Friday, August 28, 2009

Gênio da comunicação


Pedro J. Bondaczuk

A palavra – não importa se dita ou se escrita – é a forma mais eficaz de comunicação entre as pessoas. Mas não é a única. Ademais, para ganhar eficácia, é indispensável que se satisfaçam algumas condições para lá de óbvias, mas a que nem sempre atentamos. Por exemplo, o que é falado, para que seja entendido, é preciso, antes de tudo, que o interlocutor “ouça” o que se diz. Se for surdo...
Outra condição é que o que se fala seja coerente. E essa coerência não se consegue com uma única palavra. São necessárias várias delas, formando sentenças que tenham sentido. Caso contrário... Uma terceira condição é que se fale numa língua que quem conversa conosco entenda. Se eu falar em mandarim, por exemplo, e meu interlocutor só conhecer o inglês, nos limitaremos a fazer ruído com a garganta, sem que haja o mínimo entendimento entre nós. Isso é óbvio, mas nem todas as pessoas atentam para tais evidências.
No que diz respeito à palavra escrita, a condição sine qua non para que se estabeleça verdadeira comunicação é que nosso suposto leitor saiba ler. Caso contrário... Se for analfabeto, para ele, cada letra parecerá, apenas, um desenho exótico, e nada mais. Além disso, têm que ser preenchidas as mesmas condições da palavra falada (exceto a da não surdez). Ou seja, ela deve vir acompanhada de outras, dentro de um contexto lógico, que, juntadas, formem sentido. E que seja escrita no idioma da pessoa com a qual pretendemos nos comunicar.
O jornalista norte-americano, Leo Rosten, provavelmente tendo implícito que as condições que citei fossem plenamente satisfeitas, escreveu, na revista “Look”: “Vivemos por palavras: amor, verdade, Deus. Lutamos por palavras: liberdade, pátria, fama. Morremos por palavras: liberdade, glória, honra. Elas dão ao nosso espírito e ao nosso coração o dom inestimável da expressão articulada – desde ‘mamãe’ a ‘infinito’. E os homens que realmente moldam os nossos destinos, os gigantes que nos ensinam, inspiram e conduzem a feitos imortais, são aqueles que usam as palavras com grandeza, clareza e paixão: Sócrates, Jesus, Lutero, Lincoln e Churchill”.
A esta altura eu lhe pergunto, arguto leitor: “É possível estabelecermos uma comunicação coerente, lúcida e eficaz sem nos valermos de uma única palavra?”. Da minha parte, entendo que sim. E justifico. Um dos maiores gênios da comunicação do século XX (e provavelmente de todos os tempos), que emocionou, encantou, fez rir e fez chorar platéias do mundo todo, e até hoje encanta e emociona gerações, muitos anos após sua morte, conseguiu esse feito.
Se é uma regra, se o uso de palavras é o meio mais eficaz de comunicar idéias, pensamentos e sentimentos, ou, quem sabe, único, Charles Spencer Chaplin e, mais precisamente, o personagem que imortalizou nas telas de cinema, o simpático “vagabundo” Carlitos, foi significativa exceção.
A ternura, a simplicidade e as mensagens de solidariedade e amor que transmitiu se estamparam, apenas, em sua caricata figura. Não precisou abrir a boca e proferir uma só palavra para se fazer entendido. Ademais, no tempo em que se consagrou, não havia recursos para se gravar sons. O cinema ainda engatinhava e era mudo.
Chaplin não se comunicava por gestos porque não soubesse falar. Tanto que fez vários filmes – quando a tecnologia da Sétima Arte evoluiu a ponto de tornar isso possível – em que “falou”. E muito. E bem demais. Sabia, portanto, usar, e muito bem, as palavras: falando e escrevendo. Tanto que nos legou textos e mais textos repletos de sabedoria e verdade. Mas sua genialidade se manifestou, por inteiro, no adorável vagabundo, que se expressava somente por gestos, que era mudo, que ele criou e tão bem interpretou.
Carlitos não se tratou de mero tipo, dos tantos criados por humoristas de todos os tempos (inclusive do nosso). Fosse interpretado por outro ator qualquer, que não Chaplin – talento cujo nome deve vir sempre acompanhado do adjetivo “gênio”, que ele, de fato, foi em sua especialidade –, certamente não causaria maior impacto no público, ou, quem sabe, nenhum.
Poderia ser mais um desses tantos bufões ridículos e exagerados, que surgem amiúde nos palcos, picadeiros e telas da vida, tão efêmeros quanto seus criadores ou intérpretes que lhes emprestam a imagem. O que o adorável vagabundo conseguiu, porém, foi estabelecer absoluta empatia conosco, homens comuns e simples, não raro humilhados e ofendidos, se não por outra coisa, pelo menos por nossa condição de anônimos.
Nós, que volta e meia somos “chateados” por tarefas muitas vezes rotineiras e maçantes, mas que temos que executar, para garantir nosso sustento. Nós, que somos neurotizados por uma sociedade injusta e excludente, que perdeu o senso de valores, notadamente os da verdade, bondade e solidariedade. Nós, que vivemos aterrorizados com as perspectivas sombrias de uma hecatombe anunciada, dada a acelerada destruição do Planeta em que vivemos, que nos ameaça de aniquilação e que nos vemos impotentes para evitar. Nós, que somos considerados meros números estatísticos, perfeitamente descartáveis, pelos poderosos tiranos, travestidos de democratas. Nós, pessoas de carne e osso, subjugadas pelas circunstâncias, nos identificamos com Carlitos. Por isso, o amamos. Que tremendo gênio da comunicação foi este Charles Chaplin que, se estivesse vivo, estaria completando 120 anos de nascimento neste ano da graça (ou desgraça?) de 2009!!!

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