Sunday, April 18, 2010




Resgate da identidade

Pedro J. Bondaczuk

O Togo é um país que, mesmo no contexto africano, não é muito conhecido. É uma das menores Repúblicas da África, com 58.785 quilômetros quadrados e pouco mais de 2,8 milhões de habitantes, de 18 etnias que, por sua vez, falam 44 dialetos, além do francês.
Em 25 anos de vida independente, teve apenas três governos, sendo que o atual, o do tenente-coronel Gnassingbé Eyadema, já está há 18 anos no poder. Inicialmente, impôs-se à força, depondo Nicolas Gronitzky, em 13 de janeiro de 1967 (que por sua vez havia deposto o primeiro presidente togolês, Sylvanus Olympio, morto na oportunidade). Depois, foi eleito por voto. De que forma? Só Deus sabe!
O interessante desse pequeno país foi uma tentativa, feita na década passadas (embora afrouxada ultimamente) pelo regime atual para acabar com qualquer resquício de europeização que lhe fora imposto por alemães, franceses e ingleses, que o colonizaram através de décadas.
Gnassingbé, que na verdade foi batizado com o nome de Etiènne, cismou que os próprios nomes dos cidadãos de Togo deveriam ser mudados. E passou a exigir essa providência da população. A comunidade cristã local, todavia, rebelou-se contra a medida. Especialmente osa católicos, que constituem 20% da população togolesa.
Por causa dessa rebeldia, diversos fiéis foram encarcerados, entre os quais padres e até mesmo bispos. Aliás, a iniciativa de Gnassingbé nem mesmo é original. Outros povos africanos, logo após obterem a independência, agiram de forma idêntica, posto que por métodos mais suaves, sem impor obrigatoriedade à medida.
Foi o caso, ainda recente, do Zimbabwe, que até se tornar independente era conhecido como Rodésia do Sul, em homenagem ao britânico Cecil Rhodes. Sua capital, Salisbury, hoje chama-se Harare. Mas a população não foi forçada a alterar o próprio nome. Mudou apenas quem quis.
Gnassingbé preferiu imitar os métodos do Zaire (ex-República do Congo), onde o seu presidente, chamado Joseph Desiré, enquanto servidor da coroa belga, atualmente assina Mobutu Sese Seko. E não somente ele, mas todo o zairense que tem amor à liberdade, ostenta, hoje, um novo e exótico nome.
Leopoldville passou a denominar-se Kinshasa. E todas as cidades que lembravam qualquer coisa de Europa passaram a se chamar de forma diferente, num ingênuo e inócuo ato de nacionalismo, que não acrescentou nada de positivo ao país.
Ontem, Gnassingbé recebeu, no palácio de governo, o Papa. E ouviu do Pontífice a defesa dos católicos que não aceitaram trocar seus nomes. João Paulo II, com aquela paciência indispensável à sua função, explicou que a atitude dos seus fiéis não representava qualquer ato de rebeldia à autoridade temporal. Que os católicos togoleses eram tão patriotas quanto outro cidadão qualquer e estavam dispostos a cumprir todas as leis. Desde, é claro, que estas não interferissem com suas crenças. Em outras palavras, que eles seguiam o ensinamento de Cristo de “dar a César o que é de César...”
A nós esta questão soa, até, como uma anedota, tão surrealista ela se afigura. Entretanto, para milhares de pessoas foi causa de grande aflição. Provocou um conflito moral entre o dever para com o Estado e as mais íntimas convicções pessoais.
Este, infelizmente, ainda é o nível de “democracia” existente na maioria esmagadora dos jovens países africanos. Mostra que eles ainda têm um longo e penoso caminho a percorrer antes que possam criar a forma de convivência ideal. Isso, se as sociedades, ditas civilizadas, ajudarem. Ou se pelo menos não atrapalharem, tentando impingir a esses povos ideologias que lhes são totalmente incompreensíveis..

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 10 de agosto de 1985)

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