Liberdade é precondição da paz
Pedro J. Bondaczuk
A atribuição do Prêmio Nobel da Paz de 1989, ontem, por parte de um comitê do Parlamento norueguês, causou surpresa, sem dúvida, em muitos círculos que contavam que a láurea fosse destinada a dissidentes checos ou a movimentos pró-democracia nas Repúblicas soviéticas do Mar Báltico.
No entanto, a outorga dessa homenagem ao líder espiritual e político do povo tibetano, o Dalai Lama, foi, por diversos motivos, bem lembrada. Constituiu-se, sobretudo, num ato de justiça. Afinal, há longos trinta anos essa personalidade luta pela reconquista da liberdade da sua pátria, absorvida, a poder de armas, pela China, sem que ninguém erguesse um dedo em sua defesa.
E nestas três compridas e frustrantes décadas, em momento algum esse homem, voltado para a meditação e para os valores do espírito, pregou, ou estimulou, de qualquer forma, o recurso da violência para fazer valer os direitos do seu povo pela autonomia. Que, aliás, foram tão brutalmente suprimidos.
Alguns críticos (e estes abundam por aí) dirão, certamente, que a premiação do corrente ano foi eminentemente política. Todavia, o Prêmio Nobel da Paz sempre teve tais características. É só consultar-se a relação de seus ganhadores para que se constate isso. Por sinal, todas as atividades que exercemos têm essa configuração.
Não foi por acaso que Aristóteles definiu o homem como “um animal político”. E pobre dele se não o for! Além de fazer justiça, portanto, ao Dalai Lama, que já vinha sendo candidato pela oitava vez (e ninguém é lembrado tanto se não tiver algum mérito, convenhamos), o Prêmio Nobel da Paz deste ano terá outro mérito. O de homenagear, indiretamente, os mártires da Praça da Paz Celestial de Pequim, brutalmente massacrados pelos tanques do Exército chinês, em 3 e 4 de junho passado, somente por pedirem algo que ninguém (pessoa ou sistema) tem o direito de suprimir: a liberdade alheia. A capacidade de alguém decidir o que fazer com a própria vida e a possibilidade de influir nos atos da comunidade em que estiver inserido.
O governo da China entendeu a mensagem. Tanto é que o porta-voz da sua embaixada em Oslo protestou e disse que a premiação era uma clara “interferência nos assuntos internos” chineses. E esse país, o que fez com o Tibete? Como tratou aqueles que se recusaram a perder sua nacionalidade? Como agiu em relação aos dissidentes tibetanos, em meses recentes, desarmados e amordaçados, com medo até de falar sobre seus sentimentos nacionais, e por isso implicar até mesmo em risco de morte?
Se o prêmio é da paz, não poderia estar em melhores mãos do que nas do Dalai Lama. Lutar pela liberdade também é uma forma de promover a pacificação. E poucos líderes enfrentaram, nos últimos anos, uma tarefa mais espinhosa e solitária do que esse homem de fé.
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 6 de outubro de 1989).
Pedro J. Bondaczuk
A atribuição do Prêmio Nobel da Paz de 1989, ontem, por parte de um comitê do Parlamento norueguês, causou surpresa, sem dúvida, em muitos círculos que contavam que a láurea fosse destinada a dissidentes checos ou a movimentos pró-democracia nas Repúblicas soviéticas do Mar Báltico.
No entanto, a outorga dessa homenagem ao líder espiritual e político do povo tibetano, o Dalai Lama, foi, por diversos motivos, bem lembrada. Constituiu-se, sobretudo, num ato de justiça. Afinal, há longos trinta anos essa personalidade luta pela reconquista da liberdade da sua pátria, absorvida, a poder de armas, pela China, sem que ninguém erguesse um dedo em sua defesa.
E nestas três compridas e frustrantes décadas, em momento algum esse homem, voltado para a meditação e para os valores do espírito, pregou, ou estimulou, de qualquer forma, o recurso da violência para fazer valer os direitos do seu povo pela autonomia. Que, aliás, foram tão brutalmente suprimidos.
Alguns críticos (e estes abundam por aí) dirão, certamente, que a premiação do corrente ano foi eminentemente política. Todavia, o Prêmio Nobel da Paz sempre teve tais características. É só consultar-se a relação de seus ganhadores para que se constate isso. Por sinal, todas as atividades que exercemos têm essa configuração.
Não foi por acaso que Aristóteles definiu o homem como “um animal político”. E pobre dele se não o for! Além de fazer justiça, portanto, ao Dalai Lama, que já vinha sendo candidato pela oitava vez (e ninguém é lembrado tanto se não tiver algum mérito, convenhamos), o Prêmio Nobel da Paz deste ano terá outro mérito. O de homenagear, indiretamente, os mártires da Praça da Paz Celestial de Pequim, brutalmente massacrados pelos tanques do Exército chinês, em 3 e 4 de junho passado, somente por pedirem algo que ninguém (pessoa ou sistema) tem o direito de suprimir: a liberdade alheia. A capacidade de alguém decidir o que fazer com a própria vida e a possibilidade de influir nos atos da comunidade em que estiver inserido.
O governo da China entendeu a mensagem. Tanto é que o porta-voz da sua embaixada em Oslo protestou e disse que a premiação era uma clara “interferência nos assuntos internos” chineses. E esse país, o que fez com o Tibete? Como tratou aqueles que se recusaram a perder sua nacionalidade? Como agiu em relação aos dissidentes tibetanos, em meses recentes, desarmados e amordaçados, com medo até de falar sobre seus sentimentos nacionais, e por isso implicar até mesmo em risco de morte?
Se o prêmio é da paz, não poderia estar em melhores mãos do que nas do Dalai Lama. Lutar pela liberdade também é uma forma de promover a pacificação. E poucos líderes enfrentaram, nos últimos anos, uma tarefa mais espinhosa e solitária do que esse homem de fé.
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 6 de outubro de 1989).
No comments:
Post a Comment