Poesia em Brasília
Pedro J. Bondaczuk
Brasília, como seria de se esperar – por seu futurismo, sua modernidade, seu multiculturalismo, sua beleza arquitetônica e até um certo ar de misticismo – é para lá de propícia à poesia. E conta, de fato, com uma infinidade de poetas, de todos os matizes e tendências, nascidos ali ou que a adotaram como lugar para viver – embora poucos sejam divulgados em âmbito nacional e, portanto, são pouco conhecidos além dos seus limites geográficos, mas nem por isso menos excelentes do que os preferidos das editoras e da mídia.
Há gente de raríssima sensibilidade e talento na arte de “poetar” nessa jóia magnífica do Planalto Central. Entre os poetas de Brasília, uma poetisa, em especial, chamou-me a atenção, quer por seu estilo, quer pela linguagem, quer pelos temas que aborda: Xênia Antunes. Trata-se de outra artista dos “sete instrumentos”, como Antonio Miranda.
Além de escritora, caracterizada por um realismo cru e às vezes contundente, é jornalista, artista plástica e fotógrafa. Ou seja, lida com imagens e sabe transmiti-las como ninguém, quer com pincéis e tintas, quer com películas fotográficas, quer (e principalmente) com palavras, através de metáforas fortes, mas sempre oportunas.
Sou admirador da poesia de Xênia Antunes há já bom tempo, desde quando li, pela primeira vez, um de seus tantos poemas (há uns dois anos) e, confesso, sem intenção sequer de publicá-lo, mas para meu deleite pessoal. Como tantos escritores que seguem produzindo, produzindo e produzindo à sombra da majestosa arquitetura da cidade, nossa poetisa não é brasiliense de nascimento. É carioca da gema.
Nasceu no Rio de Janeiro em 19 de outubro de algum ano do século XX. Em qual? Ora, ora, ora, eu não cometeria a indelicadeza de revelar a idade de uma dama. A única “dica” que dou a respeito é a de que ela mora em Brasília desde o começo dos anos 60, ou seja, pouco após a sua inauguração.
Acompanhou, pois, seu desenvolvimento, sua consolidação, seu progresso e, igualmente, os dramas, comédias, tragédias, tragicomédias e o escambau que a tiveram por cenário. Pode dizer, portanto (e nem sei se é assim que se sente), que é brasiliense, nem que seja por mútua adoção.
Xênia tem apenas dois livros publicados (ambos de poesia), “Parto normal” e “Exercícios de amor e de ódio”, mas sua produção artística e literária é intensíssima e sumamente relevante. Ressalte-se que uma de suas aptidões é o jornalismo. E o que é essa apaixonante (e não raro frustrante) atividade, se não a rude e dramática “poesia do cotidiano”, posto que calcada na realidade aspérrima e brutal de um mundo de vilanias, egoísmo, violência, injustiças de toda a sorte e sofrimento, muito sofrimento?!
Xênia garante que sua arte não tem nem propostas e nem bandeiras. “Liberdade é uma necessidade, algo inegociável, não só para as mulheres, mas para o ser humano. E eu vejo erotismo em quase tudo que é bom, bonito, prazeroso. Geralmente onde não há erotismo, há violência, destruição, crueldade, pornografia”.
Faço minhas, pois, as palavras do escritor Antonio Miranda, que sentenciou: “A poesia de Brasília não existiria sem Xênia Antunes”. E acrescentou: “Jornalista de uma época importante da cultura de Brasília – diga-se de fim da ditadura – identifica-se com os poetas de rua. E Xênia Antunes ali, fazendo, registrando. Foi marginal sendo pós-vanguarda. Quem quiser saber quem é Xênia Antunes, pode visitar o seu site, mas certamente ela não responderá tudo. Ali estão as suas metáforas, em palavras, arquivos da sua atividade jornalística, retratos, artmails”.
Deliciem-se, pois, com esta amostra da poesia dessa soberba poetisa, de primeiríssima grandeza, se não (ainda) da literatura brasileira, pelo menos (com todos os méritos) da brasiliense:
Reverso
“Há uma hora em que cessa
a fala
a escrita
o dito pelo não feito.
Há uma hora em que chora
o olho
o destino
o tempo todo imperfeito.
Há uma hora em que desmancha
a vida
o prazer
o sangue mais que a ferida.
Há uma hora em que exaure
o corpo
de tanto comer
entranhas”.
Pedro J. Bondaczuk
Brasília, como seria de se esperar – por seu futurismo, sua modernidade, seu multiculturalismo, sua beleza arquitetônica e até um certo ar de misticismo – é para lá de propícia à poesia. E conta, de fato, com uma infinidade de poetas, de todos os matizes e tendências, nascidos ali ou que a adotaram como lugar para viver – embora poucos sejam divulgados em âmbito nacional e, portanto, são pouco conhecidos além dos seus limites geográficos, mas nem por isso menos excelentes do que os preferidos das editoras e da mídia.
Há gente de raríssima sensibilidade e talento na arte de “poetar” nessa jóia magnífica do Planalto Central. Entre os poetas de Brasília, uma poetisa, em especial, chamou-me a atenção, quer por seu estilo, quer pela linguagem, quer pelos temas que aborda: Xênia Antunes. Trata-se de outra artista dos “sete instrumentos”, como Antonio Miranda.
Além de escritora, caracterizada por um realismo cru e às vezes contundente, é jornalista, artista plástica e fotógrafa. Ou seja, lida com imagens e sabe transmiti-las como ninguém, quer com pincéis e tintas, quer com películas fotográficas, quer (e principalmente) com palavras, através de metáforas fortes, mas sempre oportunas.
Sou admirador da poesia de Xênia Antunes há já bom tempo, desde quando li, pela primeira vez, um de seus tantos poemas (há uns dois anos) e, confesso, sem intenção sequer de publicá-lo, mas para meu deleite pessoal. Como tantos escritores que seguem produzindo, produzindo e produzindo à sombra da majestosa arquitetura da cidade, nossa poetisa não é brasiliense de nascimento. É carioca da gema.
Nasceu no Rio de Janeiro em 19 de outubro de algum ano do século XX. Em qual? Ora, ora, ora, eu não cometeria a indelicadeza de revelar a idade de uma dama. A única “dica” que dou a respeito é a de que ela mora em Brasília desde o começo dos anos 60, ou seja, pouco após a sua inauguração.
Acompanhou, pois, seu desenvolvimento, sua consolidação, seu progresso e, igualmente, os dramas, comédias, tragédias, tragicomédias e o escambau que a tiveram por cenário. Pode dizer, portanto (e nem sei se é assim que se sente), que é brasiliense, nem que seja por mútua adoção.
Xênia tem apenas dois livros publicados (ambos de poesia), “Parto normal” e “Exercícios de amor e de ódio”, mas sua produção artística e literária é intensíssima e sumamente relevante. Ressalte-se que uma de suas aptidões é o jornalismo. E o que é essa apaixonante (e não raro frustrante) atividade, se não a rude e dramática “poesia do cotidiano”, posto que calcada na realidade aspérrima e brutal de um mundo de vilanias, egoísmo, violência, injustiças de toda a sorte e sofrimento, muito sofrimento?!
Xênia garante que sua arte não tem nem propostas e nem bandeiras. “Liberdade é uma necessidade, algo inegociável, não só para as mulheres, mas para o ser humano. E eu vejo erotismo em quase tudo que é bom, bonito, prazeroso. Geralmente onde não há erotismo, há violência, destruição, crueldade, pornografia”.
Faço minhas, pois, as palavras do escritor Antonio Miranda, que sentenciou: “A poesia de Brasília não existiria sem Xênia Antunes”. E acrescentou: “Jornalista de uma época importante da cultura de Brasília – diga-se de fim da ditadura – identifica-se com os poetas de rua. E Xênia Antunes ali, fazendo, registrando. Foi marginal sendo pós-vanguarda. Quem quiser saber quem é Xênia Antunes, pode visitar o seu site, mas certamente ela não responderá tudo. Ali estão as suas metáforas, em palavras, arquivos da sua atividade jornalística, retratos, artmails”.
Deliciem-se, pois, com esta amostra da poesia dessa soberba poetisa, de primeiríssima grandeza, se não (ainda) da literatura brasileira, pelo menos (com todos os méritos) da brasiliense:
Reverso
“Há uma hora em que cessa
a fala
a escrita
o dito pelo não feito.
Há uma hora em que chora
o olho
o destino
o tempo todo imperfeito.
Há uma hora em que desmancha
a vida
o prazer
o sangue mais que a ferida.
Há uma hora em que exaure
o corpo
de tanto comer
entranhas”.
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