Thursday, August 20, 2009

Dádivas desprezadas


Pedro J. Bondaczuk

Não sou dado a tratar de temas religiosos, pois não sou teólogo e religião, portanto, está longe de se constituir em minha especialidade. Vez ou outra, porém, analiso algum assunto dessa natureza, mas com o olhar de um literato (quiçá de um filósofo), sem atentar, por conseqüência, para dogmas e nem contestar a fé alheia (que respeito profundamente, mesmo quando eventualmente não concorde com o objeto ao qual ela é voltada).
Crença é crença, e ponto final. Se o sujeito quiser acreditar que determinada pedra, ou mesa, ou cadeira ou outro objeto inanimado qualquer é “milagroso”, é problema dele. Quem estará incorrendo em erro será ele, não eu. Cabe-me somente respeitar o que ele acredita, desde que, claro, não tente me convencer a também crer no que ele crê. Da mesma forma que respeito sua crença, exijo que respeitem a minha. Reitero que não me sinto habilitado a fazer proselitismo e nem a converter quem quer que seja. Deixo isso a cargo padres, pastores e sacerdotes dos milhares de religiões que há por aí.
O que me mobiliza e é foco constante dos meus esforços é o estudo do comportamento. Procuro entender o que motiva determinada pessoa a crer em alguma divindade em detrimento de outra. Nesse estudo, não faço, óbvio, juízo de valor. Não discuto se as crenças são certas ou erradas. Quem sou eu para fazer esse tipo de julgamento? A única coisa que recomendo é que as pessoas fundamentem sua fé numa certa lógica. Que o façam com senso crítico, pois dessa forma ela se tornará mais profunda e incontestável.
Uma das coisas que mais me intrigam e aborrecem é a falta de gratidão do homem (inclusive e, talvez principalmente, a minha), face às dádivas diárias de Deus (e aqui não importa o nome ou a forma como o representem). Vivemos nos preocupando com o dia de amanhã, sem atentarmos que nem ao menos poderemos ter um. Apregoamos aos quatro ventos termos fé, mas raramente a manifestamos na prática.
Quem crê, de fato, em Deus, tem motivos para se preocupar quanto ao o que vai comer amanhã, ou como irá se vestir, ou em que casa irá morar, ou em que lugar irá trabalhar? Essa preocupação obsessiva não é, porventura, falta de confiança na proteção divina? E quem não confia, irrestritamente, não pode dizer que tem fé. Rigorosamente, não tem!
Érico Veríssimo escreveu um texto magnífico a esse propósito, no romance “Olhai os lírios do campo (Editora Globo, página 164, capítulo 13, parágrafos 2 e 3). Referiu-se, especificamente, a este monumento de sabedoria e verdade, que é o Sermão da Montanha, feito por Jesus Cristo, pouco tempo antes de ser entregue aos seus algozes. Analiso-o não à luz da religião, mas como roteiro de vida, que serve, a caráter, até para quem se confesse empedernido ateu (duvido que, de fato, exista algum, a menos que se trate de um desmiolado e absolutamente alienado de tudo e de todos). Não reproduzirei as palavras do magnífico Rabi, mas recomendo que você leia, meu caro leitor, com atenção e espírito crítico, na Bíblia. Só assim conseguirá apreender o tanto de sabedoria, beleza, verdade e grandeza que há nessas palavras.
Reproduzo, sim, o trecho citado de Érico Veríssimo: “Peço-te que pegues a minha Bíblia que está na estante de livros, perto do rádio, e leias apenas o Sermão da Montanha. Não te será difícil achar, pois a página está marcada com uma tira de papel. Os homens deviam ler e meditar esse trecho, principalmente no ponto em que Jesus nos fala dos lírios do campo que não trabalham nem fiam e no entanto nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como um deles. Está claro que não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar de papo para o ar esperando que tudo nos caia do céu. É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza. Mas precisamos dar um sentido humano às nossas construções. E quando o amor ao dinheiro, ao sucesso nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu”.
Acaso você sabe fazer esses intervalos, essas paradas necessárias e indispensáveis da maluca e insensata corrida humana atrás de sombras, sem atentar para as substâncias, caríssimo leitor? Se não sabe, busque aprender e rapidinho. Amanhã poderá não haver mais tempo. Ademais, você pode, eventualmente, sequer ter um amanhã.
Olhe os lírios do campo. Aprecie sua beleza. Sobretudo, valorize-a. Tenha fé, sim, mas fé ativa, viva, vibrante e irrestrita. Saiba ser, nem que seja apenas um pouquinho, grato pelos inúmeros privilégios que tem. Seja qual for sua situação, admita, você é privilegiado. Olhando ao redor, verá que sempre há alguém em situação pior do que a sua (caso a sua não seja das melhores).
Não se limite a praticar uma religião apenas formal, caracterizada por ritos, que você executa automaticamente, sem a mínima noção do seu significado, achando que, dessa maneira, “presta um favor” a Deus. Leia o Sermão da Montanha. E, mesmo que apregoe por aí ser empedernido ateu (o que, reitero, duvido que de fato seja) tente contestar uma só palavra dessa magnífica prédica de Cristo. Duvido que, com sua empáfia e sua abissal insignificância face ao universo, o consiga!

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