"A fama é a soma de equívocos criados em torno de uma pessoa", escreveu, certa ocasião, o poeta austríaco, Rainer Marie Rilke. Absoluta verdade! Certamente, não foi esta a condição (ou seria recompensa?) que os intelectuais engajados na solução dos problemas do seu tempo buscaram (ou buscam) da sociedade. Almejam, isto sim, o "reconhecimento" das gerações futuras, pelo que fizeram e deixaram como patrimônio cultural. Nem sempre (ou quase nunca) conseguem. O exemplo que deixaram, contudo, caso seguido, certamente tornaria o mundo melhor, mais justo, mais ético e mais humano. A fama, portanto, salvo raras exceções, é, de fato, uma soma de equívocos.
Friday, April 30, 2010
A dama da poesia brasiliense
* Pedro J. Bondaczuk
A única poetisa relacionada por J. R. de Almeida Pinto, em seu livro “Poesia de Brasília – duas tendências”, como um dos quatro pilares, quatro poetas que classificou de “cultos”, Marly de Oliveira, infelizmente não pôde assistir, ontem, as festividades comemorativas ao cinqüentenário da cidade que amou de paixão. Entre outros tantos eventos, a programação da festa de aniversário teve um que congregou duzentas mil pessoas, na Esplanada dos Ministérios.
A poetisa não se fez presente (fisicamente), esclareça-se, não em decorrência de algum compromisso ou falta de vontade. Faltou à sua revelia, por motivo de força maior, a maior que existe: faleceu em 1° de junho de 2007 e longe da Capital Federal, em uma clínica do Rio de Janeiro. Contudo, é, e sempre será, tida e havida, passados três anos da sua morte (e com inteira justiça) como a incomparável “dama da poesia brasiliense”.
Marly foi casada com ninguém menos que o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, membro da Academia Brasileira de Letras, que, claro, dispensa comentários e apresentações. Estou seguro que todos os nossos leitores o conhecem de sobejo. A poetisa, igualmente, não nasceu em Brasília – como a maioria dos escritores que “construiu” o já rico e farto patrimônio literário da Capital Federal. É natural de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, conterrânea, portanto, do nosso cronista mor, Rubem Braga e do “rei” da música pop brasileira, Roberto Carlos. Falecida aos 69 anos, conquistou, em 1998, o cobiçado Prêmio Jabuti de Poesia, com o livro “O mar de permeio”.
A além de poetisa, professora de língua e literatura italiana e de literatura hispano-americana publicou, também, “Cerco da Primavera” (1957), “Explicações de Narciso” (1960), “A suave pantera” (1962), “A vida natural” (1967), “Contato e invocação de Orpheu” (1975) e “Uma vez sempre” (2000).
Marly de Oliveira foi, sem dúvida, uma das mais famosas, prestigiadas e reconhecidas poetisas não somente de Brasília, mas de toda a Literatura Brasileira. É verdade que o imenso prestígio de que gozava junto à intelectualidade e, notadamente, com seus colegas de letras, não era acompanhado pelo grande público. Poucos, fora desses círculos, a conheceram. Uma pena!
Além do Prêmio Jabuti, ganhou, também, ainda bem jovem, em 1958, o Prêmio de Poesia do Instituto Nacional do Livro. Seus versos são densos, agudos e fortes. São, simultaneamente, cerebrais e líricos, carregados de intensos sentimentos e, algumas vezes, chegam a ser até mesmo sensoriais: concretos, vivos, palpáveis.. Nem por isso era alienada, ou menos objetiva, acusação que em geral se faz a poetas que primam pela emoção. Seus poemas refletem, quando o tema assim o exige, também as asperezas, contradições, incertezas e a inclemência da realidade.
Para entender as motivações e atitudes, as alegrias e tristezas, as preferências e as repulsas de um escritor, nada melhor do que deixar que ele próprio se mostre, mas não em uma entrevista ou na subjetividade de uma biografia, porém na inteireza da sua obra. Ali é que ele se revela por inteiro, sem máscaras e nem disfarces. Por isso, como tenho feito com outros tantos poetas sobre os quais discorri até agora, trago-lhe também, amável leitor, alguns dos refinados poemas de Marly de Oliveira, para que você a conheça um pouco mais e se delicie com eles.
O primeiro tem o estranho título de “Pior que o cão é sua fúria” e diz: “Pior que o cão é sua fúria,/pior que o gato é sua garra,/pior que a sanha de ferir/a que se esconde/sob a feição do amor./Pior que a vida é a não-vida/do que se faz espectador:/nem mergulha, nem nada, nem conhece/o mar fundo:/está sempre à beira da estrada”.
O segundo poema de Marly que partilho com vocês é o intitulado “Não conheci o desterro”: “Não conheci o desterro,/mas sei a quanto obriga./Vivo na minha terra,/embora desencontrada. Quem sabe/de mim, quem me ouve/o que não digo, quem segura/a rédea de meu sonho, permitindo/o risco da vertigem, o perigo/de conhecer o abismo?”.
O terceiro exemplo da poética de Marly de Oliveira é este “Perdi a capacidade de assombro”: “Perdi a capacidade de assombro/mas continuo perplexa:/esta cidade é minha, este espaço/que nunca se retrai,/mas onde o ardor da antiga/chama que me movia no mínimo/gesto?Esperei tanto, no entanto esvaem-se/na relva, ao sol, no vento,/os sonhos desorbitados,/parte da minha natureza,/sempre em luta com o fado./Perdi também no contato//com o mundo, pérola radiosa, vão pecúlio,/uma certa inocência./Ficou a nostalgia de uma antiga/união com o que existe/triste alfaia”.
Finalmente, encerro estas considerações com o poema “Parecia um pássaro”: “Parecia um pássaro em frêmito/da folha, uma libélula,/uma coisa evanescente/e volátil:/não era nada, um pensamento – de amor?/que se ensaiou na sombra/e desapareceu qual rã”.
Calo-me, humildemente, diante da beleza, da concisão, da elegância e da precisão da magia poética de Marly de Oliveira. Nada tenho a acrescentar, a reparar ou a comentar sobre seus poemas. Prefiro senti-los e dar vazão à emoção. Seus versos dizem tudo, ou melhor, sugerem. E é preciso dizer qualquer coisa mais sobre este festival de fantasia, bom-gosto e encantamento, que a dama da poesia brasiliense nos legou?!
* Pedro J. Bondaczuk
A única poetisa relacionada por J. R. de Almeida Pinto, em seu livro “Poesia de Brasília – duas tendências”, como um dos quatro pilares, quatro poetas que classificou de “cultos”, Marly de Oliveira, infelizmente não pôde assistir, ontem, as festividades comemorativas ao cinqüentenário da cidade que amou de paixão. Entre outros tantos eventos, a programação da festa de aniversário teve um que congregou duzentas mil pessoas, na Esplanada dos Ministérios.
A poetisa não se fez presente (fisicamente), esclareça-se, não em decorrência de algum compromisso ou falta de vontade. Faltou à sua revelia, por motivo de força maior, a maior que existe: faleceu em 1° de junho de 2007 e longe da Capital Federal, em uma clínica do Rio de Janeiro. Contudo, é, e sempre será, tida e havida, passados três anos da sua morte (e com inteira justiça) como a incomparável “dama da poesia brasiliense”.
Marly foi casada com ninguém menos que o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, membro da Academia Brasileira de Letras, que, claro, dispensa comentários e apresentações. Estou seguro que todos os nossos leitores o conhecem de sobejo. A poetisa, igualmente, não nasceu em Brasília – como a maioria dos escritores que “construiu” o já rico e farto patrimônio literário da Capital Federal. É natural de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, conterrânea, portanto, do nosso cronista mor, Rubem Braga e do “rei” da música pop brasileira, Roberto Carlos. Falecida aos 69 anos, conquistou, em 1998, o cobiçado Prêmio Jabuti de Poesia, com o livro “O mar de permeio”.
A além de poetisa, professora de língua e literatura italiana e de literatura hispano-americana publicou, também, “Cerco da Primavera” (1957), “Explicações de Narciso” (1960), “A suave pantera” (1962), “A vida natural” (1967), “Contato e invocação de Orpheu” (1975) e “Uma vez sempre” (2000).
Marly de Oliveira foi, sem dúvida, uma das mais famosas, prestigiadas e reconhecidas poetisas não somente de Brasília, mas de toda a Literatura Brasileira. É verdade que o imenso prestígio de que gozava junto à intelectualidade e, notadamente, com seus colegas de letras, não era acompanhado pelo grande público. Poucos, fora desses círculos, a conheceram. Uma pena!
Além do Prêmio Jabuti, ganhou, também, ainda bem jovem, em 1958, o Prêmio de Poesia do Instituto Nacional do Livro. Seus versos são densos, agudos e fortes. São, simultaneamente, cerebrais e líricos, carregados de intensos sentimentos e, algumas vezes, chegam a ser até mesmo sensoriais: concretos, vivos, palpáveis.. Nem por isso era alienada, ou menos objetiva, acusação que em geral se faz a poetas que primam pela emoção. Seus poemas refletem, quando o tema assim o exige, também as asperezas, contradições, incertezas e a inclemência da realidade.
Para entender as motivações e atitudes, as alegrias e tristezas, as preferências e as repulsas de um escritor, nada melhor do que deixar que ele próprio se mostre, mas não em uma entrevista ou na subjetividade de uma biografia, porém na inteireza da sua obra. Ali é que ele se revela por inteiro, sem máscaras e nem disfarces. Por isso, como tenho feito com outros tantos poetas sobre os quais discorri até agora, trago-lhe também, amável leitor, alguns dos refinados poemas de Marly de Oliveira, para que você a conheça um pouco mais e se delicie com eles.
O primeiro tem o estranho título de “Pior que o cão é sua fúria” e diz: “Pior que o cão é sua fúria,/pior que o gato é sua garra,/pior que a sanha de ferir/a que se esconde/sob a feição do amor./Pior que a vida é a não-vida/do que se faz espectador:/nem mergulha, nem nada, nem conhece/o mar fundo:/está sempre à beira da estrada”.
O segundo poema de Marly que partilho com vocês é o intitulado “Não conheci o desterro”: “Não conheci o desterro,/mas sei a quanto obriga./Vivo na minha terra,/embora desencontrada. Quem sabe/de mim, quem me ouve/o que não digo, quem segura/a rédea de meu sonho, permitindo/o risco da vertigem, o perigo/de conhecer o abismo?”.
O terceiro exemplo da poética de Marly de Oliveira é este “Perdi a capacidade de assombro”: “Perdi a capacidade de assombro/mas continuo perplexa:/esta cidade é minha, este espaço/que nunca se retrai,/mas onde o ardor da antiga/chama que me movia no mínimo/gesto?Esperei tanto, no entanto esvaem-se/na relva, ao sol, no vento,/os sonhos desorbitados,/parte da minha natureza,/sempre em luta com o fado./Perdi também no contato//com o mundo, pérola radiosa, vão pecúlio,/uma certa inocência./Ficou a nostalgia de uma antiga/união com o que existe/triste alfaia”.
Finalmente, encerro estas considerações com o poema “Parecia um pássaro”: “Parecia um pássaro em frêmito/da folha, uma libélula,/uma coisa evanescente/e volátil:/não era nada, um pensamento – de amor?/que se ensaiou na sombra/e desapareceu qual rã”.
Calo-me, humildemente, diante da beleza, da concisão, da elegância e da precisão da magia poética de Marly de Oliveira. Nada tenho a acrescentar, a reparar ou a comentar sobre seus poemas. Prefiro senti-los e dar vazão à emoção. Seus versos dizem tudo, ou melhor, sugerem. E é preciso dizer qualquer coisa mais sobre este festival de fantasia, bom-gosto e encantamento, que a dama da poesia brasiliense nos legou?!
Thursday, April 29, 2010
Não vejo arte alguma na banalização da morte. Não vislumbro nada de estético na apologia do assassinato feita especialmente pelo cinema, mas também explorada em romances, contos e novelas. Não identifico qualquer heroísmo na supressão de vidas alheias, seja qual for o pretexto, mesmo que em simples enredos de ficção. Somente um louco sanguinário consegue atingir o êxtase diante da morte. Apenas um sádico perverso aprecia o sofrimento, físico ou moral, de quem quer que seja. Amo a vida, a beleza e a alegria. Não descrevo sonhos, deliro... Sou poeta!
Poeta marginal assumido
* Pedro J. Bondaczuk
Há poetas que se sentem melindrados caso sua poesia seja classificada de “marginal”, mesmo sem a conotação pejorativa do termo, por fugir dos cânones tradicionais da composição poética. Confesso que também detestaria essa distinção, caso me fosse impingida. Alguns entendem que isso deprecia, de alguma maneira, suas composições. É questão de como cada um interpreta esse tipo de avaliação. Uns, ficam melindrados. Outros, não dão a mínima. E outros, ainda, até assumem essa condição e a revertem a seu favor.
Esta última postura é a assumida por Eudoro Augusto Macieira de Souza, classificado por J. R. de Almeida Pinto, em seu livro “Poesia de Brasília – duas tendências”, como um dos quatro protótipos de “poetas marginais” da cidade (os outros três são Luiz Turiba, Francisco Alvim e Nicolas Behr). Em texto anterior, eu me equivoquei e afirmei que Cassiano Nunes havia sido classificado como tal. Não foi. Foi relacionado, isto sim, entre os poetas “cultos”, que de fato é.
Eudoro é português de nascimento (nasceu em Lisboa, em 1943, mas dez anos depois, em 1953, emigrou, com os pais, para o Brasil, indo morar em São Paulo), mas brasiliense de coração, embora resida na Capital Federal relativamente há pouco tempo (mudou-se, definitivamente, para lá em 1991). Além de poeta, é jornalista, radialista e professor. Estudou letras, a partir de 1963, na Universidade de Brasília, onde também fez mestrado de Literatura Brasileira. Em 1971, mudou-se para o Rio de Janeiro. Na Cidade Maravilhosa, juntou-se aos poetas marginais, que se consideravam “pós-modernistas” e “pós-vanguarda”, o que influenciou decisivamente a sua maneira não só de fazer poesia, mas de encarar o mundo.
Eudoro tem uma produção literária considerável. Publicou dez livros (vários deles no Rio de Janeiro), entre os quais “O desejo e o deserto” (1989), “Olhos de bandido” (2001), “Um estrago no paraíso” (2008) e “A natureza humana” (2009). Ele próprio define sua poética da seguinte maneira: “Meu conceito de arte, em particular, envolve a ironia, a brincadeira. Gosto muito de confundir o leitor, a ponto de ele não saber quando estou falando sério”. Também sou um pouco assim, quer em prosa, quer em poesia.
O Correio Braziliense, em texto que não foi assinado pelo repórter, escreveu a seu respeito: “Eudoro também escreve poemas românticos, cortantes, carregados de densidade e observações sobre desespero, saudade e separação. O amor é descrito como algo febril, nas vezes em que a pessoa amada está perto. E como algo delirante, quando as recordações são a única coisa que restou de um relacionamento alegre e prazeroso”.
Eudoro Augusto é, também, radialista, produtor de quatro programas da Rádio Câmara de Brasília: “Samba da minha terra”, “Faixa contemporânea” (de rock independente), “esquina do jazz” e “Trilha da meia-noite” (com músicas variadas).
Sobre seu “encontro” com a poesia, afirma que aconteceu da seguinte forma: “Fui um grande leitor na minha adolescência, me interessava muito pelos textos clássicos. E depois, passei a ler, também, muito, os poetas modernos de língua inglesa, Williams Carlos Williams, Ezra Pound... Gostava também da poesia de Archibald McLeish; ele era diretor da Biblioteca do Congresso de Washington, mas fazia uma poesia muito visceral. Em seguida, vieram os brasileiros modernos. Manuel Bandeira é o meu preferido, mas gosto também do Drummond e do Murilo Mendes. No começo, o meu pai sempre achava que a minha poesia tinha algo de Fernando Pessoa”.
Sobre a cidade que amanhã aniversaria, Eudoro diz: “Acho que Brasília é um projeto de uma cidade feliz e que tinha a obrigação de ser mais feliz. Tem uma qualidade de vida que não existe mais no Rio de Janeiro. Agora, não gosto do peso do poder: entro em uma casamata lá no Congresso Nacional para produzir os meus programas na Rádio Câmara, e faço questão de não participar de nenhuma articulação, de nenhuma relação com o poder”.
Eu não poderia encerrar estas considerações sem dar uma “palhinha” da poesia de Eudoro Augusto. Para isso, escolhi três poemas que, no meu entender, refletem seu estilo e se constituem em sua marca registrada. O primeiro, intitula-se “Histórico” e diz: “bêbado e rouco/em carro aberto//meu coração desfila aos berros/desde outros carnavais”.
O segundo poema é este “Ana C”: “Outra vez nos braços do amor perdido./Sempre o declive. Sempre a vertigem./Às vezes o abismo./Posso inflar/as velas de outra imagem/e assim navegar teus canais azulados,/minha lúcida amiga./No céu-da-boca desta manhã/fica apenas um risco:/relâmpago longo como o olhar./Luz. Outra luz. Louca luz./O mesmo anjo que beija tua orelha fina/invade o cinema como um vento fictício/e rabisca cicatrizes bem legíveis/no coração deserto do meio-dia”.
Finalmente, trago à sua apreciação este poema intitulado “A fugitiva”: “O barco aguarda/em algum porto da enseada./As antenas saltam dos telhados/como lanças ao sol./Ela amanhece. Ela tarda./Escondida entre os arbustos/e os anões-de-jardim./Fugida./A caminho do porto ela transtorna/desnorteia o velho marinheiro./Dizem que foge de um amante gelado/e fala sem parar nas ilhas do sul”.
Ser poeta “marginal”, com esta força poética, não é nenhum desdouro, concordam?. Há certos momentos em que, para colher estrelas, temos que esvaziar as mãos e nos livrar de regras, normas, peias, métricas, ritmos e rimas. O que conta é a emoção face à beleza, que, convenhamos, não falta em momento algum a Eudoro Augusto.
* Pedro J. Bondaczuk
Há poetas que se sentem melindrados caso sua poesia seja classificada de “marginal”, mesmo sem a conotação pejorativa do termo, por fugir dos cânones tradicionais da composição poética. Confesso que também detestaria essa distinção, caso me fosse impingida. Alguns entendem que isso deprecia, de alguma maneira, suas composições. É questão de como cada um interpreta esse tipo de avaliação. Uns, ficam melindrados. Outros, não dão a mínima. E outros, ainda, até assumem essa condição e a revertem a seu favor.
Esta última postura é a assumida por Eudoro Augusto Macieira de Souza, classificado por J. R. de Almeida Pinto, em seu livro “Poesia de Brasília – duas tendências”, como um dos quatro protótipos de “poetas marginais” da cidade (os outros três são Luiz Turiba, Francisco Alvim e Nicolas Behr). Em texto anterior, eu me equivoquei e afirmei que Cassiano Nunes havia sido classificado como tal. Não foi. Foi relacionado, isto sim, entre os poetas “cultos”, que de fato é.
Eudoro é português de nascimento (nasceu em Lisboa, em 1943, mas dez anos depois, em 1953, emigrou, com os pais, para o Brasil, indo morar em São Paulo), mas brasiliense de coração, embora resida na Capital Federal relativamente há pouco tempo (mudou-se, definitivamente, para lá em 1991). Além de poeta, é jornalista, radialista e professor. Estudou letras, a partir de 1963, na Universidade de Brasília, onde também fez mestrado de Literatura Brasileira. Em 1971, mudou-se para o Rio de Janeiro. Na Cidade Maravilhosa, juntou-se aos poetas marginais, que se consideravam “pós-modernistas” e “pós-vanguarda”, o que influenciou decisivamente a sua maneira não só de fazer poesia, mas de encarar o mundo.
Eudoro tem uma produção literária considerável. Publicou dez livros (vários deles no Rio de Janeiro), entre os quais “O desejo e o deserto” (1989), “Olhos de bandido” (2001), “Um estrago no paraíso” (2008) e “A natureza humana” (2009). Ele próprio define sua poética da seguinte maneira: “Meu conceito de arte, em particular, envolve a ironia, a brincadeira. Gosto muito de confundir o leitor, a ponto de ele não saber quando estou falando sério”. Também sou um pouco assim, quer em prosa, quer em poesia.
O Correio Braziliense, em texto que não foi assinado pelo repórter, escreveu a seu respeito: “Eudoro também escreve poemas românticos, cortantes, carregados de densidade e observações sobre desespero, saudade e separação. O amor é descrito como algo febril, nas vezes em que a pessoa amada está perto. E como algo delirante, quando as recordações são a única coisa que restou de um relacionamento alegre e prazeroso”.
Eudoro Augusto é, também, radialista, produtor de quatro programas da Rádio Câmara de Brasília: “Samba da minha terra”, “Faixa contemporânea” (de rock independente), “esquina do jazz” e “Trilha da meia-noite” (com músicas variadas).
Sobre seu “encontro” com a poesia, afirma que aconteceu da seguinte forma: “Fui um grande leitor na minha adolescência, me interessava muito pelos textos clássicos. E depois, passei a ler, também, muito, os poetas modernos de língua inglesa, Williams Carlos Williams, Ezra Pound... Gostava também da poesia de Archibald McLeish; ele era diretor da Biblioteca do Congresso de Washington, mas fazia uma poesia muito visceral. Em seguida, vieram os brasileiros modernos. Manuel Bandeira é o meu preferido, mas gosto também do Drummond e do Murilo Mendes. No começo, o meu pai sempre achava que a minha poesia tinha algo de Fernando Pessoa”.
Sobre a cidade que amanhã aniversaria, Eudoro diz: “Acho que Brasília é um projeto de uma cidade feliz e que tinha a obrigação de ser mais feliz. Tem uma qualidade de vida que não existe mais no Rio de Janeiro. Agora, não gosto do peso do poder: entro em uma casamata lá no Congresso Nacional para produzir os meus programas na Rádio Câmara, e faço questão de não participar de nenhuma articulação, de nenhuma relação com o poder”.
Eu não poderia encerrar estas considerações sem dar uma “palhinha” da poesia de Eudoro Augusto. Para isso, escolhi três poemas que, no meu entender, refletem seu estilo e se constituem em sua marca registrada. O primeiro, intitula-se “Histórico” e diz: “bêbado e rouco/em carro aberto//meu coração desfila aos berros/desde outros carnavais”.
O segundo poema é este “Ana C”: “Outra vez nos braços do amor perdido./Sempre o declive. Sempre a vertigem./Às vezes o abismo./Posso inflar/as velas de outra imagem/e assim navegar teus canais azulados,/minha lúcida amiga./No céu-da-boca desta manhã/fica apenas um risco:/relâmpago longo como o olhar./Luz. Outra luz. Louca luz./O mesmo anjo que beija tua orelha fina/invade o cinema como um vento fictício/e rabisca cicatrizes bem legíveis/no coração deserto do meio-dia”.
Finalmente, trago à sua apreciação este poema intitulado “A fugitiva”: “O barco aguarda/em algum porto da enseada./As antenas saltam dos telhados/como lanças ao sol./Ela amanhece. Ela tarda./Escondida entre os arbustos/e os anões-de-jardim./Fugida./A caminho do porto ela transtorna/desnorteia o velho marinheiro./Dizem que foge de um amante gelado/e fala sem parar nas ilhas do sul”.
Ser poeta “marginal”, com esta força poética, não é nenhum desdouro, concordam?. Há certos momentos em que, para colher estrelas, temos que esvaziar as mãos e nos livrar de regras, normas, peias, métricas, ritmos e rimas. O que conta é a emoção face à beleza, que, convenhamos, não falta em momento algum a Eudoro Augusto.
Wednesday, April 28, 2010
Gosto do que faço e não troco essa satisfação tão simples por nenhuma outra das tantas que as pessoas procuram. Pouco importam minhas privações materiais se preencho minha vida de beleza. Nenhum sofrimento me abala se me alimento de poesia. Enquanto a maioria dos escritores tem como matéria-prima os becos escuros da alma, os sentimentos trágicos, os acontecimentos tétricos, os instintos selvagens ou os atos primitivos, prefiro concentrar-me no lado belo da existência. Gosto de tratar de emoções simples. A beleza está na simplicidade. Dizem que a felicidade é sem graça e não se presta à literatura. Puro engano. A morte, embora me atemorize, é que não me fascina. A violência, em todas as suas formas e manifestações, me causa repugnância. Amo a beleza, a solidariedade, a delicadeza.
Vida e obra exemplares
Pedro J. Bondaczuk
O poeta Cassiano Nunes Botica, falecido em outubro de 2007, aos 86 anos de idade, foi um dos mais dinâmicos e eruditos pioneiros da poesia no Distrito Federal. Nasceu, na verdade, em Santos/SP, filho de imigrantes portugueses, em 27 de abril de 1921. Caso estivesse vivo, portanto, completaria 89 anos apenas seis dias depois do cinqüentenário de Brasília, cidade que tanto amou e honrou sobremaneira.
Além de respeitado poeta (foi amigo pessoal de Carlos Drummond de Andrade e de Mário Quintana, que admiravam bastante seus poemas), dominava todos os gêneros literários, sendo tão bom em prosa quanto em verso, além de ser meticuloso e atento crítico e carismático conferencista. Nosso personagem, portanto, tem vida e obra exemplares.
Há quem confunda esta série de textos, sobre a inserção de Brasília na Literatura, afirmando que o que escrevo é sumamente “laudatório”, como se fosse exigido de todos os que escrevem sobre literatura que sejam pedantemente ácidos, dispostos a demolir reputações, só apontando supostas “falhas” e contradições de colegas de letras. Minha intenção, todavia, não é e nunca foi escrever ensaios críticos, mas a de limitar-me a comentar textos e escritores de que gosto.
Por que tantos elogios? Exatamente porque trato, tão somente, de quem aprecio. E que raios de apreciação seria esta se eu deitasse falação e saísse dizendo cobras e lagartos por aí daqueles que me agradam?! Seria, no mínimo, incoerente, se não meramente nihilista, de um nihilismo estúpido e infantil. Há gente que é assim. Nunca fez nada que prestasse, mas é ágil (agílima) em criticar e tentar destruir os que fazem. Deus que me livre da companhia desses tipos!
Cassiano Nunes foi professor de Literatura Brasileira (entre tantas outras atividades, todas vinculadas, de uma forma ou de outra, às letras). Tinha, todavia, mente aberta. Sua visão de cultura era ampla, universal. Tanto que se especializou em Literatura Norte-americana, havendo estudado (como bolsista) em universidades como a de Ohio, Oxford e de Miami, todas nos Estados Unidos. Fez o mesmo com as letras germânicas. Estudou na tradicionalíssima Universidade de Heidelberg, na Alemanha, onde também lecionou Literatura Brasileira.
Como se vê, não tratamos aqui de nenhum escritor neófito, mero curioso, pára-quedista das letras, que eventualmente tivesse se aventurado numa seara desconhecida. Longe disso. Cassiano Nunes, além de tudo o que citei acima, foi, ainda, “professor visitante” em nada menos do que na New York University. É pouco? Claro que não. Mas não é só isso. Foi contratado pela Universidade de Brasília, onde se tornou um dos mestres mais populares e admirados por alunos e colegas de magistério. Convenhamos, é preciso que alguém tenha méritos, estofo e conteúdo para alcançar tudo isso.
Antes de mudar-se para o Planalto Central, Cassiano “colecionou” outros tantos feitos. Foi, por exemplo, incansável batalhador por uma causa (à qual, também, dedico esforços, nos limites da minha capacidade) que é a do estímulo à leitura no País, quando nossas taxas de analfabetismo ainda eram absurdamente altas, passando dos 60%. Defendia o barateamento do livro, para que o maior número de pessoas possível tivesse acesso a ele. E isso sabem quando? Em 1947, ocasião em que era secretário-executivo da Câmara Brasileira do Livro, pouco antes de seguir para os Estados Unidos. Ao regressar desse país, trabalhou na Editora Saraiva, com Mário da Silva Brito, contribuindo para um importante salto de qualidade dessa empresa.
Já em Brasília, Cassiano Nunes teve intensa participação na vida cultural da cidade, compondo poesias, lecionando literatura e fazendo concorridas conferências. Ocasionalmente, porém, sempre arranjava tempo para ministrar cursos de letras, quer no Exterior – na Universidade de Colônia, na Alemanha e no Equador, por exemplo – quer no Brasil – na Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiabá.
Nos últimos anos, já aposentado como professor (aposentou-se na UnB aos 70 anos de idade), dedicou-se à pesquisa da correspondência de Monteiro Lobato. Procurou ajuda em várias instituições culturais do País, em vão. Nem assim, desistiu. Levou a tarefa a cabo, às próprias expensas. E, convenhamos, o magistério não enriquece ninguém.
Publicou vários ensaios sobre as cartas enviadas e recebidas por Monteiro Lobato e estes foram tão meticulosos e detalhados, que mereceram rasgados elogios de intelectuais brasileiros e estrangeiros (inclusive da Enciclopédia Britânica). Tanto que há por aí inúmeros livros, no Brasil e fora dele, sobre a vida e a obra de Cassiano Nunes.
O curioso é que ele começou a escrever poesias tarde, pouco depois dos 40 anos. Por que? Ninguém (muito menos ele) soube explicar. Mas conseguiu ser um poeta tão bom, que diversos dos seus poemas e livros já foram traduzidos (e continuam sendo) para vários idiomas, com destaque para o inglês.
Por todo este retrospecto literário e cultural – do qual dei, somente, pálidas pinceladas, pois mereceria todo um livro e dos mais volumosos – esse poeta com “P” maiúsculo não poderia ser esquecido em nenhum estudo histórico sobre a trajetória da Literatura no Distrito Federal. E, de fato, não foi.
J. R. de Almeida Pinto destaca-o, em sua “Poesia de Brasília – duas tendências”, entre os oito nomes mais representativos da nobre arte de poetar da cidade. O que eu não esperava, é que fosse classificado entre os quatro poetas que, no seu entender, simbolizam a “poesia de rua”, ou seja, a dos que não se preocupam com regras, definidos pelo autor como “marginais” (reitero, sem nenhuma conotação pejorativa).
Claro que isso não diminui em nada nem a importância de Cassiano Nunes e nem a qualidade da sua poesia. É mero critério de avaliação de J. R. de Almeida Pinto. Eu, contudo, não classificaria esse emérito mestre das letras dessa forma, diante da vasta amostragem que tenho diante de mim da sua preciosa produção. Acho-o culto, cultíssimo e, sobretudo, criativo e original.
Exemplo? Que tal este “Assassinato do menino”?: “Para que o homem se sobreleve,/é preciso matar o menino.//Sinistro capricho/da mãe natureza:/nunca foram vistos/xifópagos iguais;/um homem/preso por uma membrana/a um menino.//Contemplo o seu rosto no espelho,/homem gasto e grisalho./Apenas o pasmo dos meus olhos/denuncia a existência do menino.//É inútil ter pena!/Não há alternativa./Para que o homem sobreviva/e, resoluto, possa/dar nobre forma ao seu destino:/é preciso matar o menino”.
Como?! Você ainda não se convenceu?! Que tal mais esta amostra da poesia madura e sutil de Cassiano, neste poema “Alta noite”?: “Alta noite, leio Marianne Moore./Passos no lajedo./Olho através da grade./De fora,/os dois gorjeiam cumprimentos/com a cordialidade aflita/do vício carecido./Tão acessíveis suas carnes claras,/tão disponível/o frescor da juventude!/Partem desajeitados/com a recusa amável./De novo a solidão./Há luz demais!/Procuro agora/versos pássaros./Busco, também carente,/remota, salvadora canção”.
E o que dizer deste poema “Sacrário”?: “Poesia:/aprendizado perene/ou perito/artesanato?//Ofício, é o que é:/modesto,/proletário.//Parvos/os que se proclamam/ricos,/vencedores.//Não há vitória/nesta parda rotina,/não obstante/o invisível resplendor.//Conserva, pois, humilde/em eucarístico silêncio,/encerrado no peito,/o deus”.
Informo, ainda, que Cassiano Nunes é tão importante para a literatura brasiliense e, por que não?, brasileira, que a casa em que em que morava está sendo transformada em um museu. É o mínimo que Brasília poderia fazer por quem tanto a amou , e a dignificou, através da magia do seu incontestável talento.
Pedro J. Bondaczuk
O poeta Cassiano Nunes Botica, falecido em outubro de 2007, aos 86 anos de idade, foi um dos mais dinâmicos e eruditos pioneiros da poesia no Distrito Federal. Nasceu, na verdade, em Santos/SP, filho de imigrantes portugueses, em 27 de abril de 1921. Caso estivesse vivo, portanto, completaria 89 anos apenas seis dias depois do cinqüentenário de Brasília, cidade que tanto amou e honrou sobremaneira.
Além de respeitado poeta (foi amigo pessoal de Carlos Drummond de Andrade e de Mário Quintana, que admiravam bastante seus poemas), dominava todos os gêneros literários, sendo tão bom em prosa quanto em verso, além de ser meticuloso e atento crítico e carismático conferencista. Nosso personagem, portanto, tem vida e obra exemplares.
Há quem confunda esta série de textos, sobre a inserção de Brasília na Literatura, afirmando que o que escrevo é sumamente “laudatório”, como se fosse exigido de todos os que escrevem sobre literatura que sejam pedantemente ácidos, dispostos a demolir reputações, só apontando supostas “falhas” e contradições de colegas de letras. Minha intenção, todavia, não é e nunca foi escrever ensaios críticos, mas a de limitar-me a comentar textos e escritores de que gosto.
Por que tantos elogios? Exatamente porque trato, tão somente, de quem aprecio. E que raios de apreciação seria esta se eu deitasse falação e saísse dizendo cobras e lagartos por aí daqueles que me agradam?! Seria, no mínimo, incoerente, se não meramente nihilista, de um nihilismo estúpido e infantil. Há gente que é assim. Nunca fez nada que prestasse, mas é ágil (agílima) em criticar e tentar destruir os que fazem. Deus que me livre da companhia desses tipos!
Cassiano Nunes foi professor de Literatura Brasileira (entre tantas outras atividades, todas vinculadas, de uma forma ou de outra, às letras). Tinha, todavia, mente aberta. Sua visão de cultura era ampla, universal. Tanto que se especializou em Literatura Norte-americana, havendo estudado (como bolsista) em universidades como a de Ohio, Oxford e de Miami, todas nos Estados Unidos. Fez o mesmo com as letras germânicas. Estudou na tradicionalíssima Universidade de Heidelberg, na Alemanha, onde também lecionou Literatura Brasileira.
Como se vê, não tratamos aqui de nenhum escritor neófito, mero curioso, pára-quedista das letras, que eventualmente tivesse se aventurado numa seara desconhecida. Longe disso. Cassiano Nunes, além de tudo o que citei acima, foi, ainda, “professor visitante” em nada menos do que na New York University. É pouco? Claro que não. Mas não é só isso. Foi contratado pela Universidade de Brasília, onde se tornou um dos mestres mais populares e admirados por alunos e colegas de magistério. Convenhamos, é preciso que alguém tenha méritos, estofo e conteúdo para alcançar tudo isso.
Antes de mudar-se para o Planalto Central, Cassiano “colecionou” outros tantos feitos. Foi, por exemplo, incansável batalhador por uma causa (à qual, também, dedico esforços, nos limites da minha capacidade) que é a do estímulo à leitura no País, quando nossas taxas de analfabetismo ainda eram absurdamente altas, passando dos 60%. Defendia o barateamento do livro, para que o maior número de pessoas possível tivesse acesso a ele. E isso sabem quando? Em 1947, ocasião em que era secretário-executivo da Câmara Brasileira do Livro, pouco antes de seguir para os Estados Unidos. Ao regressar desse país, trabalhou na Editora Saraiva, com Mário da Silva Brito, contribuindo para um importante salto de qualidade dessa empresa.
Já em Brasília, Cassiano Nunes teve intensa participação na vida cultural da cidade, compondo poesias, lecionando literatura e fazendo concorridas conferências. Ocasionalmente, porém, sempre arranjava tempo para ministrar cursos de letras, quer no Exterior – na Universidade de Colônia, na Alemanha e no Equador, por exemplo – quer no Brasil – na Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiabá.
Nos últimos anos, já aposentado como professor (aposentou-se na UnB aos 70 anos de idade), dedicou-se à pesquisa da correspondência de Monteiro Lobato. Procurou ajuda em várias instituições culturais do País, em vão. Nem assim, desistiu. Levou a tarefa a cabo, às próprias expensas. E, convenhamos, o magistério não enriquece ninguém.
Publicou vários ensaios sobre as cartas enviadas e recebidas por Monteiro Lobato e estes foram tão meticulosos e detalhados, que mereceram rasgados elogios de intelectuais brasileiros e estrangeiros (inclusive da Enciclopédia Britânica). Tanto que há por aí inúmeros livros, no Brasil e fora dele, sobre a vida e a obra de Cassiano Nunes.
O curioso é que ele começou a escrever poesias tarde, pouco depois dos 40 anos. Por que? Ninguém (muito menos ele) soube explicar. Mas conseguiu ser um poeta tão bom, que diversos dos seus poemas e livros já foram traduzidos (e continuam sendo) para vários idiomas, com destaque para o inglês.
Por todo este retrospecto literário e cultural – do qual dei, somente, pálidas pinceladas, pois mereceria todo um livro e dos mais volumosos – esse poeta com “P” maiúsculo não poderia ser esquecido em nenhum estudo histórico sobre a trajetória da Literatura no Distrito Federal. E, de fato, não foi.
J. R. de Almeida Pinto destaca-o, em sua “Poesia de Brasília – duas tendências”, entre os oito nomes mais representativos da nobre arte de poetar da cidade. O que eu não esperava, é que fosse classificado entre os quatro poetas que, no seu entender, simbolizam a “poesia de rua”, ou seja, a dos que não se preocupam com regras, definidos pelo autor como “marginais” (reitero, sem nenhuma conotação pejorativa).
Claro que isso não diminui em nada nem a importância de Cassiano Nunes e nem a qualidade da sua poesia. É mero critério de avaliação de J. R. de Almeida Pinto. Eu, contudo, não classificaria esse emérito mestre das letras dessa forma, diante da vasta amostragem que tenho diante de mim da sua preciosa produção. Acho-o culto, cultíssimo e, sobretudo, criativo e original.
Exemplo? Que tal este “Assassinato do menino”?: “Para que o homem se sobreleve,/é preciso matar o menino.//Sinistro capricho/da mãe natureza:/nunca foram vistos/xifópagos iguais;/um homem/preso por uma membrana/a um menino.//Contemplo o seu rosto no espelho,/homem gasto e grisalho./Apenas o pasmo dos meus olhos/denuncia a existência do menino.//É inútil ter pena!/Não há alternativa./Para que o homem sobreviva/e, resoluto, possa/dar nobre forma ao seu destino:/é preciso matar o menino”.
Como?! Você ainda não se convenceu?! Que tal mais esta amostra da poesia madura e sutil de Cassiano, neste poema “Alta noite”?: “Alta noite, leio Marianne Moore./Passos no lajedo./Olho através da grade./De fora,/os dois gorjeiam cumprimentos/com a cordialidade aflita/do vício carecido./Tão acessíveis suas carnes claras,/tão disponível/o frescor da juventude!/Partem desajeitados/com a recusa amável./De novo a solidão./Há luz demais!/Procuro agora/versos pássaros./Busco, também carente,/remota, salvadora canção”.
E o que dizer deste poema “Sacrário”?: “Poesia:/aprendizado perene/ou perito/artesanato?//Ofício, é o que é:/modesto,/proletário.//Parvos/os que se proclamam/ricos,/vencedores.//Não há vitória/nesta parda rotina,/não obstante/o invisível resplendor.//Conserva, pois, humilde/em eucarístico silêncio,/encerrado no peito,/o deus”.
Informo, ainda, que Cassiano Nunes é tão importante para a literatura brasiliense e, por que não?, brasileira, que a casa em que em que morava está sendo transformada em um museu. É o mínimo que Brasília poderia fazer por quem tanto a amou , e a dignificou, através da magia do seu incontestável talento.
Tuesday, April 27, 2010
O êxtase, esta suprema alegria, não advém, como supõem alguns pseudomísticos (na verdade masoquistas), através da mortificação, do sacrifício, das privações ou da angústia. Não é encontrado no mundo trágico das drogas, com seus pesadelos lúgubres, embora exista um produto com este nome que promete irresponsavelmente conduzir seus insensatos usuários ao "paraíso". Dinheiro algum é suficiente para comprar essa enorme felicidade. O êxtase é a culminância de pequenas satisfações, quase nunca valorizadas, que temos no dia-a-dia e que se somam até se transformar em algo grandioso e inesquecível. É, sobretudo, o encontro pessoal com Deus, mediante meditação e prece, feita com fé e com devoção. Que nestes dias em que lembramos o evento que se constitui na base de toda a nossa crença, a redenção humana mediante o sacrifício de Jesus Cristo na cruz, possamos atingir o verdadeiro êxtase, ou seja, o transcendental encontro com nosso Criador.
Poeta prolífico e preciso
Pedro J. Bondaczuk
Anderson Braga Horta, um dos quatro citados por J. R. de Almeida Pinto, em seu livro “Poesia de Brasília – duas tendências”, como protótipo de poeta “culto” (no sentido lato do termo), como a maioria dos escritores do Distrito Federal, também não é brasiliense de nascimento.
Todavia, reside na cidade desde 1960, ou seja, desde a sua inauguração. Ali, agora aos 75 anos de idade, sempre se mostrou atuante, produtivo, incansável e, diria, genial. É natural de Carangola, Minas Gerais, onde nasceu em 17 de novembro de 1934. É formado em Direito pela Universidade do Brasil, do Rio de Janeiro.
Anderson Braga tem currículo invejável, não somente como escritor (sobretudo como refinadíssimo poeta), mas, também, profissional. Cursou Letras Brasileiras na Universidade de Brasília. Foi diretor Legislativo da Câmara dos Deputados, função em que se aposentou. É professor de Português, portanto cultor e guardião do idioma, e co-fundador da Associação Nacional dos Escritores, da qual foi secretário-geral. É acadêmico, dos mais ativos, da Academia Brasiliense de Letras e da Academia de Letras do Brasil.
Ganhou praticamente todos os prêmios literários nacionais que o leitor possa imaginar. Sua obra publicada é imensa, chegando a quase uma centena de livros. Posso citar, meio que de passagem, apenas a título de exemplo, “A aventura espiritual de Álvares de Azevedo”, “Antologia Pessoal Anderson Braga Horta”, “Cadernos de Literatura – Erotismo e poesia”, “Pulso instantâneo”, “Sob o signo da poesia”, “Soneto antigo” e vai por aí afora.
Seu nome é de citação obrigatória em todas as histórias sobre literatura em Brasília, da qual foi um dos principais precursores. Esta minha série de textos para homenagear os cinqüenta anos de inauguração da nossa futurística capital, portanto, ficaria incompleta e capenga se nem ao menos fizesse menção a Anderson Braga Horta. Certamente, nem por distração, eu cometeria esse pecado (mortal).
Mas esse notável escritor teve a quem puxar. Afinal é filho do casal de poetas Anderson de Araújo Horta e Maria Braga Horta. Embora conhecendo pouco da obra de seus pais, ouso afirmar que os superou, em quantidade e em qualidade de produção. Ele confessa, a propósito da sua principal influência: “Criado num ambiente de respeito à cultura e amor aos livros, posso dizer que recebi em casa mesmo os primeiros estímulos literários”.
Sobre a sua arte, escreveu, em maio de 1999: “Penso que o poeta não pode deixar de se assenhorear das técnicas do verso, embora técnica, obviamente, não seja tudo. Que ao escritor compete extrair do potencial de sua língua toda a cintilação que possa, dignificando-a sempre. Que escrever é atividade intelectual, sim, mas não se esgota no âmbito do intelecto; que o poeta há de comover-se e comover, sim, mas não se há de entregar, ingenuamente, à emoção desassistida da inteligência, porque a emoção, por si só, não é ainda arte, não é ainda poesia. Que a esse amálgama de pensamento, emoção, sentimento que é o poema não se deve tolher o voltar-se para a sorte do homem no espaço e no tempo, seja do ponto de vista filosófico, seja do social, pois à poesia, arte da palavra, interessa, necessariamente, tudo o que de humano se possa representar nela. E que portanto, a arte do poeta há de ser mais complexa, mais completa, mais abraqngente e mais profunda do que tendem a fazê-la os jogos – algumas vezes brilhantes – a que pretendem reduzi-la correntes revolucionárias”.
E vejam como Anderson Braga Horta é coerente. Coloca em sua poesia tudo o que defende com tanto brilho e paixão. Exemplo? Este poema “Oração”: “A Casa de meu Pai tem muitas moradas./O universo é meu lar./Não conheço fronteiras.//Pequeno verme num pomar de estrelas,/deu-me o pai infinitas vidas/para em todas ardê-las.//No seio do meu Pai estou, mesmo na queda./Sem desespero encaro/minha pobre verdade.//E sei, por este mesmo anseio do alto,/que – além da eternidade – me espera a eternidade”.
Lindo poema! É um banquete de bom-gosto à inteligência e à sensibilidade. Como também o é este “Música”: “Sombra de Deus, modulações do Nada,/que os anjos colhem do chão, com reverência./O pó que fecundaste infiltra-se nas fendas/do Cosmo, pólen de ouro/em asas de invisíveis borboletas.//Louvamos-te, Senhor; o rastro de tua sombra/desce e ilumina as nossas trevas”.
Lendo os poemas de Anderson Braga Horta, prolífico e preciso poeta, com precisão cirúrgica na construção de metáforas e no emprego das palavras, entende-se porque é tido e havido como um dos precursores (se não o principal) da poesia em Brasília. Oportunamente, escreverei mais a seu respeito.
Pedro J. Bondaczuk
Anderson Braga Horta, um dos quatro citados por J. R. de Almeida Pinto, em seu livro “Poesia de Brasília – duas tendências”, como protótipo de poeta “culto” (no sentido lato do termo), como a maioria dos escritores do Distrito Federal, também não é brasiliense de nascimento.
Todavia, reside na cidade desde 1960, ou seja, desde a sua inauguração. Ali, agora aos 75 anos de idade, sempre se mostrou atuante, produtivo, incansável e, diria, genial. É natural de Carangola, Minas Gerais, onde nasceu em 17 de novembro de 1934. É formado em Direito pela Universidade do Brasil, do Rio de Janeiro.
Anderson Braga tem currículo invejável, não somente como escritor (sobretudo como refinadíssimo poeta), mas, também, profissional. Cursou Letras Brasileiras na Universidade de Brasília. Foi diretor Legislativo da Câmara dos Deputados, função em que se aposentou. É professor de Português, portanto cultor e guardião do idioma, e co-fundador da Associação Nacional dos Escritores, da qual foi secretário-geral. É acadêmico, dos mais ativos, da Academia Brasiliense de Letras e da Academia de Letras do Brasil.
Ganhou praticamente todos os prêmios literários nacionais que o leitor possa imaginar. Sua obra publicada é imensa, chegando a quase uma centena de livros. Posso citar, meio que de passagem, apenas a título de exemplo, “A aventura espiritual de Álvares de Azevedo”, “Antologia Pessoal Anderson Braga Horta”, “Cadernos de Literatura – Erotismo e poesia”, “Pulso instantâneo”, “Sob o signo da poesia”, “Soneto antigo” e vai por aí afora.
Seu nome é de citação obrigatória em todas as histórias sobre literatura em Brasília, da qual foi um dos principais precursores. Esta minha série de textos para homenagear os cinqüenta anos de inauguração da nossa futurística capital, portanto, ficaria incompleta e capenga se nem ao menos fizesse menção a Anderson Braga Horta. Certamente, nem por distração, eu cometeria esse pecado (mortal).
Mas esse notável escritor teve a quem puxar. Afinal é filho do casal de poetas Anderson de Araújo Horta e Maria Braga Horta. Embora conhecendo pouco da obra de seus pais, ouso afirmar que os superou, em quantidade e em qualidade de produção. Ele confessa, a propósito da sua principal influência: “Criado num ambiente de respeito à cultura e amor aos livros, posso dizer que recebi em casa mesmo os primeiros estímulos literários”.
Sobre a sua arte, escreveu, em maio de 1999: “Penso que o poeta não pode deixar de se assenhorear das técnicas do verso, embora técnica, obviamente, não seja tudo. Que ao escritor compete extrair do potencial de sua língua toda a cintilação que possa, dignificando-a sempre. Que escrever é atividade intelectual, sim, mas não se esgota no âmbito do intelecto; que o poeta há de comover-se e comover, sim, mas não se há de entregar, ingenuamente, à emoção desassistida da inteligência, porque a emoção, por si só, não é ainda arte, não é ainda poesia. Que a esse amálgama de pensamento, emoção, sentimento que é o poema não se deve tolher o voltar-se para a sorte do homem no espaço e no tempo, seja do ponto de vista filosófico, seja do social, pois à poesia, arte da palavra, interessa, necessariamente, tudo o que de humano se possa representar nela. E que portanto, a arte do poeta há de ser mais complexa, mais completa, mais abraqngente e mais profunda do que tendem a fazê-la os jogos – algumas vezes brilhantes – a que pretendem reduzi-la correntes revolucionárias”.
E vejam como Anderson Braga Horta é coerente. Coloca em sua poesia tudo o que defende com tanto brilho e paixão. Exemplo? Este poema “Oração”: “A Casa de meu Pai tem muitas moradas./O universo é meu lar./Não conheço fronteiras.//Pequeno verme num pomar de estrelas,/deu-me o pai infinitas vidas/para em todas ardê-las.//No seio do meu Pai estou, mesmo na queda./Sem desespero encaro/minha pobre verdade.//E sei, por este mesmo anseio do alto,/que – além da eternidade – me espera a eternidade”.
Lindo poema! É um banquete de bom-gosto à inteligência e à sensibilidade. Como também o é este “Música”: “Sombra de Deus, modulações do Nada,/que os anjos colhem do chão, com reverência./O pó que fecundaste infiltra-se nas fendas/do Cosmo, pólen de ouro/em asas de invisíveis borboletas.//Louvamos-te, Senhor; o rastro de tua sombra/desce e ilumina as nossas trevas”.
Lendo os poemas de Anderson Braga Horta, prolífico e preciso poeta, com precisão cirúrgica na construção de metáforas e no emprego das palavras, entende-se porque é tido e havido como um dos precursores (se não o principal) da poesia em Brasília. Oportunamente, escreverei mais a seu respeito.
Monday, April 26, 2010
"A experiência (uma longa série de sensações) nos ensinou que um momento de êxtase vale por um ano de raciocínio". A afirmação é do filósofo norte-americano Will Durant, que a fez com a objetividade do pensador e não com o descomprometimento do poeta. Trata-se de evento raro na vida da maioria, que só ocorre com os que se predispõem a essa felicidade absoluta e irrestrita que alguns até duvidam que exista. Outros confundem-na com o orgasmo, durante uma relação sexual. Trata-se de sensação ligeiramente parecida, mas muito mais profunda, intensa e inesquecível. Todavia, para atingi-la, requer-se uma postura positiva face ao mundo.
A poesia “rouca” das ruas
Pedro J. Bondaczuk
Os políticos, notadamente os populistas, quando querem justificar determinado projeto de lei e encontram oposição, principalmente da direita, dizem que seus adversários deveriam “ouvir a voz rouca das ruas”, ou seja, os clamores populares, para adotarem as medidas requeridas pela maioria imensa da população, aquela faixa mais pobre dela que raramente é ouvida. O mesmo se pode dizer em relação à poesia.
Sempre que se exagera no academicismo – a ponto de tornar textos supostamente poéticos em obscuras criptografias, como aquelas mensagens cifradas dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, sem significado lógico e inteligível a não ser para meia dúzia de “iniciados”, que por mais que se tente decifrar, não se consegue – pensa-se, de imediato, no cidadão comum, naquele sem grande (ou até sem nenhuma) instrução, mas que tem visão de vida notável e talento inato de poetar.
Para estes eu digo que deveriam ouvir a “poesia rouca das ruas”, aquela espontânea, lógica, com metáforas criativas e emoção borbulhando. Muitos críticos e acadêmicos torcem o nariz para esse tipo de literatura e sequer o levam em consideração na redação da história literária de uma cidade, um Estado ou mesmo do País. Deveriam levar.
O escritor J. R. Almeida Pinto, em seu livro “Poesia de Brasília – duas tendências”, levou isso em conta. E classificou os poetas de rua de “marginais” (sendo que a marginalidade, neste caso, óbvio, não foi tomada em sentido pejorativo, mas no de caracterização dos que “poetam”, à margem do status vigente). Para fundamentar sua análise, escolheu quatro autores de cada tendência, analisando seus respectivos poemas.
Entre os que fazem poesia que ele classificou de “culta” – ou seja, os que primam pela linguagem erudita, temática universal, detêm elevado status face à cultura local e têm concepção positiva sobre o significado da poesia em nossa vida e importância dos poetas para a literatura – selecionou: Anderson Braga Horta, Domingos Carvalho da Silva, Marly de Oliveira e Cassiano Nunes. Entre os que classificou de “marginais”, destacou Nicolas Behr, Francisco Alvim, Eudoro Augusto e Luís Turiba. E é sobre este último que me proponho, hoje, a tecer algumas considerações.
Preliminarmente informo que, como boa parte dos escritores de Brasília (e a maioria da sua população), nosso personagem não é brasiliense de nascimento, mas de adoção, e, portanto, de coração. É pernambucano, posto que criado no Rio de Janeiro, onde se destacou na imprensa. Mudou-se, de “mala e cuia”, para a Capital Federal em 1979. Foi a trabalho. Gostou, porém (diria que se apaixonou) da cidade e por lá ficou.
Luís Turiba é, antes de tudo, jornalista. Como tal, trabalhou, ainda no Rio de Janeiro, em “O Globo” e na revista “Manchete”. É, também, agente cultural, além de refinado sambista, havendo composto vários sambas, posto que não muito conhecidos do grande público.
Em Brasília, trabalhou na sucursal da “Gazeta Mercantil” e nos jornais locais “Jornal de Brasília” e “Correio Braziliense” (onde cobriu, entre tantos outros fatos relevantes da história recente do País a campanha “Diretas-Já” e a última eleição presidencial indireta, ou seja, a de Tancredo Neves.
Luís Turiba fundou, na Capital Federal, a revista de poesia experimental “Bric-a-Brac”. Quem quiser conhecê-lo melhor pode acessar o “Blog do Turiba” (http://blogdoturiba.blogspot.com). Ali encontrará, entre outras coisas, parte da sua intensa produção poética. Recomendo essa “visita”.
Quando lançou o seu “Livro na rua”, a Thesaurus Editora apresentou-o como “culturalmente fruto de um caldo político-existencial que vem se derramando pelo Planeta Terra”. Sua poesia tem coisas como o poema “Bico da torre”, que diz: “A sombra do bico da torre na terra/faz o ponteiro/que marca o preciso momento e o destino/da gente se amar.//São flocos de nuvens que pairam/no céu de Brasília/dão na vista textura arquitetura obra de artista.//São blocos caiados de branco/banhados de chuva e de luz/necessidade nessa cidade/de afeto é o que conduz//Me induzo a ficar a pensar/que sou o céu.//E o bico da torre é a antena/que marca o momento apenas”.
Gostaram? O livro de Turiba tem, também, poemas curtos, telegráficos, como este “Flagrante”: “Lágrima na floresta/testemunha sexo selvagem/entre a motosserra e a árvore”. Ou como este “Garota do parque”: Toda vez que estou/no parque/e você passa/no seu compasso/de graça/todo o parque/se disfarça/em farta passarela./Tudo pira/tudo paira/à tua espera/do pedalar/da sandália/ao coração/da donzela/sopra o verde/só pra o parque/sopra o tempo/sopra e late/só pra ela/toda vez que/você parte/... já era...”. Há, ainda, poemas como esta “Conexão amazônica”: “Sou selva una/querem-me toras.//Se viva, verde/se morta, dólares”.
Como se vê, a característica de Turiba é a irreverência e o humor. Brincando, diz coisas sérias, que muita gente tem preguiça ou medo de dizer. Diz, por exemplo, coisas como estas de “Na gira da girafa”: “Como são gostosas as girafas/olham as estrelas de frente/conversam nos olhos de Deus/penteiam em plenas nuvens/os cílios de Carmem Miranda/& aquelas antenas a ligá-las/aos desfiles das savanas/são gêmeas das senegalesas/na altura, na graça & beleza/as pernas mais altas da África/são retilíneas, falsas magras/as curvas cheias de carne/quadris de Naomi Campbell/o andar de Gisele Bündchen/são afro-pop as top models/sacodem as bundas a valer/tão nuas em seus pijamas/de listras lindas & leopardas.//ouvi dizer que elas dormem/dez minutos a cada hora/também pudera, natureza mátria/com aquele pescoço quilométrico/(que um dia ainda vou beijá-lo)/um cochilo (ah!!!) faz descansá-lo/assim sendo ofereço-lhes/um espaço de pouca mata/não tão afro como a África/mas confortável & afável/numa posição de vanguarda/aceitem pois minha pauta/um convite, um cheque-mate/venham cumpridas girafas/(e isso não as desagravam)/dormir em minhas gravatas/o sono de quem lida em altas/nada custa, é puro charme”.
Gosto de poesias assim!! Divirto-me com elas e ainda de quebra, elas me fazem refletir. Não importa que não sejam eruditas. Quando for preciso, às favas com a erudição! Marginal?! Uma ova!! É, sim, criativa, viva e original. É poesia com “P” maiúsculo”!!!
Pedro J. Bondaczuk
Os políticos, notadamente os populistas, quando querem justificar determinado projeto de lei e encontram oposição, principalmente da direita, dizem que seus adversários deveriam “ouvir a voz rouca das ruas”, ou seja, os clamores populares, para adotarem as medidas requeridas pela maioria imensa da população, aquela faixa mais pobre dela que raramente é ouvida. O mesmo se pode dizer em relação à poesia.
Sempre que se exagera no academicismo – a ponto de tornar textos supostamente poéticos em obscuras criptografias, como aquelas mensagens cifradas dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, sem significado lógico e inteligível a não ser para meia dúzia de “iniciados”, que por mais que se tente decifrar, não se consegue – pensa-se, de imediato, no cidadão comum, naquele sem grande (ou até sem nenhuma) instrução, mas que tem visão de vida notável e talento inato de poetar.
Para estes eu digo que deveriam ouvir a “poesia rouca das ruas”, aquela espontânea, lógica, com metáforas criativas e emoção borbulhando. Muitos críticos e acadêmicos torcem o nariz para esse tipo de literatura e sequer o levam em consideração na redação da história literária de uma cidade, um Estado ou mesmo do País. Deveriam levar.
O escritor J. R. Almeida Pinto, em seu livro “Poesia de Brasília – duas tendências”, levou isso em conta. E classificou os poetas de rua de “marginais” (sendo que a marginalidade, neste caso, óbvio, não foi tomada em sentido pejorativo, mas no de caracterização dos que “poetam”, à margem do status vigente). Para fundamentar sua análise, escolheu quatro autores de cada tendência, analisando seus respectivos poemas.
Entre os que fazem poesia que ele classificou de “culta” – ou seja, os que primam pela linguagem erudita, temática universal, detêm elevado status face à cultura local e têm concepção positiva sobre o significado da poesia em nossa vida e importância dos poetas para a literatura – selecionou: Anderson Braga Horta, Domingos Carvalho da Silva, Marly de Oliveira e Cassiano Nunes. Entre os que classificou de “marginais”, destacou Nicolas Behr, Francisco Alvim, Eudoro Augusto e Luís Turiba. E é sobre este último que me proponho, hoje, a tecer algumas considerações.
Preliminarmente informo que, como boa parte dos escritores de Brasília (e a maioria da sua população), nosso personagem não é brasiliense de nascimento, mas de adoção, e, portanto, de coração. É pernambucano, posto que criado no Rio de Janeiro, onde se destacou na imprensa. Mudou-se, de “mala e cuia”, para a Capital Federal em 1979. Foi a trabalho. Gostou, porém (diria que se apaixonou) da cidade e por lá ficou.
Luís Turiba é, antes de tudo, jornalista. Como tal, trabalhou, ainda no Rio de Janeiro, em “O Globo” e na revista “Manchete”. É, também, agente cultural, além de refinado sambista, havendo composto vários sambas, posto que não muito conhecidos do grande público.
Em Brasília, trabalhou na sucursal da “Gazeta Mercantil” e nos jornais locais “Jornal de Brasília” e “Correio Braziliense” (onde cobriu, entre tantos outros fatos relevantes da história recente do País a campanha “Diretas-Já” e a última eleição presidencial indireta, ou seja, a de Tancredo Neves.
Luís Turiba fundou, na Capital Federal, a revista de poesia experimental “Bric-a-Brac”. Quem quiser conhecê-lo melhor pode acessar o “Blog do Turiba” (http://blogdoturiba.blogspot.com). Ali encontrará, entre outras coisas, parte da sua intensa produção poética. Recomendo essa “visita”.
Quando lançou o seu “Livro na rua”, a Thesaurus Editora apresentou-o como “culturalmente fruto de um caldo político-existencial que vem se derramando pelo Planeta Terra”. Sua poesia tem coisas como o poema “Bico da torre”, que diz: “A sombra do bico da torre na terra/faz o ponteiro/que marca o preciso momento e o destino/da gente se amar.//São flocos de nuvens que pairam/no céu de Brasília/dão na vista textura arquitetura obra de artista.//São blocos caiados de branco/banhados de chuva e de luz/necessidade nessa cidade/de afeto é o que conduz//Me induzo a ficar a pensar/que sou o céu.//E o bico da torre é a antena/que marca o momento apenas”.
Gostaram? O livro de Turiba tem, também, poemas curtos, telegráficos, como este “Flagrante”: “Lágrima na floresta/testemunha sexo selvagem/entre a motosserra e a árvore”. Ou como este “Garota do parque”: Toda vez que estou/no parque/e você passa/no seu compasso/de graça/todo o parque/se disfarça/em farta passarela./Tudo pira/tudo paira/à tua espera/do pedalar/da sandália/ao coração/da donzela/sopra o verde/só pra o parque/sopra o tempo/sopra e late/só pra ela/toda vez que/você parte/... já era...”. Há, ainda, poemas como esta “Conexão amazônica”: “Sou selva una/querem-me toras.//Se viva, verde/se morta, dólares”.
Como se vê, a característica de Turiba é a irreverência e o humor. Brincando, diz coisas sérias, que muita gente tem preguiça ou medo de dizer. Diz, por exemplo, coisas como estas de “Na gira da girafa”: “Como são gostosas as girafas/olham as estrelas de frente/conversam nos olhos de Deus/penteiam em plenas nuvens/os cílios de Carmem Miranda/& aquelas antenas a ligá-las/aos desfiles das savanas/são gêmeas das senegalesas/na altura, na graça & beleza/as pernas mais altas da África/são retilíneas, falsas magras/as curvas cheias de carne/quadris de Naomi Campbell/o andar de Gisele Bündchen/são afro-pop as top models/sacodem as bundas a valer/tão nuas em seus pijamas/de listras lindas & leopardas.//ouvi dizer que elas dormem/dez minutos a cada hora/também pudera, natureza mátria/com aquele pescoço quilométrico/(que um dia ainda vou beijá-lo)/um cochilo (ah!!!) faz descansá-lo/assim sendo ofereço-lhes/um espaço de pouca mata/não tão afro como a África/mas confortável & afável/numa posição de vanguarda/aceitem pois minha pauta/um convite, um cheque-mate/venham cumpridas girafas/(e isso não as desagravam)/dormir em minhas gravatas/o sono de quem lida em altas/nada custa, é puro charme”.
Gosto de poesias assim!! Divirto-me com elas e ainda de quebra, elas me fazem refletir. Não importa que não sejam eruditas. Quando for preciso, às favas com a erudição! Marginal?! Uma ova!! É, sim, criativa, viva e original. É poesia com “P” maiúsculo”!!!
Sunday, April 25, 2010
Ítalo Calvino observou: "Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma série de estilos, e tudo pode ser constantemente embaralhado e reordenado em todos os modos concebíveis". Escrevo para transmitir às outras pessoas as experiências que tive, com a generosidade de alguém disposto a doar algo de pessoal e que lhe é bastante precioso, a indivíduos que não conheço (pessoalmente) e que provavelmente jamais irei conhecer. O que faço, diariamente, em meus diários, mensagens e especialmente nas crônicas que escrevo, é um "streaptease" emocional. Desnudo-me perante estranhos, apesar do pudor de me mostrar por inteiro, com minhas escassas virtudes e múltiplos defeitos. O que se esconde por trás desse processo? Vaidade? Ingenuidade? Despudoramento? Talvez um pouco de tudo isso e muito mais. É, sobretudo, espontânea manifestação de amor, de apreço e de amizade (mesmo que virtual) por você!
Agente do desenvolvimento
Pedro J. Bondaczuk
A Organização Internacional do Trabalho, em recente relatório divulgado em Genebra, concluiu que os “países do Terceiro Mundo deverão criar 38 milhões de novos empregos, anualmente, somente para ocupar as pessoas que chegam à idade ativa”.
No Brasil, estima-se, essa necessidade já é de 3 milhões a cada ano. Como fazer isso, se os capitais, no mundo inteiro, escasseiam e se as empresas apostam cada vez mais na automação e na produtividade, em detrimento da criação de novas vagas profissionais?
A resposta está num outro estudo, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Seus especialistas dizem que “para os países do Terceiro Mundo conseguirem um desenvolvimento duradouro, o caminho indicado é o de se concentrar nas pessoas”.
Ou seja, incrementar a formação profissional para fazer de cada indivíduo um instrumento de geração de riquezas. Essa estratégia prescinde de capitais. Depende, apenas, para ser bem-sucedida, da vontade e do preparo de seres humanos.
Em outras palavras, o PNUD aconselha que os vários governos apóiem e dêem facilidades a pequenas e médias empresas. Nelas é que está o futuro desses 38 milhões de cidadãos que terão dificuldades crescentes para a obtenção de empregos.
A entidade sugere, igualmente, com o mesmo objetivo, reformas agrárias conscientes, sérias, inteligentes, para que o trabalhador rural tenha seu próprio pedaço de chão para plantar e não dependa de ninguém para obter uma colocação.
Em suma, o que o mundo mais precisa agora, em especial as nações em desenvolvimento, é de recursos humanos. Um evento, que será realizado no Centro de Convivência Cultural, em Campinas, no dia 16 de agosto, às 19h30, vai enfocar, mediante a apresentação da peça “25 Anos Esta Noite”, do premiado autor Aziz Bajur, exatamente isso.
Pretende mostrar, sem dogmatismos e teorizações, a importância do homem como fator produtivo. A apresentação será aberta ao público e absolutamente gratuita. Vale a pena conferir. É o teatro voltando às suas raízes, de instrumento didático por excelência.
A proposta da peça, dirigida pelo próprio autor, produzida pela V. Teatro e encenada por Paulo Celestino, Carlos Capelety, Cleo Ventura e Paulo Hesse, é a de mostrar o novo papel atribuído ao profissional de recursos humanos, não somente nas empresas, mas na sociedade. Os grandes empreendimentos mundiais surgiram quase do nada. Tiveram suas raízes em pessoas empreendedoras, que possuíam talento, um sonho na cabeça, mas os bolsos vazios.
A oportuna apresentação está sendo organizada pelo Grupo de Recursos Humanos de Campinas e Região com o apoio da Associação Paulista de Recursos Humanos e das Secretarias de Cultura e Recursos Humanos da prefeitura.
O brasileiro tem talento como ninguém. O que precisa é saber utilizar esse potencial. Canalizá-lo em sentido prático e racional. O consultor norte-americano George Gilder afirmou, em certa ocasião: “Nos negócios, a experiência é um ingrato professor: primeiro faz o exame e só depois dá a lição”.
A proposta do GRHUS é a de inverter essa situação. Orientar as pessoas para que descubram e apliquem, em benefício próprio e no da coletividade, seu potencial de criação, de realização, tirando os sonhos de sucesso da cabeça para os tornar concretas realidades. Basta acreditar, querer e saber colocar em prática as lições.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 31 de julho de 1993)
Pedro J. Bondaczuk
A Organização Internacional do Trabalho, em recente relatório divulgado em Genebra, concluiu que os “países do Terceiro Mundo deverão criar 38 milhões de novos empregos, anualmente, somente para ocupar as pessoas que chegam à idade ativa”.
No Brasil, estima-se, essa necessidade já é de 3 milhões a cada ano. Como fazer isso, se os capitais, no mundo inteiro, escasseiam e se as empresas apostam cada vez mais na automação e na produtividade, em detrimento da criação de novas vagas profissionais?
A resposta está num outro estudo, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Seus especialistas dizem que “para os países do Terceiro Mundo conseguirem um desenvolvimento duradouro, o caminho indicado é o de se concentrar nas pessoas”.
Ou seja, incrementar a formação profissional para fazer de cada indivíduo um instrumento de geração de riquezas. Essa estratégia prescinde de capitais. Depende, apenas, para ser bem-sucedida, da vontade e do preparo de seres humanos.
Em outras palavras, o PNUD aconselha que os vários governos apóiem e dêem facilidades a pequenas e médias empresas. Nelas é que está o futuro desses 38 milhões de cidadãos que terão dificuldades crescentes para a obtenção de empregos.
A entidade sugere, igualmente, com o mesmo objetivo, reformas agrárias conscientes, sérias, inteligentes, para que o trabalhador rural tenha seu próprio pedaço de chão para plantar e não dependa de ninguém para obter uma colocação.
Em suma, o que o mundo mais precisa agora, em especial as nações em desenvolvimento, é de recursos humanos. Um evento, que será realizado no Centro de Convivência Cultural, em Campinas, no dia 16 de agosto, às 19h30, vai enfocar, mediante a apresentação da peça “25 Anos Esta Noite”, do premiado autor Aziz Bajur, exatamente isso.
Pretende mostrar, sem dogmatismos e teorizações, a importância do homem como fator produtivo. A apresentação será aberta ao público e absolutamente gratuita. Vale a pena conferir. É o teatro voltando às suas raízes, de instrumento didático por excelência.
A proposta da peça, dirigida pelo próprio autor, produzida pela V. Teatro e encenada por Paulo Celestino, Carlos Capelety, Cleo Ventura e Paulo Hesse, é a de mostrar o novo papel atribuído ao profissional de recursos humanos, não somente nas empresas, mas na sociedade. Os grandes empreendimentos mundiais surgiram quase do nada. Tiveram suas raízes em pessoas empreendedoras, que possuíam talento, um sonho na cabeça, mas os bolsos vazios.
A oportuna apresentação está sendo organizada pelo Grupo de Recursos Humanos de Campinas e Região com o apoio da Associação Paulista de Recursos Humanos e das Secretarias de Cultura e Recursos Humanos da prefeitura.
O brasileiro tem talento como ninguém. O que precisa é saber utilizar esse potencial. Canalizá-lo em sentido prático e racional. O consultor norte-americano George Gilder afirmou, em certa ocasião: “Nos negócios, a experiência é um ingrato professor: primeiro faz o exame e só depois dá a lição”.
A proposta do GRHUS é a de inverter essa situação. Orientar as pessoas para que descubram e apliquem, em benefício próprio e no da coletividade, seu potencial de criação, de realização, tirando os sonhos de sucesso da cabeça para os tornar concretas realidades. Basta acreditar, querer e saber colocar em prática as lições.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 31 de julho de 1993)
Saturday, April 24, 2010
A memória é extremamente frágil e registra pouquíssimos fatos que nos digam respeito. Com o tempo, distorce os acontecimentos, fantasia-os, romanceia-os, idealiza-os. Tenho o hábito de registrar em um diário os principais episódios que me envolvem. Relendo essas páginas, com o distanciamento de alguns anos, não me recordo de muitos dos que foram narrados. É como se cada fato citado saísse de minha imaginação, fosse uma criação literária, não passasse de um conto. Caíram no esquecimento e só sei que ocorreram porque estão descritos, com detalhes, expressando a emoção que despertaram, em letra de forma.
Soneto à doce amada-LXVII
Pedro J. Bondaczuk
Ó, doce amada, já vão tão distantes
os anos dourados da juventude!
O tempo é tirano e nos ilude,
mas amo-a hoje mais até que antes.
Quatro décadas tenho-a comigo.
Nós divergimos em tantos assuntos!
Mas não me sinto só face ao perigo:
somos unos, separados, mas juntos.
Superamos cansaços, decepções,
nossos passos são seguros e retos.
partilhamos corpos e emoções.
Amada, tantos sonhos, tanta luta,
(e só por isso minha alma exulta),
refletem-se na doçura dos netos.
(Soneto composto em Campinas, em 10 de abril de 2010).
Pedro J. Bondaczuk
Ó, doce amada, já vão tão distantes
os anos dourados da juventude!
O tempo é tirano e nos ilude,
mas amo-a hoje mais até que antes.
Quatro décadas tenho-a comigo.
Nós divergimos em tantos assuntos!
Mas não me sinto só face ao perigo:
somos unos, separados, mas juntos.
Superamos cansaços, decepções,
nossos passos são seguros e retos.
partilhamos corpos e emoções.
Amada, tantos sonhos, tanta luta,
(e só por isso minha alma exulta),
refletem-se na doçura dos netos.
(Soneto composto em Campinas, em 10 de abril de 2010).
Friday, April 23, 2010
O escritor Elias Canetti observou que "a humanidade só está indefesa quando não mais possui experiência nem memória". Durante muito tempo, no correr do relativamente curto processo civilizatório do homem, o acervo de técnica, arte e cultura, gerado por indivíduos excepcionais, dotados sobretudo de intuição e clarividência, foi preservado mediante a transmissão oral, de uma geração a outra. No "meio do caminho", muita coisa se perdeu. Hoje, os meios de preservação são cada vez mais eficientes, por causa da linguagem escrita. Há, é certo, a barreira da diferença idiomática, já que o problema das distâncias foi superado. Esta, todavia, também será, com certeza, vencida, com a universalização de determinados idiomas (em especial o inglês) e com a tradução simultânea por computador. Ou, quem sabe, com uma futura uniformização, padronização, unificação da linguagem em todo o mundo.
Letras que já têm história
Pedro J. Bondaczuk
Dá para se dizer que alguém, ou algum lugar, com cinqüenta anos de existência, já têm história? ´Depende! Há pessoas com vidas tão medíocres e cinzentas, com circunstâncias tão monótonas e tediosas, que poderiam viver mil anos que não teriam o que contar. Ou que, pelo menos, não saberiam fazer isso. Em contrapartida, há crianças sumamente precoces, que em idade em que sequer se desenvolveram plenamente, já têm um rosário de realizações a ostentar. Exemplo? Amadeus Wolfgang Mozart. Com apenas quatro anos, idade em que muita criança sequer largou da chupeta, já era músico excepcional e até compositor.
Há cidades com milênios de existência que só sabemos que existem quando vemos seus nomes nos mapas dos respectivos países. Até têm suas histórias, lendas e tradições, mas estas são tão inexpressivas, que sequer extrapolam seus limites geográficos. Em contrapartida, há outras que, com menos de uma década de existência, conseguem projeção, se não mundial ou nacional, pelo menos regional, pelo talento e operosidade dos seus habitantes.
Cinqüenta anos, portanto, podem ser como uma piscada de olhos, algo medido em milésimos de segundos, para os medíocres e uma eternidade, com uma infinidade de histórias, lendas, tradições e, sobretudo de realizações, para os criativos, operosos, imaginativos e construtores do progresso.
Este último, é o caso de Brasília. Ao ensejo em que completa seu cinqüentenário, tem uma história, às vezes exemplar, outras reprováveis, mas ainda assim memorável a ostentar. Em seus vastos gramados, avenidas e superquadras, desenrolaram-se comédias e tragédias, dramas e conquistas, atos heróicos e vexatórios. Nomes como os de seus pioneiros, Juscelino Kubitschek de Oliveira, que acreditou que mera utopia poderia se fazer concreta, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, que a projetaram materialmente, Bernardo Sayão, que deu a vida por esse sonho e, principalmente, os “candangos”, que a erigiram com seus músculos, suor e lágrimas, têm que ser (e de fato são) reverenciados.
Em relação a estes últimos, ocorreu um fato curioso, mas que lhes fez justiça. A expressão, originalmente, tinha conotação pejorativa, para caracterizar pessoas anônimas, sem eira e nem beira, aventureiras, vindas de não se sabe onde. Hoje, no entanto, a expressão “candango” soa como elogio e é pronunciada com imenso respeito e indisfarçável ternura.
Bem, já vimos que Brasília, a despeito de ter apenas meio século de existência, já tem história. E sua literatura, também tem? Se a resposta for positiva, porque os escritores brasilienses (quer os que adotaram a cidade como sua, quer os que lá nasceram) não são conhecidos nacionalmente, salvo raras e honrosas exceções? Isso se deve, no meu entender, não à sua eventual menos-importância ou desimportância, mas à brutal desinformação que há, país afora, das verdadeiras potencialidades e riquezas (materiais, culturais e espirituais) do Brasil. O brasileiro, de maneira geral, não conhece o seu país. Conhece, apenas (e olhem lá!) a região em que vive.
Uma das referências para um estudo mais detalhado da literatura de Brasília é, sem dúvida, o livro de Luiz Carlos Guimarães da Costa, “História da Literatura brasiliense”, lançado há já bom tempo pela Thesaurus Editora. A obra é uma comprovação de que, cinqüenta anos de produção, sem dúvida, é tempo mais do que suficiente para se reunir um acervo considerável de bons textos de ótimos escritores que estão a requerer maior visibilidade. E todos versam, de uma forma ou de outra, sobre nossa futurista e magnífica Capital Federal.
Creio que, nesta série de considerações, com as quais pretendo render humílima homenagem aos cinqüenta anos dessa cidade já impregnada no imaginário nacional, pude trazer à tona um pouco do que se fez e do que se faz por lá, em termos de produção literária. É pouco o que consegui reunir, até aqui, a respeito? Pouquíssimo! Vejo a questão à distância, o quê, se me faculta o fator da isenção em meus julgamentos e análises, faz com que eu esbarre na carência de fontes ao meu dispor. Estas existem, e são muitas, mas o que fazer, e como, para chegar até elas?
Todavia meus textos, mesmo não passando de reles pingo de água na imensidão do oceano, são mais, muito mais do que se divulgou e se divulga, pelo menos além fronteiras do Planalto Central, sobre a rica e magnética literatura “de” ou “sobre” Brasília em âmbito nacional.
Mas para que vocês percebam o quanto é grande a produção literária brasiliense, basta enfatizar que somente o pouco que escrevi a respeito (pouquíssimo e reitero que não passa de reles pingo de água na imensidão do oceano), já daria para compor um livro. Não foi esse o meu propósito.
As informações foram chegando às minhas mãos; fui comentando sobre esses livros a que tive acesso, sem método, até, pois no calor das edições diárias, portanto sem muito (a rigor nenhum) tempo para reflexão, e eis que está traçado um painel, mesmo que mínimo, a respeito.
Luiz Carlos Guimarães da Costa, de 62 anos, a exemplo de tantos “adventícios”, não é natural de Brasília. Nasceu em Londrina, no Paraná, e foi criado no interior paulista. É, além de engenheiro aeronáutico, jornalista e mestre em ciências. Reside em Brasília há 23 anos, desde 1987. É familiarizado com pesquisas, com dados objetivos, com cifras etc., como funcionário do IPEA, órgão do Ministério do Planejamento.
Apaixonado pela cidade e por sua literatura, dedicou dois anos de muito trabalho à produção dessa importante obra de referência. Para que o leitor tenha uma idéia do teor do livro, peço licença para reproduzir trecho de um texto a respeito, publicado no site “Nós Revista” (www.nosrevista.com.br), em 14 de agosto de 2006, cujo autor não foi identificado: “’A História da Literatura Brasiliense’ está indissoluvelmente ligada à hitória da construção e evolução da nova capital. Atrás do sonho de JK de interiorizar o desenvolvimento do oeste, já durante as obras, a partir de 1957, escritores como José Godoy Garcia (um dos maiores poetas goianos), Antonio Carlos Osório (primeiro advogado em atividade em Brasília) e Clemente Luiz (pioneiro cronista das obras da Rádio Nacional) aqui chegaram antes da inauguração de Brasília, Foram sucedidos por diversos homens de letras do mesmo quilate a partir de 1960. Ciro dos Anjos, José Santiago Naud, Almeida Fischer, Alphonsus de Guimaraens Filho, Anderson Braga Horta, Afonso Felix de Sousa, Joanyr de Oliveira e muitos outros. Eles iniciaram a base para a literatura de Brasília.
Sobre as pesquisas de Luiz Carlos Guimarães da Costa, para a redação do seu livro, o referido texto informa: “Para começar a estruturar o registro desta história, ainda breve (menos de meio século), porém muito rica em quantidade e em qualidade, foram identificadas e analisadas 14 antologias de contos, uma de crônicas e 40 de poesia, a grande maioria publicada em Brasília (apenas duas antologias de poesias foram publicadas no Rio de Janeiro, porém com inúmeros poetas residentes em Brasília). Foram levantados também os documentos históricos sobre a literatura brasiliense existentes nas diversas bibliotecas, especialmente da ANE – Associação Nacional de Escritores e dessas duas fontes foram construídos arquivos de identificação dos escritores vindos das mais variadas partes do país, mas de alguma forma ligados a Brasília”.
Como se vê, essa cidade, ora cinqüentenária, não é somente aquela “ilha da fantasia” que está na cabeça de muitos brasileiros (temo que da maioria), pelas falcatruas, negociatas e atos de corrupção que ocorrem em seus domínios, praticados por políticos sem estrutura ou estofo moral para exercer tão nobre missão. Tem rica história, sim senhores, de superação, trabalho e grandeza e seus escritores e sua literatura não ficam nada a dever a ninguém, se é que não superam os dos centros mais badalados do País.
Pedro J. Bondaczuk
Dá para se dizer que alguém, ou algum lugar, com cinqüenta anos de existência, já têm história? ´Depende! Há pessoas com vidas tão medíocres e cinzentas, com circunstâncias tão monótonas e tediosas, que poderiam viver mil anos que não teriam o que contar. Ou que, pelo menos, não saberiam fazer isso. Em contrapartida, há crianças sumamente precoces, que em idade em que sequer se desenvolveram plenamente, já têm um rosário de realizações a ostentar. Exemplo? Amadeus Wolfgang Mozart. Com apenas quatro anos, idade em que muita criança sequer largou da chupeta, já era músico excepcional e até compositor.
Há cidades com milênios de existência que só sabemos que existem quando vemos seus nomes nos mapas dos respectivos países. Até têm suas histórias, lendas e tradições, mas estas são tão inexpressivas, que sequer extrapolam seus limites geográficos. Em contrapartida, há outras que, com menos de uma década de existência, conseguem projeção, se não mundial ou nacional, pelo menos regional, pelo talento e operosidade dos seus habitantes.
Cinqüenta anos, portanto, podem ser como uma piscada de olhos, algo medido em milésimos de segundos, para os medíocres e uma eternidade, com uma infinidade de histórias, lendas, tradições e, sobretudo de realizações, para os criativos, operosos, imaginativos e construtores do progresso.
Este último, é o caso de Brasília. Ao ensejo em que completa seu cinqüentenário, tem uma história, às vezes exemplar, outras reprováveis, mas ainda assim memorável a ostentar. Em seus vastos gramados, avenidas e superquadras, desenrolaram-se comédias e tragédias, dramas e conquistas, atos heróicos e vexatórios. Nomes como os de seus pioneiros, Juscelino Kubitschek de Oliveira, que acreditou que mera utopia poderia se fazer concreta, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, que a projetaram materialmente, Bernardo Sayão, que deu a vida por esse sonho e, principalmente, os “candangos”, que a erigiram com seus músculos, suor e lágrimas, têm que ser (e de fato são) reverenciados.
Em relação a estes últimos, ocorreu um fato curioso, mas que lhes fez justiça. A expressão, originalmente, tinha conotação pejorativa, para caracterizar pessoas anônimas, sem eira e nem beira, aventureiras, vindas de não se sabe onde. Hoje, no entanto, a expressão “candango” soa como elogio e é pronunciada com imenso respeito e indisfarçável ternura.
Bem, já vimos que Brasília, a despeito de ter apenas meio século de existência, já tem história. E sua literatura, também tem? Se a resposta for positiva, porque os escritores brasilienses (quer os que adotaram a cidade como sua, quer os que lá nasceram) não são conhecidos nacionalmente, salvo raras e honrosas exceções? Isso se deve, no meu entender, não à sua eventual menos-importância ou desimportância, mas à brutal desinformação que há, país afora, das verdadeiras potencialidades e riquezas (materiais, culturais e espirituais) do Brasil. O brasileiro, de maneira geral, não conhece o seu país. Conhece, apenas (e olhem lá!) a região em que vive.
Uma das referências para um estudo mais detalhado da literatura de Brasília é, sem dúvida, o livro de Luiz Carlos Guimarães da Costa, “História da Literatura brasiliense”, lançado há já bom tempo pela Thesaurus Editora. A obra é uma comprovação de que, cinqüenta anos de produção, sem dúvida, é tempo mais do que suficiente para se reunir um acervo considerável de bons textos de ótimos escritores que estão a requerer maior visibilidade. E todos versam, de uma forma ou de outra, sobre nossa futurista e magnífica Capital Federal.
Creio que, nesta série de considerações, com as quais pretendo render humílima homenagem aos cinqüenta anos dessa cidade já impregnada no imaginário nacional, pude trazer à tona um pouco do que se fez e do que se faz por lá, em termos de produção literária. É pouco o que consegui reunir, até aqui, a respeito? Pouquíssimo! Vejo a questão à distância, o quê, se me faculta o fator da isenção em meus julgamentos e análises, faz com que eu esbarre na carência de fontes ao meu dispor. Estas existem, e são muitas, mas o que fazer, e como, para chegar até elas?
Todavia meus textos, mesmo não passando de reles pingo de água na imensidão do oceano, são mais, muito mais do que se divulgou e se divulga, pelo menos além fronteiras do Planalto Central, sobre a rica e magnética literatura “de” ou “sobre” Brasília em âmbito nacional.
Mas para que vocês percebam o quanto é grande a produção literária brasiliense, basta enfatizar que somente o pouco que escrevi a respeito (pouquíssimo e reitero que não passa de reles pingo de água na imensidão do oceano), já daria para compor um livro. Não foi esse o meu propósito.
As informações foram chegando às minhas mãos; fui comentando sobre esses livros a que tive acesso, sem método, até, pois no calor das edições diárias, portanto sem muito (a rigor nenhum) tempo para reflexão, e eis que está traçado um painel, mesmo que mínimo, a respeito.
Luiz Carlos Guimarães da Costa, de 62 anos, a exemplo de tantos “adventícios”, não é natural de Brasília. Nasceu em Londrina, no Paraná, e foi criado no interior paulista. É, além de engenheiro aeronáutico, jornalista e mestre em ciências. Reside em Brasília há 23 anos, desde 1987. É familiarizado com pesquisas, com dados objetivos, com cifras etc., como funcionário do IPEA, órgão do Ministério do Planejamento.
Apaixonado pela cidade e por sua literatura, dedicou dois anos de muito trabalho à produção dessa importante obra de referência. Para que o leitor tenha uma idéia do teor do livro, peço licença para reproduzir trecho de um texto a respeito, publicado no site “Nós Revista” (www.nosrevista.com.br), em 14 de agosto de 2006, cujo autor não foi identificado: “’A História da Literatura Brasiliense’ está indissoluvelmente ligada à hitória da construção e evolução da nova capital. Atrás do sonho de JK de interiorizar o desenvolvimento do oeste, já durante as obras, a partir de 1957, escritores como José Godoy Garcia (um dos maiores poetas goianos), Antonio Carlos Osório (primeiro advogado em atividade em Brasília) e Clemente Luiz (pioneiro cronista das obras da Rádio Nacional) aqui chegaram antes da inauguração de Brasília, Foram sucedidos por diversos homens de letras do mesmo quilate a partir de 1960. Ciro dos Anjos, José Santiago Naud, Almeida Fischer, Alphonsus de Guimaraens Filho, Anderson Braga Horta, Afonso Felix de Sousa, Joanyr de Oliveira e muitos outros. Eles iniciaram a base para a literatura de Brasília.
Sobre as pesquisas de Luiz Carlos Guimarães da Costa, para a redação do seu livro, o referido texto informa: “Para começar a estruturar o registro desta história, ainda breve (menos de meio século), porém muito rica em quantidade e em qualidade, foram identificadas e analisadas 14 antologias de contos, uma de crônicas e 40 de poesia, a grande maioria publicada em Brasília (apenas duas antologias de poesias foram publicadas no Rio de Janeiro, porém com inúmeros poetas residentes em Brasília). Foram levantados também os documentos históricos sobre a literatura brasiliense existentes nas diversas bibliotecas, especialmente da ANE – Associação Nacional de Escritores e dessas duas fontes foram construídos arquivos de identificação dos escritores vindos das mais variadas partes do país, mas de alguma forma ligados a Brasília”.
Como se vê, essa cidade, ora cinqüentenária, não é somente aquela “ilha da fantasia” que está na cabeça de muitos brasileiros (temo que da maioria), pelas falcatruas, negociatas e atos de corrupção que ocorrem em seus domínios, praticados por políticos sem estrutura ou estofo moral para exercer tão nobre missão. Tem rica história, sim senhores, de superação, trabalho e grandeza e seus escritores e sua literatura não ficam nada a dever a ninguém, se é que não superam os dos centros mais badalados do País.
Thursday, April 22, 2010
Somos aquilo que mentalizamos. Se nos virmos como fracos, como tíbios, como doentios, nos transformaremos nesse estereótipo que criarmos. Mas o contrário também é verdade. É certo que existe um arraigado preconceito na sociedade contra as pessoas idosas. Esses tolos que alimentam tal visão distorcida serão colhidos na própria armadilha que montaram. Um dia vão envelhecer (se não morrerem antes). E o comportamento que ajudaram a cristalizar em relação aos mais velhos se voltará reforçado contra eles. O que cada um de nós tem que fazer é se impor. É provar, se preciso, que o mundo inteiro está errado sobre a imagem que faz de nós. É não nos deixarmos abater diante de opiniões e atitudes alheias. Mas essa demonstração de força não se pode fazer apenas com palavras. Exige ação, mesmo que o corpo teime em pedir repouso. Requer energia, tirada não se sabe de onde. Impõe férrea força de vontade.
Tributo a uma “jovem senhora”
Pedro J. Bondaczuk
.
Hoje chegou o grande dia, em que Brasília – utopia que se fez, literalmente, concreta, ou seja, em vidro, aço e concreto – completa 50 anos e, por estranha ironia, me vejo mudo, sem palavras, gaguejante e cheio de vacilações para expressar meu sentimento a respeito. Não que não tenha o que dizer. Tenho e muito. Há tanta coisa que poderia e deveria ser dita, que nem sei por onde começar...
Quando iniciei esta série de textos, em homenagem a esta que foi a maior saga já empreendida por um povo, pelo menos nos tempos modernos (e sou tentado a achar que em todos os tempos), pensava, ingenuamente, que seria tarefa fácil escrever a respeito. Afinal, não tinha pretensão de redigir nenhum livro sobre a História de Brasília e nem sobre o tema particular que escolhi para abordar, ou seja, sua inserção na literatura nacional, achando, com isso, que a tarefa seria muito mais simples. Enganei-me. Poderia ser, mas não é. Eu não tinha, portanto, noção da encrenca em que havia me metido.
Para falar de Brasília e de tudo o que ela significou e significa para o Brasil (e para o mundo), ou mesmo para reproduzir como os escritores a vêem e o sentimento que ela lhes desperta, precisaria escrever não duas dezenas de textos desconexos, como estes, mas toda uma vasta coleção, com centenas de volumes. E tudo num tempo equivalente, no mínimo, a cada ano que a cidade já contabiliza. E ainda assim... deixaria muita coisa de fora.
É certo que a minha proposta não foi sequer a de escrever um razoável ensaio sobre o tema que escolhi. Foi a de fazer descompromissadas considerações à margem, simples e despretensiosos comentários, à medida que avançassem as minhas pesquisas, feitas às pressas, em horas roubadas do descanso e do lazer, em uma quantidade impressionante de fontes. Ainda assim, passando os olhos em tudo o que escrevi nestas três últimas semanas, sinto-me envergonhado do tratamento que dei a esta “jovem dama”, que completa, hoje, meio século de existência. Ela merece mais, muito mais do que isso, e, sobretudo, um escriba mais competente do que eu.
Concentrando-me, basicamente, na poesia, gênero preferencial dos que se propõem a homenagear a cidade (por seu futurismo, sua modernidade e certo ar místico até, para não dizer por sua exótica beleza), cataloguei cerca de três mil poemas de poetas alheios a ela, muitos dos quais sequer puseram os pés, ali, algum dia. E dos brasilienses? Reuni mais de cinco mil produções! Como citar todo o mundo, sem cometer injustiças e omissões e nem descambar para o ridículo? Impossível! Absoluta e irredutivelmente impossível!
O que posso fazer (e fiz até aqui), é citar um ou outro, meio que aleatoriamente, e tecer uma ou outra consideração a respeito, que, embora superficial, tem o caráter de registro. Mesmo que quisesse, não poderia agir em relação a Brasília como agiu seu mentor, Juscelino Kubitschek de Oliveira, em relação ao desenvolvimento nacional, do qual a cidade deveria ser (e de fato vem sendo) o dínamo: “fazer 50 anos em cinco”!
Tivesse tempo e vivesse tanto, precisaria de meio século para contar (e ainda assim superficialmente, com certeza) esta saga de heroísmo, fé e coragem de tantos e tantos e tantos heróis anônimos. A intenção inicial era a de encerrar hoje esta série de textos, em que busco homenagear uma cidade que me é tão cara, porquanto na sua construção há pequena parcela do suor, da crença e do delírio do meu querido pai, que um dia foi candango, se orgulhou disso e assumiu esse título como se fora um sobrenome, carregando-o no peito até a morte.
Quando se fala de Brasília, vêm a mente, de imediato, figuras como JK, como os que a arquitetaram – o urbanista Lúcio Costa e o arquiteto Oscar Niemeyer – como os que a orquestraram, os empreiteiros Bernardo Sayão e Israel Pinheiro e como vários outros nomes, todos ligados, todavia, de uma forma ou de outra, ao poder.
Omitem-se, porém, os que fizeram com que o sonho desses pioneiros citados fosse mais do que meras idealizações (que pelo projeto no papel beiravam à insanidade e ao delírio) e se transformassem em palácios, edifícios, monumentos, quadras, superquadras, avenidas, viadutos etc.etc.etc.
Milhares e milhares de brasileiros anônimos, a maioria dos quais jamais havia sequer pisado antes em um canteiro de obras, vaqueiros, agricultores, pequenos artesãos, aventureiros, seringueiros e vai por aí afora, deixaram, ali, seu suor, sangue e lágrimas. Centenas e centenas de operários morreram durante a construção, mas as obras não pararam. O “ciclópico bebê” tinha pressa de nascer, e havia até data estipulada para isso que não comportava atrasos (21 de abril de 1960). Por isso, o trabalho não poderia parar. Quantos desses trabalhadores não foram sepultados em valas comuns, sem pompas e nem circunstâncias, sem nem mesmo alguma tosca cruz de madeira a marcar suas coletivas sepulturas?!!!
Dizem, até (não posso provar, mas não duvido) que muitos corpos, simplesmente, receberam toneladas de concreto por cima e se incorporaram aos alicerces dos seus gigantescos e monumentais edifícios. Testemunhas oculares (e meu pai foi uma delas) asseguram, embora sem nenhuma comprovação estatística, que as mortes em acidentes do trabalho eram, na ocasião, em média, de vinte por dia. Outros garantem que essa cifra era bem mais elevada, muito maior. A cidade tinha pressa de nascer.
As obras eram tocadas em ritmo frenético, febril, com boa parte dos trabalhadores virando dois turnos consecutivos, com parcas de duas a quatro horas de repouso, se tanto. Uma loucura! Trabalhavam-se 24 horas por dia, todos os dias da semana, em todas as semanas do ano. Na época, os acidentes de trabalho na construção civil eram comuns, diria corriqueiros, em todo o País, até em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Ale4gre, entre outras.. Isso, em obras que não tinham prazos tão estreitos, quanto os de Brasília. Ali... era uma carnificina.
Ademais, o instrumental, as ferramentas e os métodos de construção eram dos mais toscos, primitivos e precários. Tudo era feito no muque mesmo, nos braços fortes e viris do trabalhador brasileiro, mesmo do mais raquítico (a maioria, mal-alimentada e portando toda a sorte de doenças). Por isso, fico furioso quando tentam impingir ao tão nosso operário, genericamente, o estereótipo imbecil e preconceituoso de “folgado”, de preguiçoso, de alguém que não é lá tão amigo do trabalho. Imaginem se fosse!
Sei que numa data como essa deveria estar tecendo loas – como os políticos, certamente, estão fazendo nas várias cerimônias em comemoração ao cinqüentenário. Por este ser espaço voltado basicamente à Literatura, deveria, pelo menos, estar reproduzindo poemas e mais poemas, exaltando a grandeza, o futurismo e a beleza de Brasília.
Até farei isso, oportunamente. Mas hoje, limitar-me-ei a render tributo aos que deram a vida para fazer dos poemas de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer (seus projetos foram, na verdade, isso) em poesia de concreto, vidro e aço, ou seja, os milhares de candangos que transformaram em realidade o que poderia não passar de fantasia.
Aos tantos que morreram em acidentes na construção da Capital da Esperança. e que não tiveram, sequer, direito a uma reles cova rasa, com tosca cruz de madeira marcando o local em que seus corpos cansados repousam para sempre, dedico este “Epitáfio”, escrito pelo poeta brasiliense Joanyr de Oliveira, autor de uma das melhores antologias sobre a cidade intitulada “Brasília na poesia brasileira”.
Epitáfio
"Os casulos do silêncio
Recolhem meu rosto,
Meu canto e meu nome.
Entre arcanjos e estrelas,
Minha essência navega
Doce é o sabor do Infinito".
Descansem em paz, anônimos guerreiros, heróis de verdade da nacionalidade nesta magnífica e inigualável saga que torna a epopéia dos Lusíadas muito pequena! E parabéns, “jovem dama”, por seus cinqüenta anos de existência e de esperança!
Obs.: Texto escrito em 21 de abril de 2010, em homenagem ao cinquentenário de Brasília.
Pedro J. Bondaczuk
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Hoje chegou o grande dia, em que Brasília – utopia que se fez, literalmente, concreta, ou seja, em vidro, aço e concreto – completa 50 anos e, por estranha ironia, me vejo mudo, sem palavras, gaguejante e cheio de vacilações para expressar meu sentimento a respeito. Não que não tenha o que dizer. Tenho e muito. Há tanta coisa que poderia e deveria ser dita, que nem sei por onde começar...
Quando iniciei esta série de textos, em homenagem a esta que foi a maior saga já empreendida por um povo, pelo menos nos tempos modernos (e sou tentado a achar que em todos os tempos), pensava, ingenuamente, que seria tarefa fácil escrever a respeito. Afinal, não tinha pretensão de redigir nenhum livro sobre a História de Brasília e nem sobre o tema particular que escolhi para abordar, ou seja, sua inserção na literatura nacional, achando, com isso, que a tarefa seria muito mais simples. Enganei-me. Poderia ser, mas não é. Eu não tinha, portanto, noção da encrenca em que havia me metido.
Para falar de Brasília e de tudo o que ela significou e significa para o Brasil (e para o mundo), ou mesmo para reproduzir como os escritores a vêem e o sentimento que ela lhes desperta, precisaria escrever não duas dezenas de textos desconexos, como estes, mas toda uma vasta coleção, com centenas de volumes. E tudo num tempo equivalente, no mínimo, a cada ano que a cidade já contabiliza. E ainda assim... deixaria muita coisa de fora.
É certo que a minha proposta não foi sequer a de escrever um razoável ensaio sobre o tema que escolhi. Foi a de fazer descompromissadas considerações à margem, simples e despretensiosos comentários, à medida que avançassem as minhas pesquisas, feitas às pressas, em horas roubadas do descanso e do lazer, em uma quantidade impressionante de fontes. Ainda assim, passando os olhos em tudo o que escrevi nestas três últimas semanas, sinto-me envergonhado do tratamento que dei a esta “jovem dama”, que completa, hoje, meio século de existência. Ela merece mais, muito mais do que isso, e, sobretudo, um escriba mais competente do que eu.
Concentrando-me, basicamente, na poesia, gênero preferencial dos que se propõem a homenagear a cidade (por seu futurismo, sua modernidade e certo ar místico até, para não dizer por sua exótica beleza), cataloguei cerca de três mil poemas de poetas alheios a ela, muitos dos quais sequer puseram os pés, ali, algum dia. E dos brasilienses? Reuni mais de cinco mil produções! Como citar todo o mundo, sem cometer injustiças e omissões e nem descambar para o ridículo? Impossível! Absoluta e irredutivelmente impossível!
O que posso fazer (e fiz até aqui), é citar um ou outro, meio que aleatoriamente, e tecer uma ou outra consideração a respeito, que, embora superficial, tem o caráter de registro. Mesmo que quisesse, não poderia agir em relação a Brasília como agiu seu mentor, Juscelino Kubitschek de Oliveira, em relação ao desenvolvimento nacional, do qual a cidade deveria ser (e de fato vem sendo) o dínamo: “fazer 50 anos em cinco”!
Tivesse tempo e vivesse tanto, precisaria de meio século para contar (e ainda assim superficialmente, com certeza) esta saga de heroísmo, fé e coragem de tantos e tantos e tantos heróis anônimos. A intenção inicial era a de encerrar hoje esta série de textos, em que busco homenagear uma cidade que me é tão cara, porquanto na sua construção há pequena parcela do suor, da crença e do delírio do meu querido pai, que um dia foi candango, se orgulhou disso e assumiu esse título como se fora um sobrenome, carregando-o no peito até a morte.
Quando se fala de Brasília, vêm a mente, de imediato, figuras como JK, como os que a arquitetaram – o urbanista Lúcio Costa e o arquiteto Oscar Niemeyer – como os que a orquestraram, os empreiteiros Bernardo Sayão e Israel Pinheiro e como vários outros nomes, todos ligados, todavia, de uma forma ou de outra, ao poder.
Omitem-se, porém, os que fizeram com que o sonho desses pioneiros citados fosse mais do que meras idealizações (que pelo projeto no papel beiravam à insanidade e ao delírio) e se transformassem em palácios, edifícios, monumentos, quadras, superquadras, avenidas, viadutos etc.etc.etc.
Milhares e milhares de brasileiros anônimos, a maioria dos quais jamais havia sequer pisado antes em um canteiro de obras, vaqueiros, agricultores, pequenos artesãos, aventureiros, seringueiros e vai por aí afora, deixaram, ali, seu suor, sangue e lágrimas. Centenas e centenas de operários morreram durante a construção, mas as obras não pararam. O “ciclópico bebê” tinha pressa de nascer, e havia até data estipulada para isso que não comportava atrasos (21 de abril de 1960). Por isso, o trabalho não poderia parar. Quantos desses trabalhadores não foram sepultados em valas comuns, sem pompas e nem circunstâncias, sem nem mesmo alguma tosca cruz de madeira a marcar suas coletivas sepulturas?!!!
Dizem, até (não posso provar, mas não duvido) que muitos corpos, simplesmente, receberam toneladas de concreto por cima e se incorporaram aos alicerces dos seus gigantescos e monumentais edifícios. Testemunhas oculares (e meu pai foi uma delas) asseguram, embora sem nenhuma comprovação estatística, que as mortes em acidentes do trabalho eram, na ocasião, em média, de vinte por dia. Outros garantem que essa cifra era bem mais elevada, muito maior. A cidade tinha pressa de nascer.
As obras eram tocadas em ritmo frenético, febril, com boa parte dos trabalhadores virando dois turnos consecutivos, com parcas de duas a quatro horas de repouso, se tanto. Uma loucura! Trabalhavam-se 24 horas por dia, todos os dias da semana, em todas as semanas do ano. Na época, os acidentes de trabalho na construção civil eram comuns, diria corriqueiros, em todo o País, até em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Ale4gre, entre outras.. Isso, em obras que não tinham prazos tão estreitos, quanto os de Brasília. Ali... era uma carnificina.
Ademais, o instrumental, as ferramentas e os métodos de construção eram dos mais toscos, primitivos e precários. Tudo era feito no muque mesmo, nos braços fortes e viris do trabalhador brasileiro, mesmo do mais raquítico (a maioria, mal-alimentada e portando toda a sorte de doenças). Por isso, fico furioso quando tentam impingir ao tão nosso operário, genericamente, o estereótipo imbecil e preconceituoso de “folgado”, de preguiçoso, de alguém que não é lá tão amigo do trabalho. Imaginem se fosse!
Sei que numa data como essa deveria estar tecendo loas – como os políticos, certamente, estão fazendo nas várias cerimônias em comemoração ao cinqüentenário. Por este ser espaço voltado basicamente à Literatura, deveria, pelo menos, estar reproduzindo poemas e mais poemas, exaltando a grandeza, o futurismo e a beleza de Brasília.
Até farei isso, oportunamente. Mas hoje, limitar-me-ei a render tributo aos que deram a vida para fazer dos poemas de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer (seus projetos foram, na verdade, isso) em poesia de concreto, vidro e aço, ou seja, os milhares de candangos que transformaram em realidade o que poderia não passar de fantasia.
Aos tantos que morreram em acidentes na construção da Capital da Esperança. e que não tiveram, sequer, direito a uma reles cova rasa, com tosca cruz de madeira marcando o local em que seus corpos cansados repousam para sempre, dedico este “Epitáfio”, escrito pelo poeta brasiliense Joanyr de Oliveira, autor de uma das melhores antologias sobre a cidade intitulada “Brasília na poesia brasileira”.
Epitáfio
"Os casulos do silêncio
Recolhem meu rosto,
Meu canto e meu nome.
Entre arcanjos e estrelas,
Minha essência navega
Doce é o sabor do Infinito".
Descansem em paz, anônimos guerreiros, heróis de verdade da nacionalidade nesta magnífica e inigualável saga que torna a epopéia dos Lusíadas muito pequena! E parabéns, “jovem dama”, por seus cinqüenta anos de existência e de esperança!
Obs.: Texto escrito em 21 de abril de 2010, em homenagem ao cinquentenário de Brasília.
Wednesday, April 21, 2010
Temos que modificar conceitos sem nunca permitir que se cristalizem em dogmas, alterar opiniões quando os fatos comprovarem que estávamos errados e jamais admitir que qualquer espécie de preconceito se instale em nosso cérebro. "É difícil", dirão alguns, citando centenas de exemplos. "É impossível que alguém seja assim", afirmarão outros, desfiando um rosário de argumentos. Estão todos errados. O homem não explora dez por cento do magnífico potencial do seu cérebro. Abrevia sua morte, entregando-se à indolência e ao ócio e até contrariando a natureza. É fácil de se comprovar o axioma de que "o uso desenvolve e a falta dele atrofia". Isto vale para qualquer órgão e principalmente para o mais nobre e poderoso de todos, o que comanda os demais: o cérebro.
Poesia culta e poesia marginal
Pedro J. Bondaczuk
Os críticos, para efeitos de estudo, costumam dividir a arte de fazer poesias (que caracterizo com um verbo que apesar de existir no dicionário, é pouco utilizado na prática, que é “poetar”) de várias maneiras. Uns, classificam-na por escolas literárias, como romantismo, parnasianismo, simbolismo e modernismo, outros pela linguagem utilizada pelos poetas – ou seja, se rebuscada e dentro dos cânones gramaticais, dizem que é “culta”, se do jeito que o povo fala, “marginal” – e outros, ainda, de maneiras diversas dessas.
Sei lá! Pessoalmente, não gosto de nenhuma dessas classificações, embora entenda sua utilidade para efeito de estudo. Para mim, só há dois tipos de poesia (e consequentemente, de poetas): a boa e a má. Em todo o caso... admito essa segunda (e genérica) classificação. Ou seja, a da poesia culta e a da marginal (embora ache esse termo um tanto pejorativo e ambíguo, por sua conotação social, tido, pois, como depreciativo). A marginalidade, no caso, caracteriza os que remam contra alguma “correnteza” (ou contra alguma “maré”). Ou seja, refere-se, pelo menos aqui, aos que fazem uma poesia sem peias, amarras ou regras. E há muitos bons poetas que optam por esse procedimento.
Aliás, esse tipo de classificação sequer é novo. É antiqüíssimo. Remonta à origem da crítica literária. O que eram, por exemplo, os aedos gregos, se não “marginais”? E os menestréis, que sobreviviam às custas dos seus versos, “vagabundeando” Europa afora (e o termo “vagabundo”, aqui, é tomado em seu sentido lato, o de vagar, e não propriamente no de preguiçoso e avesso ao trabalho) o que eram se não artistas à margem da arte oficial e da sociedade?
Pois é, o que eram? Como você caracterizaria, por exemplo, François Villon? O “poeta-bandido” poderia ser incluído entre os de norma culta? Creio que não. Era lídimo marginal (posto que no seu caso, em todas as acepções do termo). E isso diminuiu a qualidade da sua produção ou sua importância para a literatura francesa e até mundial? Claro que não!
Pois é assim que o escritor e diplomata José Roberto de Almeida Pinto (ou simplesmente J. R. de Almeida Pinto, como consta na capa de seu livro) divide os poetas que atuam na Capital Federal, em seu excelente estudo intitulado “Poesia de Brasília – duas tendências”, publicado pela Thesaurus Editora.
O autor concentra-se em oito nomes, quatro de cada tendência, que considera os mais representativos de cada uma dessas vertentes. É certo que se trata de uma escolha rigorosamente pessoal com a qual se pode ou não concordar. Seu critério, todavia, é bastante lógico. Baseia-se nos seguintes aspectos: linguagem, temática, posição face ao patrimônio cultural local e a concepção de cada um sobre o significado da poesia em nossa vida e a importância dos poetas para a literatura.
Almeida Pinto analisa poemas tanto dos quatro que considera os mais representativos da vertente “culta” (Anderson Braga Horta, Domingos Carvalho da Silva, Marly de Oliveira e Cassiano Nunes), quanto dos que classifica como “marginais” (Nicolas Behr, Francisco Alvim, Eudoro Augusto e Turiba). Em momento algum, diga-se de passagem, utiliza essa divisão como critério de juízo de qualidade. Não diz que quem utiliza linguagem erudita, por exemplo, faz poesia melhor do que quem se vale do coloquialismo em suas composições.
O livro foi escrito, na verdade, como tese de mestrado do autor, na Universidade Nacional de Brasília (é doutor em Literatura) . Seu estudo, no entanto, mostrou-se tão detalhado e meticuloso, que mereceu publicação. E, a bem da verdade, é importante referência sobre o assunto para os estudiosos (e para os leigos também). Almeida Pinto participou, ainda, junto com A. J. Ramalho da Rocha e R. Domingos da Silva, do estudo “Reflexões sobre defesa e segurança: uma estratégia para o Brasil”, publicado, em 2004, pelo Ministério de Defesa. Mas... esse é outro assunto.
Supõe-se que, para analisar poesia com a habilidade e propriedade do autor de “Poesia de Brasília – duas tendências”, ele deva, pelo menos, ter incursionado, mesmo que ocasionalmente, por esse gênero tão importante, cuja origem é tão antiga a ponto de ser impossível de ser determinada. Afinal, antecedeu, em muito, a invenção da escrita. Foi, por um tempo incontável, a grande forma de transmissão de conhecimentos de uma geração a outra.
Quando, onde e como nasceu a poesia? Ninguém sabe e jamais saberá. É, disparado, o gênero literário mais antigo e precursor de todos os demais. Precedeu, reitero, a própria invenção da escrita. Foi, pois, o meio de comunicação dos povos e civilizações ágrafos, uma espécie de “jornalismo” dos tempos das cavernas, possivelmente desde a “Era da Pedra Lascada” ou, quem sabe, antes.
Pois bem, Almeida Pinto também é poeta, e dos bons. Querem uma prova? Constatem sua perícia na arte de poetar com o exemplo que trago ao seu conhecimento e reproduzo abaixo:
Remorso
“Nesta Brasília calada
nesta sala assexuada
nesta hora desgraçada
eu sou somente remorso
Aço preto na testa
acre sertão na garganta,
resina de esgoto nos olhos,
eu não sou mais que remorso.
Eu não sou mais que a vontade de sair correndo
estraçalhar a cara no primeiro poste,
o homem que um dia sonhou ser bom,
a besta que quer fugir e não pode,
que quer berrar e não pode,
que quer, meu Deus, ser perdoado.
Nesta véspera de sábado
nesta Brasília silente
há festas, boates, mulheres.
Roendo osso, remorso,
nesta sala indiferente,
nesta hora desgraçada,
há somente o homem em face de si mesmo e náusea.
O homem finalmente em face de si mesmo,
o atônito covarde”.
Pedro J. Bondaczuk
Os críticos, para efeitos de estudo, costumam dividir a arte de fazer poesias (que caracterizo com um verbo que apesar de existir no dicionário, é pouco utilizado na prática, que é “poetar”) de várias maneiras. Uns, classificam-na por escolas literárias, como romantismo, parnasianismo, simbolismo e modernismo, outros pela linguagem utilizada pelos poetas – ou seja, se rebuscada e dentro dos cânones gramaticais, dizem que é “culta”, se do jeito que o povo fala, “marginal” – e outros, ainda, de maneiras diversas dessas.
Sei lá! Pessoalmente, não gosto de nenhuma dessas classificações, embora entenda sua utilidade para efeito de estudo. Para mim, só há dois tipos de poesia (e consequentemente, de poetas): a boa e a má. Em todo o caso... admito essa segunda (e genérica) classificação. Ou seja, a da poesia culta e a da marginal (embora ache esse termo um tanto pejorativo e ambíguo, por sua conotação social, tido, pois, como depreciativo). A marginalidade, no caso, caracteriza os que remam contra alguma “correnteza” (ou contra alguma “maré”). Ou seja, refere-se, pelo menos aqui, aos que fazem uma poesia sem peias, amarras ou regras. E há muitos bons poetas que optam por esse procedimento.
Aliás, esse tipo de classificação sequer é novo. É antiqüíssimo. Remonta à origem da crítica literária. O que eram, por exemplo, os aedos gregos, se não “marginais”? E os menestréis, que sobreviviam às custas dos seus versos, “vagabundeando” Europa afora (e o termo “vagabundo”, aqui, é tomado em seu sentido lato, o de vagar, e não propriamente no de preguiçoso e avesso ao trabalho) o que eram se não artistas à margem da arte oficial e da sociedade?
Pois é, o que eram? Como você caracterizaria, por exemplo, François Villon? O “poeta-bandido” poderia ser incluído entre os de norma culta? Creio que não. Era lídimo marginal (posto que no seu caso, em todas as acepções do termo). E isso diminuiu a qualidade da sua produção ou sua importância para a literatura francesa e até mundial? Claro que não!
Pois é assim que o escritor e diplomata José Roberto de Almeida Pinto (ou simplesmente J. R. de Almeida Pinto, como consta na capa de seu livro) divide os poetas que atuam na Capital Federal, em seu excelente estudo intitulado “Poesia de Brasília – duas tendências”, publicado pela Thesaurus Editora.
O autor concentra-se em oito nomes, quatro de cada tendência, que considera os mais representativos de cada uma dessas vertentes. É certo que se trata de uma escolha rigorosamente pessoal com a qual se pode ou não concordar. Seu critério, todavia, é bastante lógico. Baseia-se nos seguintes aspectos: linguagem, temática, posição face ao patrimônio cultural local e a concepção de cada um sobre o significado da poesia em nossa vida e a importância dos poetas para a literatura.
Almeida Pinto analisa poemas tanto dos quatro que considera os mais representativos da vertente “culta” (Anderson Braga Horta, Domingos Carvalho da Silva, Marly de Oliveira e Cassiano Nunes), quanto dos que classifica como “marginais” (Nicolas Behr, Francisco Alvim, Eudoro Augusto e Turiba). Em momento algum, diga-se de passagem, utiliza essa divisão como critério de juízo de qualidade. Não diz que quem utiliza linguagem erudita, por exemplo, faz poesia melhor do que quem se vale do coloquialismo em suas composições.
O livro foi escrito, na verdade, como tese de mestrado do autor, na Universidade Nacional de Brasília (é doutor em Literatura) . Seu estudo, no entanto, mostrou-se tão detalhado e meticuloso, que mereceu publicação. E, a bem da verdade, é importante referência sobre o assunto para os estudiosos (e para os leigos também). Almeida Pinto participou, ainda, junto com A. J. Ramalho da Rocha e R. Domingos da Silva, do estudo “Reflexões sobre defesa e segurança: uma estratégia para o Brasil”, publicado, em 2004, pelo Ministério de Defesa. Mas... esse é outro assunto.
Supõe-se que, para analisar poesia com a habilidade e propriedade do autor de “Poesia de Brasília – duas tendências”, ele deva, pelo menos, ter incursionado, mesmo que ocasionalmente, por esse gênero tão importante, cuja origem é tão antiga a ponto de ser impossível de ser determinada. Afinal, antecedeu, em muito, a invenção da escrita. Foi, por um tempo incontável, a grande forma de transmissão de conhecimentos de uma geração a outra.
Quando, onde e como nasceu a poesia? Ninguém sabe e jamais saberá. É, disparado, o gênero literário mais antigo e precursor de todos os demais. Precedeu, reitero, a própria invenção da escrita. Foi, pois, o meio de comunicação dos povos e civilizações ágrafos, uma espécie de “jornalismo” dos tempos das cavernas, possivelmente desde a “Era da Pedra Lascada” ou, quem sabe, antes.
Pois bem, Almeida Pinto também é poeta, e dos bons. Querem uma prova? Constatem sua perícia na arte de poetar com o exemplo que trago ao seu conhecimento e reproduzo abaixo:
Remorso
“Nesta Brasília calada
nesta sala assexuada
nesta hora desgraçada
eu sou somente remorso
Aço preto na testa
acre sertão na garganta,
resina de esgoto nos olhos,
eu não sou mais que remorso.
Eu não sou mais que a vontade de sair correndo
estraçalhar a cara no primeiro poste,
o homem que um dia sonhou ser bom,
a besta que quer fugir e não pode,
que quer berrar e não pode,
que quer, meu Deus, ser perdoado.
Nesta véspera de sábado
nesta Brasília silente
há festas, boates, mulheres.
Roendo osso, remorso,
nesta sala indiferente,
nesta hora desgraçada,
há somente o homem em face de si mesmo e náusea.
O homem finalmente em face de si mesmo,
o atônito covarde”.
Tuesday, April 20, 2010
Ai daquele que deixa o espírito envelhecer, que não renova idéias, informações, estilos e comportamentos! É posto de lado como objeto imprestável, sem uso, e perde o respeito até daqueles que gerou. Mesmo que essa atividade extemporânea esgote mais depressa as energias e abrevie a morte, é melhor assumir esse risco do que se tornar imprestável. Cesare Pavese, em uma de suas conferências, em 13 de junho de 1941, observou: "Se é possível lançar mão da analogia com o dia, a velhice é a idade mais aborrecida porque não se sabe mais o que fazer de si, como a noite, quando a faina diária está concluída". Isto, quando o espírito envelhece. Para evitar esse brutal tédio, é necessário que consideremos nossa tarefa sempre inconclusa. Que nunca venhamos a aposentar o nosso raciocínio, o nosso interesse pela vida, a nossa participação no mutirão para tentar civilizar a espécie. A missão do homem jamais se esgota.
Brasiliense de adoção
Pedro J. Bondaczuk
Começo minhas considerações de hoje com uma pergunta, mesmo fugindo do meu estilo de redigir: Qual cidade é mais importante para nós: a em que nascemos, mas que um dia deixamos, por não satisfazer nossas necessidades, ou a que “adotamos” como nossa, a que escolhemos livremente para ser o cenário de toda a nossa vida? Honestamente, fico com a segunda opção.
Não que não guarde na memória, no coração e na alma a minha pequenina Horizontina natal, longe disso! No meu caso, porém, Campinas adquire dimensão especial e única. Foi o lugar do Brasil que escolhi para morar, trabalhar, casar, gerar meus filhos, ver nascer meus netos, viver e, provavelmente, morrer. Sua importância, portanto, em minha vida não tem comparação.
Vim para cá há já 46 anos. Quando cheguei, confesso, estava receoso, pois o campineiro sempre foi tido (injustamente, hoje lhes asseguro de pés juntos), como frio, distante, arredio, orgulhoso no sentido negativo da palavra e avesso a contatos com estranhos. Nada mais mentiroso do que isso.
Fui recebido de braços abertos e por aqui nunca me faltaram oportunidades, amores e amizades. Integrei-me completamente à vida da cidade. Passei a torcer pela Ponte Preta, por exemplo, único clube de futebol pelo qual me apaixonei, freqüentei suas escolas e faculdades, “enturmei-me” e até perdi o sotaque característico do gaúcho. Hoje, ouvindo-me falar, ninguém dirá que não sou campineiro. E é assim que (orgulhosamente) me sinto. Só não sei se fui eu que adotei a cidade ou se foi ela que me adotou. Mas isso é o que menos importa.
Em relação a Brasília, ocorre a mesma coisa. A imensa maioria dos seus mais de 2,6 milhões de habitantes veio de fora. Todavia, se “enturmou” de tal sorte, que certamente se sentiria ofendida se não fosse considerada brasiliense. Tem que ser, ora bolas! É como Mário de Andrade disse no poema “O poeta come amendoim”: “Pátria” (ou seja, o lugar que escolhemos para viver), “é a casa de migrações e do pão nosso onde Deus der”.
O escritor que escolhi para tratar hoje, Emanuel Medeiros Vieira, 65 anos, é catarinense de nascimento, e mais, pode ser chamado carinhosamente de “Manezinho da ilha”, já que é natural de Florianópolis. Contudo, teimo com qualquer um e afirmo que se trata de um brasiliense legítimo, de “pura cepa”. Na seqüência vocês entenderão porque.
Emanuel é formado em Direito, mas é, também, jornalista (mais especificamente, editor, como eu), e exercendo, por bom tempo, a função de crítico de cinema Reside há mais de 30 anos em Brasília, onde é servidor público federal.
Dominando com perícia todos os gêneros literários, é um dos mais ilustres e ecléticos escritores brasilienses. “Mas como?!”, perguntará o intrigado e atento leitor. “Você não afirmou que ele nasceu em Florianópolis?”. Afirmei. Mas afirmo que é brasiliense (sem renegar sua cidade natal, a antiga Desterro).
Antes de tudo, informo-o, assíduo leitor, que Emanuel é um bem-sucedido veterano das letras. Já publicou a “bagatela” de 18 livros, o último dos quais intitulado “Cerrado Desterro” (lançado pela Thesaurus Editora), que classifica de uma espécie de “memórias de geração”. Recebeu vários prêmios literários nacionais, o que comprova a qualidade dos seus textos.
Pelo menos, os seguintes “cobras” da Literatura brasileira os leram, comentaram e apreciaram: Carlos Drummond de Andrade, Otto Maria Carpeaux, Afrânio Coutinho, Antonio Cândido, Mário Quintana, Caio Fernando Abreu, Antonio Olinto, Hélio Pólvora, Carlos Appel, Assis Brasil, Moacyr Scliar, Jorge de Sá, Rubem Mauro Machado, Anderson Braga Horta, Ronaldo Cagiano, Salim Miguel, Silveira de Souza, Flávio Cardozo, Alberto Crusius, Antonio Carlos Vilaça, Leo Gilson Ribeiro, Lourenço Cazarré, Ruy Espinheira Filho, Deonísio da Silva (que já foi colunista do Literário), Nei Duclós (que até há um ano também integrava a nossa confraria), Antonio Hohlfeldt, José Santiago Naud e Paulo Leminski.
Pouco, ou quase nada, portanto, eu poderia acrescentar sobre a literatura de Emanuel, que esse montão de “feras” não tenha dito. Sua especialidade, aliás, sequer é a poesia, embora se trate de um poeta de mão cheia. É, sobretudo, romancista, contista e novelista, ou seja, ficcionista.
Um de seus romances mais conhecidos é “Olhos azuis – ao sul do efêmero”. A obra de Emanuel Medeiros Vieira, que escolheu Brasília para viver (assim como eu escolhi Campinas) é, antes de tudo, testemunho humano. O escritor desabafa que pagou alto preço pels forma com que encara e faz ficção (todos nós pagamos): “O meu testemunho é visceral e humano. Esconder sujeira debaixo do tapete nunca foi o propósito de minhas obras. Nem da minha vida. Paguei um preço muito alto por isto”.
Numa crônica, repleta de informação, Emanuel confessa seu fascínio e veneração pela cidade que escolheu para viver e que o acolheu (creio que com orgulho). O texto intitula-se “No mar nasceu Brasília”.
Reproduzo, abaixo, alguns trechos do que o escritor registrou:
“No final de 1956, Lúcio Costa (1902-1998) viajara para Nova York para participar de um evento. Foi na volta, a bordo do navio argentino Rio Jachal, que Lúcio fez o que ´[e considerado o primeiro esboço do Plano Piloto. Sim, pensou a cidade no mar. No dia 11 de março de 2007 fez 50 anos que o urbanista e arquiteto entregou o trabalho à comissão julgadora que avaliaria os projetos apresentados. Ele venceu o concurso do plano urbano de Brasília ‘com um trabalho de feição amadora, sem um único cálculo’...”
Em outro trecho, Emanuel diz com clareza e simplicidade o que venho tentando dizer nesta série de textos sobre a inserção de Brasília na literatura e, temo, sem sucesso: “(...) Eu, pessoalmente, desisti de explicar aos ‘outros’, aos que não vivem aqui: no ‘inconsciente coletivo’, e trabalhado pela grande mídia, na TV e nos jornais, a cidade é só o lugar dos podres poderes, das tenebrosas transações, das falcatruas, da corrupção, capital que vampiriza o resto do Brasil. Sim, isso existe, mas na Brasília ‘oficial’, nos três poderes. Precisarei ser mais explicativo, falando das boates luxuosas, das entranhas palacianas, congressuais, judiciais e ministeriais? Mas a cidade real é outra, dos verdes, das mangueiras, do céu límpido, sem mediação, das flores retorcidas e belas do cerrado. É a urbe onde nasceram Clarice, minha filha, o Lucas, filho do coração, dos meus caros e honrados amigos. Mesmo que a gente diga que a maioria dos velhacos, patifes, corruptos veio de fora, não adianta...”
Em certo trecho, Emanuel faz essa comovida declaração de amor à cidade: “(...) Brasília: amo os teus verdes, teus espaços (lógico, não a juventude que mata índios, mas a desgraça da violência é nacional), a luz que emana de ti, os candangos e os ‘fundadores da utopia’... E gosto muito da arquitetura branca e ‘escultural’ do Dr. Oscar (Niemeyer). Creio que a Praça dos Três Poderes é uma das dez mais belas do mundo...”
Ao cabo dessas linhas, pergunto: Quem faz uma declaração de amor, como esta, a Brasília, tem ou não o direito e a prerrogativa de se considerar (e de ser considerado) brasiliense, posto que por adoção?
Pedro J. Bondaczuk
Começo minhas considerações de hoje com uma pergunta, mesmo fugindo do meu estilo de redigir: Qual cidade é mais importante para nós: a em que nascemos, mas que um dia deixamos, por não satisfazer nossas necessidades, ou a que “adotamos” como nossa, a que escolhemos livremente para ser o cenário de toda a nossa vida? Honestamente, fico com a segunda opção.
Não que não guarde na memória, no coração e na alma a minha pequenina Horizontina natal, longe disso! No meu caso, porém, Campinas adquire dimensão especial e única. Foi o lugar do Brasil que escolhi para morar, trabalhar, casar, gerar meus filhos, ver nascer meus netos, viver e, provavelmente, morrer. Sua importância, portanto, em minha vida não tem comparação.
Vim para cá há já 46 anos. Quando cheguei, confesso, estava receoso, pois o campineiro sempre foi tido (injustamente, hoje lhes asseguro de pés juntos), como frio, distante, arredio, orgulhoso no sentido negativo da palavra e avesso a contatos com estranhos. Nada mais mentiroso do que isso.
Fui recebido de braços abertos e por aqui nunca me faltaram oportunidades, amores e amizades. Integrei-me completamente à vida da cidade. Passei a torcer pela Ponte Preta, por exemplo, único clube de futebol pelo qual me apaixonei, freqüentei suas escolas e faculdades, “enturmei-me” e até perdi o sotaque característico do gaúcho. Hoje, ouvindo-me falar, ninguém dirá que não sou campineiro. E é assim que (orgulhosamente) me sinto. Só não sei se fui eu que adotei a cidade ou se foi ela que me adotou. Mas isso é o que menos importa.
Em relação a Brasília, ocorre a mesma coisa. A imensa maioria dos seus mais de 2,6 milhões de habitantes veio de fora. Todavia, se “enturmou” de tal sorte, que certamente se sentiria ofendida se não fosse considerada brasiliense. Tem que ser, ora bolas! É como Mário de Andrade disse no poema “O poeta come amendoim”: “Pátria” (ou seja, o lugar que escolhemos para viver), “é a casa de migrações e do pão nosso onde Deus der”.
O escritor que escolhi para tratar hoje, Emanuel Medeiros Vieira, 65 anos, é catarinense de nascimento, e mais, pode ser chamado carinhosamente de “Manezinho da ilha”, já que é natural de Florianópolis. Contudo, teimo com qualquer um e afirmo que se trata de um brasiliense legítimo, de “pura cepa”. Na seqüência vocês entenderão porque.
Emanuel é formado em Direito, mas é, também, jornalista (mais especificamente, editor, como eu), e exercendo, por bom tempo, a função de crítico de cinema Reside há mais de 30 anos em Brasília, onde é servidor público federal.
Dominando com perícia todos os gêneros literários, é um dos mais ilustres e ecléticos escritores brasilienses. “Mas como?!”, perguntará o intrigado e atento leitor. “Você não afirmou que ele nasceu em Florianópolis?”. Afirmei. Mas afirmo que é brasiliense (sem renegar sua cidade natal, a antiga Desterro).
Antes de tudo, informo-o, assíduo leitor, que Emanuel é um bem-sucedido veterano das letras. Já publicou a “bagatela” de 18 livros, o último dos quais intitulado “Cerrado Desterro” (lançado pela Thesaurus Editora), que classifica de uma espécie de “memórias de geração”. Recebeu vários prêmios literários nacionais, o que comprova a qualidade dos seus textos.
Pelo menos, os seguintes “cobras” da Literatura brasileira os leram, comentaram e apreciaram: Carlos Drummond de Andrade, Otto Maria Carpeaux, Afrânio Coutinho, Antonio Cândido, Mário Quintana, Caio Fernando Abreu, Antonio Olinto, Hélio Pólvora, Carlos Appel, Assis Brasil, Moacyr Scliar, Jorge de Sá, Rubem Mauro Machado, Anderson Braga Horta, Ronaldo Cagiano, Salim Miguel, Silveira de Souza, Flávio Cardozo, Alberto Crusius, Antonio Carlos Vilaça, Leo Gilson Ribeiro, Lourenço Cazarré, Ruy Espinheira Filho, Deonísio da Silva (que já foi colunista do Literário), Nei Duclós (que até há um ano também integrava a nossa confraria), Antonio Hohlfeldt, José Santiago Naud e Paulo Leminski.
Pouco, ou quase nada, portanto, eu poderia acrescentar sobre a literatura de Emanuel, que esse montão de “feras” não tenha dito. Sua especialidade, aliás, sequer é a poesia, embora se trate de um poeta de mão cheia. É, sobretudo, romancista, contista e novelista, ou seja, ficcionista.
Um de seus romances mais conhecidos é “Olhos azuis – ao sul do efêmero”. A obra de Emanuel Medeiros Vieira, que escolheu Brasília para viver (assim como eu escolhi Campinas) é, antes de tudo, testemunho humano. O escritor desabafa que pagou alto preço pels forma com que encara e faz ficção (todos nós pagamos): “O meu testemunho é visceral e humano. Esconder sujeira debaixo do tapete nunca foi o propósito de minhas obras. Nem da minha vida. Paguei um preço muito alto por isto”.
Numa crônica, repleta de informação, Emanuel confessa seu fascínio e veneração pela cidade que escolheu para viver e que o acolheu (creio que com orgulho). O texto intitula-se “No mar nasceu Brasília”.
Reproduzo, abaixo, alguns trechos do que o escritor registrou:
“No final de 1956, Lúcio Costa (1902-1998) viajara para Nova York para participar de um evento. Foi na volta, a bordo do navio argentino Rio Jachal, que Lúcio fez o que ´[e considerado o primeiro esboço do Plano Piloto. Sim, pensou a cidade no mar. No dia 11 de março de 2007 fez 50 anos que o urbanista e arquiteto entregou o trabalho à comissão julgadora que avaliaria os projetos apresentados. Ele venceu o concurso do plano urbano de Brasília ‘com um trabalho de feição amadora, sem um único cálculo’...”
Em outro trecho, Emanuel diz com clareza e simplicidade o que venho tentando dizer nesta série de textos sobre a inserção de Brasília na literatura e, temo, sem sucesso: “(...) Eu, pessoalmente, desisti de explicar aos ‘outros’, aos que não vivem aqui: no ‘inconsciente coletivo’, e trabalhado pela grande mídia, na TV e nos jornais, a cidade é só o lugar dos podres poderes, das tenebrosas transações, das falcatruas, da corrupção, capital que vampiriza o resto do Brasil. Sim, isso existe, mas na Brasília ‘oficial’, nos três poderes. Precisarei ser mais explicativo, falando das boates luxuosas, das entranhas palacianas, congressuais, judiciais e ministeriais? Mas a cidade real é outra, dos verdes, das mangueiras, do céu límpido, sem mediação, das flores retorcidas e belas do cerrado. É a urbe onde nasceram Clarice, minha filha, o Lucas, filho do coração, dos meus caros e honrados amigos. Mesmo que a gente diga que a maioria dos velhacos, patifes, corruptos veio de fora, não adianta...”
Em certo trecho, Emanuel faz essa comovida declaração de amor à cidade: “(...) Brasília: amo os teus verdes, teus espaços (lógico, não a juventude que mata índios, mas a desgraça da violência é nacional), a luz que emana de ti, os candangos e os ‘fundadores da utopia’... E gosto muito da arquitetura branca e ‘escultural’ do Dr. Oscar (Niemeyer). Creio que a Praça dos Três Poderes é uma das dez mais belas do mundo...”
Ao cabo dessas linhas, pergunto: Quem faz uma declaração de amor, como esta, a Brasília, tem ou não o direito e a prerrogativa de se considerar (e de ser considerado) brasiliense, posto que por adoção?
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