Monday, August 10, 2009

Etapas de uma mudança


Pedro J. Bondaczuk

A nossa vida é um contínuo e ininterrupto processo de mudança. Mudam as pessoas, com milhões de nascimentos e mortes praticamente a cada segundo de cada dia mundo afora; mudam os cenários; mudam as circunstâncias; mudamos nós. Nada é estático, embora às vezes nos pareça que seja.
A Terra gira, continuamente, ao redor do próprio eixo (posto que imaginário), orbita o sol, que por sua vez está em movimento incessante no interior da galáxia que integra e esta viaja a velocidade espantosa e inconcebível no vácuo rumo a um destino ignoto. A vida e o universo são dinâmicos.
Algumas mudanças são tão imperceptíveis que requerem certo tempo para que as notemos. Outras tantas são abruptas, velozes, instantâneas e quase sempre nos pegam de surpresa (não importa se sejam para melhor ou pior).
Mudamos todos os dias, a partir da nossa própria estrutura física. Somos vida composta por muitas vidas, que dependem de permanecermos vivos para sobreviverem também, mas que têm ciclos vitais autônomos: nascimentos, reproduções e mortes.
Todas as células do nosso corpo, independente de suas funções e morfologias, morrem e são substituídas por suas “descendentes” num processo que só se encerra quando morremos. Podemos, pois, afirmar, que a cada dia, somos outra pessoa, embora aparentemos ser sempre a mesma.
Nicoló Maquivel constatou: “Uma mudança deixa sempre patamares para uma nova mudança”. E assim, sucessivamente. Esse processo se encerra (para nós, não para a Terra, o sol, a galáxia e o universo) quando nos extinguimos. E mesmo então, continuamos mudando, posto que agora na condição de seres inanimados, de “objetos” materiais, com a contínua decomposição do que um dia foi nosso corpo.
O veneno que nos é mais letal (e que ingerimos continuamente, com prazer e sofreguidão) e mais cruel (posto que manifesta sua absoluta letalidade lentamente, quase nunca de imediato) é o tempo. Trata-se do grande agente das mudanças, algumas temporariamente para melhor, mas cujo resultado final é sempre o mesmo: nossa derrocada, extinção e posterior decomposição.
O filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson escreveu, em seu livro “Old Age”, a esse propósito: “Tabaco, café, álcool, ácido prússico, estricnina – todos não passam de poções diluídas: o mais infalível veneno é o tempo. Essa taça, que a natureza nos põe nos lábios, possui uma propriedade maravilhosa que supera qualquer outra bebida. Ela abre os sentidos, adiciona poder e povoa-nos de sonhos exaltados, a que chamamos esperança, amor, ambição, ciência. Em particular, ela desperta o desejo por maiores doses de si. Mas aqueles que tomam as maiores doses ficam embriagados, perdem estatura, força, beleza e sentidos e terminam em fantasia e delírio”.
E não é o que acontece? Não vivemos projetando futuros radiosos, sem atentarmos para as mudanças decadentes que o tempo promove em nós, deixando de usufruir plenamente cada dia que nos é dado viver?!
Tomamos doses crescentes desse veneno, achando que se trate do elixir da juventude que nos proporcione vida eterna, e ficamos embriagados, totalmente bêbados com ele. Não percebemos quando perdemos estatura, já que com a velhice “encolhemos” alguns centímetros.
A perda de força, por seu turno, se manifesta igualmente com lentidão, tanta que tardamos a nos aperceber desse enfraquecimento. A beleza? Nada é mais transitório, efêmero e enganador. Ao nos acharmos belos, quando gozamos do vigor e do esplendor da juventude, estamos, sem dúvida, embriagadíssimos.
Não nos damos conta das mudanças que ocorrem em nosso corpo, em nossa pele, em nossos olhos e em nossos cabelos, a despeito dos espelhos. Achamos que a tal “beleza” é perene e interminável Subitamente, porém, ao tentarmos conquistar uma jovem parceira, que nos encante com seu frescor e juventude (que um dia, também, irão acabar), nos achando ainda belos e atrativos como outrora, ficamos negativamente surpresos e, sobretudo, aturdidos. Isso ocorre, principalmente, quando o alvo da nossa até instintiva caçada esbraveja, entredentes, ou, o que é pior, responde, com gracioso ar de galhofa, à nossa galanteria: “Você não se enxerga, seu velho babão?!”. Pois é... Não nos enxergamos de fato.
Porém, nem mesmo este choque de realidade nos cura da embriaguez produzida por essa poção doce, porém implacavelmente venenosa. Continuamos aspirando por um “futuro”, inquietos e impacientes com a sua demora, iludidos de que nele reencontraremos amores perdidos e a felicidade (que não raro está em nossas mãos o tempo todo, mas que, insensatamente, deixamos escapar por entre os dedos), quando na verdade o que está à nossa espera é a última das nossas mudanças: a morte. Embriagados ou não, todavia, desta não há como fugir.

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