Wednesday, April 21, 2010




Poesia culta e poesia marginal

Pedro J. Bondaczuk

Os críticos, para efeitos de estudo, costumam dividir a arte de fazer poesias (que caracterizo com um verbo que apesar de existir no dicionário, é pouco utilizado na prática, que é “poetar”) de várias maneiras. Uns, classificam-na por escolas literárias, como romantismo, parnasianismo, simbolismo e modernismo, outros pela linguagem utilizada pelos poetas – ou seja, se rebuscada e dentro dos cânones gramaticais, dizem que é “culta”, se do jeito que o povo fala, “marginal” – e outros, ainda, de maneiras diversas dessas.
Sei lá! Pessoalmente, não gosto de nenhuma dessas classificações, embora entenda sua utilidade para efeito de estudo. Para mim, só há dois tipos de poesia (e consequentemente, de poetas): a boa e a má. Em todo o caso... admito essa segunda (e genérica) classificação. Ou seja, a da poesia culta e a da marginal (embora ache esse termo um tanto pejorativo e ambíguo, por sua conotação social, tido, pois, como depreciativo). A marginalidade, no caso, caracteriza os que remam contra alguma “correnteza” (ou contra alguma “maré”). Ou seja, refere-se, pelo menos aqui, aos que fazem uma poesia sem peias, amarras ou regras. E há muitos bons poetas que optam por esse procedimento.
Aliás, esse tipo de classificação sequer é novo. É antiqüíssimo. Remonta à origem da crítica literária. O que eram, por exemplo, os aedos gregos, se não “marginais”? E os menestréis, que sobreviviam às custas dos seus versos, “vagabundeando” Europa afora (e o termo “vagabundo”, aqui, é tomado em seu sentido lato, o de vagar, e não propriamente no de preguiçoso e avesso ao trabalho) o que eram se não artistas à margem da arte oficial e da sociedade?
Pois é, o que eram? Como você caracterizaria, por exemplo, François Villon? O “poeta-bandido” poderia ser incluído entre os de norma culta? Creio que não. Era lídimo marginal (posto que no seu caso, em todas as acepções do termo). E isso diminuiu a qualidade da sua produção ou sua importância para a literatura francesa e até mundial? Claro que não!
Pois é assim que o escritor e diplomata José Roberto de Almeida Pinto (ou simplesmente J. R. de Almeida Pinto, como consta na capa de seu livro) divide os poetas que atuam na Capital Federal, em seu excelente estudo intitulado “Poesia de Brasília – duas tendências”, publicado pela Thesaurus Editora.
O autor concentra-se em oito nomes, quatro de cada tendência, que considera os mais representativos de cada uma dessas vertentes. É certo que se trata de uma escolha rigorosamente pessoal com a qual se pode ou não concordar. Seu critério, todavia, é bastante lógico. Baseia-se nos seguintes aspectos: linguagem, temática, posição face ao patrimônio cultural local e a concepção de cada um sobre o significado da poesia em nossa vida e a importância dos poetas para a literatura.
Almeida Pinto analisa poemas tanto dos quatro que considera os mais representativos da vertente “culta” (Anderson Braga Horta, Domingos Carvalho da Silva, Marly de Oliveira e Cassiano Nunes), quanto dos que classifica como “marginais” (Nicolas Behr, Francisco Alvim, Eudoro Augusto e Turiba). Em momento algum, diga-se de passagem, utiliza essa divisão como critério de juízo de qualidade. Não diz que quem utiliza linguagem erudita, por exemplo, faz poesia melhor do que quem se vale do coloquialismo em suas composições.
O livro foi escrito, na verdade, como tese de mestrado do autor, na Universidade Nacional de Brasília (é doutor em Literatura) . Seu estudo, no entanto, mostrou-se tão detalhado e meticuloso, que mereceu publicação. E, a bem da verdade, é importante referência sobre o assunto para os estudiosos (e para os leigos também). Almeida Pinto participou, ainda, junto com A. J. Ramalho da Rocha e R. Domingos da Silva, do estudo “Reflexões sobre defesa e segurança: uma estratégia para o Brasil”, publicado, em 2004, pelo Ministério de Defesa. Mas... esse é outro assunto.
Supõe-se que, para analisar poesia com a habilidade e propriedade do autor de “Poesia de Brasília – duas tendências”, ele deva, pelo menos, ter incursionado, mesmo que ocasionalmente, por esse gênero tão importante, cuja origem é tão antiga a ponto de ser impossível de ser determinada. Afinal, antecedeu, em muito, a invenção da escrita. Foi, por um tempo incontável, a grande forma de transmissão de conhecimentos de uma geração a outra.
Quando, onde e como nasceu a poesia? Ninguém sabe e jamais saberá. É, disparado, o gênero literário mais antigo e precursor de todos os demais. Precedeu, reitero, a própria invenção da escrita. Foi, pois, o meio de comunicação dos povos e civilizações ágrafos, uma espécie de “jornalismo” dos tempos das cavernas, possivelmente desde a “Era da Pedra Lascada” ou, quem sabe, antes.
Pois bem, Almeida Pinto também é poeta, e dos bons. Querem uma prova? Constatem sua perícia na arte de poetar com o exemplo que trago ao seu conhecimento e reproduzo abaixo:

Remorso

“Nesta Brasília calada
nesta sala assexuada
nesta hora desgraçada
eu sou somente remorso

Aço preto na testa
acre sertão na garganta,
resina de esgoto nos olhos,
eu não sou mais que remorso.
Eu não sou mais que a vontade de sair correndo
estraçalhar a cara no primeiro poste,
o homem que um dia sonhou ser bom,
a besta que quer fugir e não pode,
que quer berrar e não pode,
que quer, meu Deus, ser perdoado.

Nesta véspera de sábado
nesta Brasília silente
há festas, boates, mulheres.
Roendo osso, remorso,
nesta sala indiferente,
nesta hora desgraçada,
há somente o homem em face de si mesmo e náusea.
O homem finalmente em face de si mesmo,
o atônito covarde”.

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