Machado de Assis e Brasília
Pedro J. Bondaczuk
O que Machado de Assis, considerado, quase que consensualmente como um dos maiores (se não o maior) escritores brasileiros de todos os tempos tem a ver com Brasília? A maioria dirá, certamente (no meu entender, de forma afoita): “Definitivamente, nada!”. Acrescentará, talvez, à guisa de explicação, que o fundador da Academia Brasileira de Letras morreu quase cinqüenta anos antes da cidade sequer começar a ser construída. Até aí, quem disser isso, óbvio, estará com a razão.
Eu não diria, contudo, que o autor de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” não tenha nada a ver com nossa moderna e contraditória capital federal. Afinal, foi dos poucos brasileiros a acreditar que um dia ela deixaria de ser mero sonho, vaga intenção da intelectualidade e dos detentores do poder do País. Pelo menos foi dos raros que teve a coragem de manifestar, publicamente, essa crença, embora se mostrasse cético da possibilidade de “vê-la” brotar do cerrado do Planalto Central.
Claro que Machado de Assis não a citou nominalmente, porquanto na ocasião, essa ciclópica obra de toda uma geração não passava de vaguíssima intenção, para não dizer de mirabolante sonho, quase que fantasia tropical, para dez entre dez brasileiros. Caso tivesse acesso ao texto das instruções de José Bonifácio de Andrada e Silva aos deputados paulistas junto à Corte da então colônia de Portugal, datado de 1821, todavia, poderia, até, nomeá-la na citação que fez.
Afinal, o “patriarca da independência” chegou, até mesmo, a sugerir nomes para a “futura” (então futuríssima) cidade que pretendia fosse construída na “latitude pouco mais ou menos de 15 graus” do território brasileiro. Entre eles, estava a denominação que mais de um século e meio depois finalmente iria vingar: Brasília.
Não era, contudo, a da preferência de José Bonifácio. Seu nome preferido era Petrópolis. E por que? Muito simples. Para homenagear o então regente português da colônia portuguesa além-mar, Dom Pedro, futuro imperador Dom Pedro I, a quem cortejava, na ocasião, para que proclamasse a independência do Brasil.
Esclareça-se que o monarca seria, de fato, homenageado, emprestando nome a uma cidade. Mas não foi, óbvio, a futura capital que um dia seria construída no Planalto Central. Foi uma bem mais modesta, na zona serrana do Estado do Rio de Janeiro, ou seja, a aprazível Petrópolis dos nossos dias, conhecida pelo seu ótimo clima e por suas rosas. Mas o “nome” Brasília, então, já existia. Talvez o escritor não o soubesse.
Machado de Assis citou a futura capital em uma das tantas crônicas semanais que publicou na imprensa carioca. Foi na publicada em 22 de janeiro de 1893, na “Gazeta de Notícias”. Em certo trecho, o Bruxo do Cosme Velho escreveu, referindo-se a Brasília (posto que, reitero, sem a nomear): “Não sei se viverei até a inauguração (da cidade). A vida é tão curta, a morte tão certa que a inauguração pode fazer-se sem mim. E tão certo é o esquecimento, que nem darão pela minha falta”.
Como não dar por sua falta, venerando mestre?! Machado acertou em todas suas previsões, principalmente na de que não viveria tempo suficiente para ver a inauguração de Brasília. Só errou na última. Na de que seria esquecido pela posteridade e ninguém daria pela sua falta. Já imaginaram se ele vivesse para ver o que seus conterrâneos conseguiram fazer em pleno e desértico cerrado do Planalto Central?! O que será que ele diria a propósito?! E justo ele, que era tão bem-informado e esclarecido e tinha mente avançadíssima, muito além do seu próprio tempo?!
Mas Brasília (como ademais todas as outras cidades brasileiras em que haja pessoas cultas e informadas) não se esqueceu de Machado de Assis. Nem poderia! Mais especificamente, a Imprensa Oficial Nacional, responsável pela edição diária do Diário Oficial da União, perpetuou a memória do mais ilustre dos seus funcionários. Em seu museu, na capital federal, conserva, intacto, o prelo em que o futuro escritor aprendeu o ofício de tipógrafo, quando ali trabalhava.
Muita gente desconhece que o fundador da Academia Brasileira de Letras começou sua vida profissional, aos 17 anos de idade, entre 1856 e 1858, na Imprensa Oficial nacional, e como aprendiz de tipógrafo. Enfatize-se que o notável homem de letras foi funcionário público exemplar, ao longo de uma dedicada carreira de 40 anos. Como se vê, não é pouca coisa. É quase meio século de dedicação aos cidadãos do seu país. A cidade que ele sequer viu nascer homenageia-o, portanto, dando seu nome a esse modesto, mas importante museu.
Estão vendo por que não se pode dizer, afoitamente, que Machado de Assis e Brasília não têm nenhuma relação? Mesmo que indireta, têm. Em momento algum o escritor duvidou que a cidade viesse a ser construída. Só não acreditou que pudesse testemunhar sua inauguração, o que, de fato, não testemunhou mesmo. Mas creio que, naquela solenidade de 21 de abril de 1960, ele estava presente, ali, bem ao lado do homem que liderou essa magnífica saga do século XX, Juscelino Kubitschek de Oliveira... mesmo que, apenas, em espírito.
Pedro J. Bondaczuk
O que Machado de Assis, considerado, quase que consensualmente como um dos maiores (se não o maior) escritores brasileiros de todos os tempos tem a ver com Brasília? A maioria dirá, certamente (no meu entender, de forma afoita): “Definitivamente, nada!”. Acrescentará, talvez, à guisa de explicação, que o fundador da Academia Brasileira de Letras morreu quase cinqüenta anos antes da cidade sequer começar a ser construída. Até aí, quem disser isso, óbvio, estará com a razão.
Eu não diria, contudo, que o autor de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” não tenha nada a ver com nossa moderna e contraditória capital federal. Afinal, foi dos poucos brasileiros a acreditar que um dia ela deixaria de ser mero sonho, vaga intenção da intelectualidade e dos detentores do poder do País. Pelo menos foi dos raros que teve a coragem de manifestar, publicamente, essa crença, embora se mostrasse cético da possibilidade de “vê-la” brotar do cerrado do Planalto Central.
Claro que Machado de Assis não a citou nominalmente, porquanto na ocasião, essa ciclópica obra de toda uma geração não passava de vaguíssima intenção, para não dizer de mirabolante sonho, quase que fantasia tropical, para dez entre dez brasileiros. Caso tivesse acesso ao texto das instruções de José Bonifácio de Andrada e Silva aos deputados paulistas junto à Corte da então colônia de Portugal, datado de 1821, todavia, poderia, até, nomeá-la na citação que fez.
Afinal, o “patriarca da independência” chegou, até mesmo, a sugerir nomes para a “futura” (então futuríssima) cidade que pretendia fosse construída na “latitude pouco mais ou menos de 15 graus” do território brasileiro. Entre eles, estava a denominação que mais de um século e meio depois finalmente iria vingar: Brasília.
Não era, contudo, a da preferência de José Bonifácio. Seu nome preferido era Petrópolis. E por que? Muito simples. Para homenagear o então regente português da colônia portuguesa além-mar, Dom Pedro, futuro imperador Dom Pedro I, a quem cortejava, na ocasião, para que proclamasse a independência do Brasil.
Esclareça-se que o monarca seria, de fato, homenageado, emprestando nome a uma cidade. Mas não foi, óbvio, a futura capital que um dia seria construída no Planalto Central. Foi uma bem mais modesta, na zona serrana do Estado do Rio de Janeiro, ou seja, a aprazível Petrópolis dos nossos dias, conhecida pelo seu ótimo clima e por suas rosas. Mas o “nome” Brasília, então, já existia. Talvez o escritor não o soubesse.
Machado de Assis citou a futura capital em uma das tantas crônicas semanais que publicou na imprensa carioca. Foi na publicada em 22 de janeiro de 1893, na “Gazeta de Notícias”. Em certo trecho, o Bruxo do Cosme Velho escreveu, referindo-se a Brasília (posto que, reitero, sem a nomear): “Não sei se viverei até a inauguração (da cidade). A vida é tão curta, a morte tão certa que a inauguração pode fazer-se sem mim. E tão certo é o esquecimento, que nem darão pela minha falta”.
Como não dar por sua falta, venerando mestre?! Machado acertou em todas suas previsões, principalmente na de que não viveria tempo suficiente para ver a inauguração de Brasília. Só errou na última. Na de que seria esquecido pela posteridade e ninguém daria pela sua falta. Já imaginaram se ele vivesse para ver o que seus conterrâneos conseguiram fazer em pleno e desértico cerrado do Planalto Central?! O que será que ele diria a propósito?! E justo ele, que era tão bem-informado e esclarecido e tinha mente avançadíssima, muito além do seu próprio tempo?!
Mas Brasília (como ademais todas as outras cidades brasileiras em que haja pessoas cultas e informadas) não se esqueceu de Machado de Assis. Nem poderia! Mais especificamente, a Imprensa Oficial Nacional, responsável pela edição diária do Diário Oficial da União, perpetuou a memória do mais ilustre dos seus funcionários. Em seu museu, na capital federal, conserva, intacto, o prelo em que o futuro escritor aprendeu o ofício de tipógrafo, quando ali trabalhava.
Muita gente desconhece que o fundador da Academia Brasileira de Letras começou sua vida profissional, aos 17 anos de idade, entre 1856 e 1858, na Imprensa Oficial nacional, e como aprendiz de tipógrafo. Enfatize-se que o notável homem de letras foi funcionário público exemplar, ao longo de uma dedicada carreira de 40 anos. Como se vê, não é pouca coisa. É quase meio século de dedicação aos cidadãos do seu país. A cidade que ele sequer viu nascer homenageia-o, portanto, dando seu nome a esse modesto, mas importante museu.
Estão vendo por que não se pode dizer, afoitamente, que Machado de Assis e Brasília não têm nenhuma relação? Mesmo que indireta, têm. Em momento algum o escritor duvidou que a cidade viesse a ser construída. Só não acreditou que pudesse testemunhar sua inauguração, o que, de fato, não testemunhou mesmo. Mas creio que, naquela solenidade de 21 de abril de 1960, ele estava presente, ali, bem ao lado do homem que liderou essa magnífica saga do século XX, Juscelino Kubitschek de Oliveira... mesmo que, apenas, em espírito.
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