Sociedade dividida
Pedro J. Bondaczuk
A Nigéria é um exemplo típico dos males do colonialismo na África. Há menos de cinco séculos floresceu, em seu território, uma das mais importantes e expressivas civilizações negras de que se tem notícia. Com a vinda dos colonizadores britânicos, tribos e etnias, incompatíveis entre si, foram juntadas num mesmo território, formando uma única colônia, com línguas, religiões e tradições totalmente diversas.
Nisso, começou todo o drama da atual Nigéria, país africano de maior população (cerca de 91 milhões de habitantes) e farto em golpes de Estado e em erupções de violência religiosa. Foi ali que se travou uma das guerras civis mais cruéis dos últimos anos, chamada Guerra de Biafra, quando algumas províncias se juntaram, sob o comando do general Ojukwo, no intento de proclamarem uma República independente.
O que se viu foi um dos maiores massacres da história contemporânea, que durou de 1967 a 1970. O atual foco de tensão não é político, mas muito mais explosivo, por envolver a religião. O país tem 47% de seus habitantes professando a fé muçulmana, maioria esmagadora dos nigerianos, secundada por 34% de cristãos e 19% de animistas.
Estes têm mantido constantes choques com fundamentalistas radicais, sendo vítimas de pelo menos dois grandes massacres. Um ocorreu a partir de 26 de outubro de 1982, em Maiduguri, Estado de Borno, oportunidade em que 452 pessoas foram mortas.
Isto serviu para que as autoridades de Lagos tomassem a ação dos fundamentalistas por pretexto e determinassem que, a partir da primeira quinzena de janeiro de 1983, todos os trabalhadores deixassem o país. A Nigéria foi, então, naquela oportunidade, palco de um dos maiores êxodos na história moderna, com mais de 1,7 milhão de pessoas fugindo, espavoridas, com medo de represálias, para fora de suas fronteiras. Muitas se perderam nas selvas, sofrendo morte certa. Ninguém jamais revelou o saldo exato dessa tremenda crueldade.
O outro grande massacre de animistas aconteceu no ano passado, em Yola, cidade da província de Gongola. Em todos os incidentes, estiveram envolvidos os radicais seguidores do líder fundamentalista islâmico Alhaji Mohammed Maruá Matatsine, que acabou morto em uma rebelião semelhante aos distúrbios que ocorrem desde ontem na Nigéria, que se registraram, na ocasião, na capital da província de Kano.
As autoridades nigerianas pouco, ou quase nada, podem fazer para conter essas explosões de violência religiosa e tribal. Afinal, é quase impossível, senão de todo, compatibilizar os interesses e costumes de 250 comunidades diferentes. Ainda mais levando-se em conta a característica instabilidade institucional dessa República, de apenas 25 turbulentos anos de independência. Desde 1965, a Nigéria teve, pelo que nos lembramos, pelo menos três trocas violentas de governo.
Em 20 de julho de 1976, o general Iacubo Gowon, que submeteu os rebelados de Biafra, foi deposto. Pouco menos de um ano depois, o oficial que lhe aplicou o golpe de Estado, Murtala Mohammed, foi morto, em 15 de fevereiro de 1975, por jovens oficiais rebelados.
O último caso de golpismo que nos recordamos ocorreu no derradeiro dia de 1983. O presidente Shehu Shagari, que poucos meses antes havia recebido a visita do brasileiro João Figueiredo, foi, então, apeado do poder pelos militares, acusado de atos de corrupção.
Enquanto isso ocorre, o país, se bem que um dos grandes produtores de petróleo e dos maiores exportadores mundiais dessa matéria-prima, sofre desastrosa erosão econômica. Sua dívida externa aumenta perigosamente, enquanto as exportações do seu principal produto declinam.
Esse problema, que amargura, hoje, praticamente todo o Terceiro Mundo, somado à rixas seculares de suas mais de 250 etnias e às seguidas manifestações de fanatismo religioso, faz se prever que, mais dia, menos dia, dezenas de novas Biafras irão surgir na Nigéria, levando essa ex-colônia britânica da África a dias de muita aflição.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 27 de abril de 1985).
Pedro J. Bondaczuk
A Nigéria é um exemplo típico dos males do colonialismo na África. Há menos de cinco séculos floresceu, em seu território, uma das mais importantes e expressivas civilizações negras de que se tem notícia. Com a vinda dos colonizadores britânicos, tribos e etnias, incompatíveis entre si, foram juntadas num mesmo território, formando uma única colônia, com línguas, religiões e tradições totalmente diversas.
Nisso, começou todo o drama da atual Nigéria, país africano de maior população (cerca de 91 milhões de habitantes) e farto em golpes de Estado e em erupções de violência religiosa. Foi ali que se travou uma das guerras civis mais cruéis dos últimos anos, chamada Guerra de Biafra, quando algumas províncias se juntaram, sob o comando do general Ojukwo, no intento de proclamarem uma República independente.
O que se viu foi um dos maiores massacres da história contemporânea, que durou de 1967 a 1970. O atual foco de tensão não é político, mas muito mais explosivo, por envolver a religião. O país tem 47% de seus habitantes professando a fé muçulmana, maioria esmagadora dos nigerianos, secundada por 34% de cristãos e 19% de animistas.
Estes têm mantido constantes choques com fundamentalistas radicais, sendo vítimas de pelo menos dois grandes massacres. Um ocorreu a partir de 26 de outubro de 1982, em Maiduguri, Estado de Borno, oportunidade em que 452 pessoas foram mortas.
Isto serviu para que as autoridades de Lagos tomassem a ação dos fundamentalistas por pretexto e determinassem que, a partir da primeira quinzena de janeiro de 1983, todos os trabalhadores deixassem o país. A Nigéria foi, então, naquela oportunidade, palco de um dos maiores êxodos na história moderna, com mais de 1,7 milhão de pessoas fugindo, espavoridas, com medo de represálias, para fora de suas fronteiras. Muitas se perderam nas selvas, sofrendo morte certa. Ninguém jamais revelou o saldo exato dessa tremenda crueldade.
O outro grande massacre de animistas aconteceu no ano passado, em Yola, cidade da província de Gongola. Em todos os incidentes, estiveram envolvidos os radicais seguidores do líder fundamentalista islâmico Alhaji Mohammed Maruá Matatsine, que acabou morto em uma rebelião semelhante aos distúrbios que ocorrem desde ontem na Nigéria, que se registraram, na ocasião, na capital da província de Kano.
As autoridades nigerianas pouco, ou quase nada, podem fazer para conter essas explosões de violência religiosa e tribal. Afinal, é quase impossível, senão de todo, compatibilizar os interesses e costumes de 250 comunidades diferentes. Ainda mais levando-se em conta a característica instabilidade institucional dessa República, de apenas 25 turbulentos anos de independência. Desde 1965, a Nigéria teve, pelo que nos lembramos, pelo menos três trocas violentas de governo.
Em 20 de julho de 1976, o general Iacubo Gowon, que submeteu os rebelados de Biafra, foi deposto. Pouco menos de um ano depois, o oficial que lhe aplicou o golpe de Estado, Murtala Mohammed, foi morto, em 15 de fevereiro de 1975, por jovens oficiais rebelados.
O último caso de golpismo que nos recordamos ocorreu no derradeiro dia de 1983. O presidente Shehu Shagari, que poucos meses antes havia recebido a visita do brasileiro João Figueiredo, foi, então, apeado do poder pelos militares, acusado de atos de corrupção.
Enquanto isso ocorre, o país, se bem que um dos grandes produtores de petróleo e dos maiores exportadores mundiais dessa matéria-prima, sofre desastrosa erosão econômica. Sua dívida externa aumenta perigosamente, enquanto as exportações do seu principal produto declinam.
Esse problema, que amargura, hoje, praticamente todo o Terceiro Mundo, somado à rixas seculares de suas mais de 250 etnias e às seguidas manifestações de fanatismo religioso, faz se prever que, mais dia, menos dia, dezenas de novas Biafras irão surgir na Nigéria, levando essa ex-colônia britânica da África a dias de muita aflição.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 27 de abril de 1985).
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