmente, trago à sua apreciação este poema intitulado “A fugitiva”: “O barco aguarda/em algum porto da enseada./As antenas saltam dos telhados/como lanças ao sol./Ela amanhece. Ela tarda./Escondida entre os arbustos/e os anões-de-jardim./Fugida./A caminho do porto ela transtorna/desnorteia o velho marinheiro./Dizem que foge de um amante gelado/e fala sem parar nas ilhas do sul”.
Ser poeta “marginal”, com esta força poética, não é nenhum desdouro, concordam?. Há certos momentos em que, para colher estrelas, temos que esvaziar as mãos e nos livrar de regras, normas, peias, métricas, ritmos e rimas. O que conta é a emoção face à beleza, que, convenhamos, não falta em momento algum a Eudoro Augusto.
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