A paixão, em si, é cega, e, a priori, nem é um bem e nem um mal. Cabe-nos direcioná-la corretamente, para que se torne força irresistível e benigna que atue exclusivamente a nosso favor. Sem ela, nada do que fizermos atingirá a excelência e a perfeição. É possível fazer isso? Sim! Muitos e muitos o fizeram. Michelangelo, por exemplo, estava dominado por intensa paixão ao esculpir a estátua de Moisés, em 1505 – que pode ser apreciada em todo seu esplendor na Igreja San Pietro in Vincoli, em Roma. Essa obra atingiu tamanho grau de perfeição, que seu ilustre autor, num momento de alucinação diante de tanta beleza, teria exclamado: “Parla, Moses!”. De fato, a estátua só falta falar. Dante Alighieri, igualmente, punha chispas pelos olhos ao erigir sua “Divina Comédia”, que o consagrou como um dos maiores poetas de todos os tempos. A mesma fúria criativa tomou conta de Beethoven, Tchaikowsky, Rembrandt, Rafael, Velazquez, Monet, Manet, Gauguin, Van Gogh e vai por aí afora. Faça, portanto, o que fizer, coloque paixão em sua obra e ela irá beirar à perfeição.
Monday, August 31, 2009
A escola da rua
Pedro J. Bondaczuk
A “escola da rua”, para pessoas que, mediante a intuição, saibam distinguir o bem do mal, o positivo do negativo e o desejável do detestável, é, a meu ver, a que melhor prepara quem nasce em lares desestruturados, desses que sequer merecem essa designação por se constituírem em “sucursais do inferno”, para a vida. Pior para elas são instituições do tipo Febem ou o que o valha. Ressalte-se que nem todos os que são relegados a esse tipo de abandono se marginalizam, descambam para a criminalidade e se tornam irremissíveis perdedores, como amiúde se pensa.
É claro que não recomendo (nem seria maluco de recomendar) esse tipo de experiência para quem quer que seja. Raros são os que sequer sobrevivem a tamanho abandono. E mais: raros ainda são os que dão a volta por cima e se tornam “alguém”, ou seja, que resgatam (ou na verdade constroem) a identidade, saem do subterrâneo social e se tornam minimamente úteis à sociedade.
Ressalto, apenas, que para os que, por causa das circunstâncias, se vêem relegados a esse terrível tipo de vida, sempre haverá uma saída, se a souberem procurar. E, se forem corajosos, determinados, observadores e, sobretudo inventivos, descobrirão a forma de transformar essa calamitosa situação em precioso aprendizado. É verdade que poucos conseguem sair de tão baixo sequer para uma condição um pouquinho melhor. A maioria sucumbe. E muito mais raro é alguém que passa por esse inferno obter o que costumamos chamar de “sucesso”. Mas quem consegue...
Há figuras públicas que, mesmo que desconheçamos suas vidas particulares, nos fascinam, comovem e conquistam. Algumas, tão logo tomemos conhecimento de como de fato são, nos decepcionam, é verdade. Outras, porém, assenhoreiam-se definitivamente da nossa estima e tornam-se tão familiares e queridas para nós como se fossem nossos parentes (pais, irmãos, primos) ou como se vivessem conosco debaixo do mesmo teto.
Isso ocorreu comigo em relação ao ator Charles Chaplin. Quando assisti (com seis anos de idade) seus primeiros filmes, interpretando Carlitos, o “adorável vagabundo”, simpatizei de cara com o personagem. Era o “malandro” no bom sentido, ou seja, o que, improvisando soluções, saía das dificuldades sem fazer grande esforço e sem prejudicar ninguém. Eu ria (na verdade gargalhava) espontaneamente das suas trapalhadas, admirava sua sagacidade em driblar as “autoridades” que tentavam barrar seu caminho e da esperteza com que agia para sobreviver em meio à absoluta carência.
Comecei, portanto, amando o “personagem”, não seu intérprete e criador. Não conhecia coisíssima alguma a seu respeito. Não sabia nada, nada mesmo, sequer quando e onde nasceu. Achava, por exemplo, que fosse norte-americano (não era, era inglês).
Com o tempo, já jornalista, comecei a reunir informações sobre Charles Chaplin. E quanto mais sabia a seu respeito, mais cresciam minha admiração, respeito e estima por ele. Há coisas, sobre personalidades públicas, que associamos a fatos ligados à nossa própria vida. E, quando pensamos nelas, de imediato nos vem à memória, como que num processo mnemônico, exatamente aquilo que nos diz respeito.
Soube, por exemplo, que Chaplin nasceu em 1889. Ora, esse foi o ano do nascimento do meu avô Hilarion, a quem amei sem reservas por sua bondade, força e coragem (e que amarei para sempre, enquanto viver). Era o pai do meu pai. Viveu exatos 105 anos e 11 meses, ativo, lúcido, sábio e bondoso. Morreu em 20 de setembro de 1995, rigorosamente um mês antes de completar 106 anos, que faria em 20 de outubro.
Mesmo que não conhecesse mais nada a respeito de Charles Chaplin, portanto, o estimaria apenas por este pequeno detalhe. Ou seja, por me trazer à memória essa identidade com o meu avô: o mesmo ano do nascimento.
Mas resolvi me aprofundar em sua biografia. E, à medida que o ia conhecendo mais e mais, minha admiração e estima por essa figura carismática tendia a crescer celeremente, sem limites, virtualmente ao infinito. Sua trajetória de vida, para o meu espanto, guardava inúmeras semelhanças com o Carlitos, querido e inesquecível personagem da minha meninice.
Charles Spencer Chaplin, por exemplo, pelo histórico da sua infância, tinha tudo para se transformar num marginal, desses inadaptados para o convívio social, frutos de lares mal-formados que, por falta de orientação segura e de bons exemplos a seguir, descambam para a criminalidade, exsudando ódio e rancor por todos os poros, contra tudo e contra todos, notadamente contra uma sociedade que os abandona e discrimina, que não conseguem entender e que, sobretudo, os rejeita como “erros da natureza”.
Se sucesso fosse questão de berço, portanto, Chaplin já nasceria irremediavelmente derrotado. O pai, por exemplo, era alcoólatra inveterado, sem nenhuma condição de cuidar sequer de si mesmo, cujo único objetivo era conseguir alguns trocados a cada dia para satisfazer o vício. Morreu precocemente, como seria de se esperar, em conseqüência do alcoolismo. A mãe não era melhor. Era cantora de cabaré, sem nenhum talento e não raro teve que se prostituir para sobreviver.
Lar, portanto.... Chaplin nunca teve. E quem se encarregava do sustento e da educação do garoto? Ninguém! Ou melhor, a rua, onde aprendeu a se virar. Alguns de seus biógrafos garantem, mesmo, que teve que praticar pequenos furtos, para não morrer de fome. Seria previsível que assim fosse. Não persistiu, contudo, nessa prática.
Aprendeu um pouco aqui, um pouco ali, de tudo o que era necessário não só para sobreviver, mas para sair daquele pântano social. E deu no que deu. Tornou-se não apenas celebridade do mundo das artes, mas um mito do século XX. Certamente voltarei a escrever a respeito.
Anatole France, o laureado escritor francês, escreveu, certa feita (se não me engano, no romance “O manequim de vime”): “De todas as escolas que freqüentei, a da rua foi a que me pareceu melhor”. Nela, pelo menos, se a pessoa tiver um tiquinho que seja de cabeça, se não se corromper e nem desanimar, aprenderá (posto que na marra) as regras básicas da sobrevivência. Charles Chaplin que o diga!
A “escola da rua”, para pessoas que, mediante a intuição, saibam distinguir o bem do mal, o positivo do negativo e o desejável do detestável, é, a meu ver, a que melhor prepara quem nasce em lares desestruturados, desses que sequer merecem essa designação por se constituírem em “sucursais do inferno”, para a vida. Pior para elas são instituições do tipo Febem ou o que o valha. Ressalte-se que nem todos os que são relegados a esse tipo de abandono se marginalizam, descambam para a criminalidade e se tornam irremissíveis perdedores, como amiúde se pensa.
É claro que não recomendo (nem seria maluco de recomendar) esse tipo de experiência para quem quer que seja. Raros são os que sequer sobrevivem a tamanho abandono. E mais: raros ainda são os que dão a volta por cima e se tornam “alguém”, ou seja, que resgatam (ou na verdade constroem) a identidade, saem do subterrâneo social e se tornam minimamente úteis à sociedade.
Ressalto, apenas, que para os que, por causa das circunstâncias, se vêem relegados a esse terrível tipo de vida, sempre haverá uma saída, se a souberem procurar. E, se forem corajosos, determinados, observadores e, sobretudo inventivos, descobrirão a forma de transformar essa calamitosa situação em precioso aprendizado. É verdade que poucos conseguem sair de tão baixo sequer para uma condição um pouquinho melhor. A maioria sucumbe. E muito mais raro é alguém que passa por esse inferno obter o que costumamos chamar de “sucesso”. Mas quem consegue...
Há figuras públicas que, mesmo que desconheçamos suas vidas particulares, nos fascinam, comovem e conquistam. Algumas, tão logo tomemos conhecimento de como de fato são, nos decepcionam, é verdade. Outras, porém, assenhoreiam-se definitivamente da nossa estima e tornam-se tão familiares e queridas para nós como se fossem nossos parentes (pais, irmãos, primos) ou como se vivessem conosco debaixo do mesmo teto.
Isso ocorreu comigo em relação ao ator Charles Chaplin. Quando assisti (com seis anos de idade) seus primeiros filmes, interpretando Carlitos, o “adorável vagabundo”, simpatizei de cara com o personagem. Era o “malandro” no bom sentido, ou seja, o que, improvisando soluções, saía das dificuldades sem fazer grande esforço e sem prejudicar ninguém. Eu ria (na verdade gargalhava) espontaneamente das suas trapalhadas, admirava sua sagacidade em driblar as “autoridades” que tentavam barrar seu caminho e da esperteza com que agia para sobreviver em meio à absoluta carência.
Comecei, portanto, amando o “personagem”, não seu intérprete e criador. Não conhecia coisíssima alguma a seu respeito. Não sabia nada, nada mesmo, sequer quando e onde nasceu. Achava, por exemplo, que fosse norte-americano (não era, era inglês).
Com o tempo, já jornalista, comecei a reunir informações sobre Charles Chaplin. E quanto mais sabia a seu respeito, mais cresciam minha admiração, respeito e estima por ele. Há coisas, sobre personalidades públicas, que associamos a fatos ligados à nossa própria vida. E, quando pensamos nelas, de imediato nos vem à memória, como que num processo mnemônico, exatamente aquilo que nos diz respeito.
Soube, por exemplo, que Chaplin nasceu em 1889. Ora, esse foi o ano do nascimento do meu avô Hilarion, a quem amei sem reservas por sua bondade, força e coragem (e que amarei para sempre, enquanto viver). Era o pai do meu pai. Viveu exatos 105 anos e 11 meses, ativo, lúcido, sábio e bondoso. Morreu em 20 de setembro de 1995, rigorosamente um mês antes de completar 106 anos, que faria em 20 de outubro.
Mesmo que não conhecesse mais nada a respeito de Charles Chaplin, portanto, o estimaria apenas por este pequeno detalhe. Ou seja, por me trazer à memória essa identidade com o meu avô: o mesmo ano do nascimento.
Mas resolvi me aprofundar em sua biografia. E, à medida que o ia conhecendo mais e mais, minha admiração e estima por essa figura carismática tendia a crescer celeremente, sem limites, virtualmente ao infinito. Sua trajetória de vida, para o meu espanto, guardava inúmeras semelhanças com o Carlitos, querido e inesquecível personagem da minha meninice.
Charles Spencer Chaplin, por exemplo, pelo histórico da sua infância, tinha tudo para se transformar num marginal, desses inadaptados para o convívio social, frutos de lares mal-formados que, por falta de orientação segura e de bons exemplos a seguir, descambam para a criminalidade, exsudando ódio e rancor por todos os poros, contra tudo e contra todos, notadamente contra uma sociedade que os abandona e discrimina, que não conseguem entender e que, sobretudo, os rejeita como “erros da natureza”.
Se sucesso fosse questão de berço, portanto, Chaplin já nasceria irremediavelmente derrotado. O pai, por exemplo, era alcoólatra inveterado, sem nenhuma condição de cuidar sequer de si mesmo, cujo único objetivo era conseguir alguns trocados a cada dia para satisfazer o vício. Morreu precocemente, como seria de se esperar, em conseqüência do alcoolismo. A mãe não era melhor. Era cantora de cabaré, sem nenhum talento e não raro teve que se prostituir para sobreviver.
Lar, portanto.... Chaplin nunca teve. E quem se encarregava do sustento e da educação do garoto? Ninguém! Ou melhor, a rua, onde aprendeu a se virar. Alguns de seus biógrafos garantem, mesmo, que teve que praticar pequenos furtos, para não morrer de fome. Seria previsível que assim fosse. Não persistiu, contudo, nessa prática.
Aprendeu um pouco aqui, um pouco ali, de tudo o que era necessário não só para sobreviver, mas para sair daquele pântano social. E deu no que deu. Tornou-se não apenas celebridade do mundo das artes, mas um mito do século XX. Certamente voltarei a escrever a respeito.
Anatole France, o laureado escritor francês, escreveu, certa feita (se não me engano, no romance “O manequim de vime”): “De todas as escolas que freqüentei, a da rua foi a que me pareceu melhor”. Nela, pelo menos, se a pessoa tiver um tiquinho que seja de cabeça, se não se corromper e nem desanimar, aprenderá (posto que na marra) as regras básicas da sobrevivência. Charles Chaplin que o diga!
Sunday, August 30, 2009
REFLEXÂO DO DIA
A atual civilização tecnológica, originalmente ocidental, mas que, com o processo de globalização, se alastra, progressivamente pelo Oriente – inicialmente, Japão; depois, os chamados “Tigres Asiáticos” e agora, de forma avassaladora, o país mais populoso do mundo, a China, com seus mais de 1,4 bilhão de habitantes e o segundo mais povoado, a Índia, com mais de 1,1 bilhão – está com seus dias contados. Pode prevalecer por mais um par de anos ou, quando muito, por uma ou duas décadas. Mas fatalmente irá ruir, como tantas outras na história da humanidade já ruíram, sem deixar nenhuma saudade e, provavelmente, sequer vestígios. A pergunta que não quer calar se refere ao que virá depois. Haverá algum? A humanidade conseguirá encontrar alternativas para eventual recomeço ou retroagirá à barbárie? Ou nem esse retrocesso lhe será possível e se destruirá, numa hecatombe termonuclear voluntária ou acidental, ou sufocada pelos gases que gerou (e continua gerando sem-cessar)? Ou esturricada pelo crescente calor gerado pelo progressivo efeito-estufa, em lenta e dolorosa agonia? A vida, inteligente ou não, será extinta, afinal, deste Planeta? Muitos acreditam que sim. Outros tantos (poucos) crêem, ainda, numa saída. A maioria esmagadora, no entanto, permanece passiva, sem sequer se dar conta da catástrofe que já está em andamento, prestes a se configurar.
DIRETO DO ARQUIVO
Arafat tem sete vidas
Pedro J. Bondaczuk
O líder da OLP, Yasser Arafat, deu uma demonstração, ontem, em Amã, que politicamente é como o gato que, segundo a lenda, tem sete vidas. Poucos acreditavam que ele conseguiria quorum para realizar a 17ª reunião de trabalhos do Conselho Nacional Palestino, o Parlamento no exílio dessa nação sem território.
Desde a sua expulsão de Beirute, em 12 de agosto de 1982, após uma resistência heróica, quase suicida, de dois meses ao cerco das tropas israelenses (cujo assédio à capital libanesa começou a 14 de julho daquele ano), o comando desse homem de aspecto afável, mas de rija têmpera, de sangue frio e extremo realismo, passou a ser contestado por seus próprios homens.
A rebelião partiu de elementos extremistas, ligados à Síria, seguidores da orientação do presidente Hafez Assad, que não admitiram essa nova derrota palestina e muito menos a vexatória retirada de solo libanês. Arafat, diga-se de passagem, tem “know-how” de expulsões.
Em 17 de julho de 1970, por exemplo, teve que abandonar a Jordânia, após frustrada tentativa de depor o rei hachemita Hussein de seu trono, numa guerra civil sangrenta entre jordanianos e seus comandados, que durou praticamente um ano. Diversos palestinos, na ocasião, foram massacrados em acampamentos de refugiados.
O líder da OLP resolveu, então, mudar as bases de operação do seu grupo para território libanês, de onde poderia fustigar Israel. Não demorou muito, entretanto, envolveu-se em outro conflito. Os palestinos acabaram transformando-se nos pivôs de uma nova guerra civil (que ainda põe em perigo até mesmo a existência do Líbano como país independente), num incidente ocorrido em 13 de abril de 1975.
Na época, um ônibus foi atacado por milicianos falangistas libaneses, com saldo de 27 mortos. Acontece que essas vítimas eram todas palestinas. Daí em diante, o Líbano tornou-se autêntica “terra de ninguém”. Ou terra de todos os invasores.
Mas a OLP pagou um preço muito caro em vidas nesse conflito. Além dos mortos em combate, os palestinos sofreram massacres em seus acampamentos em duas oportunidades: em 1976, no campo de Tel-Al-Zaatar e em 1982, em Sabra e Chatila. Os últimos, ocorridos depois da segunda expulsão de Arafat de um país, no espaço de 12 anos.
Mas o terceiro “despejo” do líder palestino demoraria muito menos do que isso. Viria apenas um ano depois, em 1983, e seria mais vexatório. Partiria não mais de jordanianos, israelenses ou até de libaneses, mas de seus próprios seguidores. E viria como complemento de semanas de duríssimos combates, fazendo com que Arafat, sitiado na cidade de Tripoli, Norte do Líbano, cedesse às evidências e batesse mais uma vez em retirada, desta vez para a ilha de Chipre.
Desde a criação da OLP, em 1964, nunca sua liderança, portanto, foi posta em questão com tanta freqüência. Mas Yasser Arafat é como um jogador. Sabe que a derrota é decorrência natural de uma disputa, mas se dispõe a evitar que ela seja definitiva.
Só mostra suas cartas no momento certo e, com isso, surpreende, quase sempre, seus adversários. Foi o que voltou a fazer ontem, obtendo uma importante vitória, talvez a mais decisiva de toda a sua militância política.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 23 de novembro de 1984).
Pedro J. Bondaczuk
O líder da OLP, Yasser Arafat, deu uma demonstração, ontem, em Amã, que politicamente é como o gato que, segundo a lenda, tem sete vidas. Poucos acreditavam que ele conseguiria quorum para realizar a 17ª reunião de trabalhos do Conselho Nacional Palestino, o Parlamento no exílio dessa nação sem território.
Desde a sua expulsão de Beirute, em 12 de agosto de 1982, após uma resistência heróica, quase suicida, de dois meses ao cerco das tropas israelenses (cujo assédio à capital libanesa começou a 14 de julho daquele ano), o comando desse homem de aspecto afável, mas de rija têmpera, de sangue frio e extremo realismo, passou a ser contestado por seus próprios homens.
A rebelião partiu de elementos extremistas, ligados à Síria, seguidores da orientação do presidente Hafez Assad, que não admitiram essa nova derrota palestina e muito menos a vexatória retirada de solo libanês. Arafat, diga-se de passagem, tem “know-how” de expulsões.
Em 17 de julho de 1970, por exemplo, teve que abandonar a Jordânia, após frustrada tentativa de depor o rei hachemita Hussein de seu trono, numa guerra civil sangrenta entre jordanianos e seus comandados, que durou praticamente um ano. Diversos palestinos, na ocasião, foram massacrados em acampamentos de refugiados.
O líder da OLP resolveu, então, mudar as bases de operação do seu grupo para território libanês, de onde poderia fustigar Israel. Não demorou muito, entretanto, envolveu-se em outro conflito. Os palestinos acabaram transformando-se nos pivôs de uma nova guerra civil (que ainda põe em perigo até mesmo a existência do Líbano como país independente), num incidente ocorrido em 13 de abril de 1975.
Na época, um ônibus foi atacado por milicianos falangistas libaneses, com saldo de 27 mortos. Acontece que essas vítimas eram todas palestinas. Daí em diante, o Líbano tornou-se autêntica “terra de ninguém”. Ou terra de todos os invasores.
Mas a OLP pagou um preço muito caro em vidas nesse conflito. Além dos mortos em combate, os palestinos sofreram massacres em seus acampamentos em duas oportunidades: em 1976, no campo de Tel-Al-Zaatar e em 1982, em Sabra e Chatila. Os últimos, ocorridos depois da segunda expulsão de Arafat de um país, no espaço de 12 anos.
Mas o terceiro “despejo” do líder palestino demoraria muito menos do que isso. Viria apenas um ano depois, em 1983, e seria mais vexatório. Partiria não mais de jordanianos, israelenses ou até de libaneses, mas de seus próprios seguidores. E viria como complemento de semanas de duríssimos combates, fazendo com que Arafat, sitiado na cidade de Tripoli, Norte do Líbano, cedesse às evidências e batesse mais uma vez em retirada, desta vez para a ilha de Chipre.
Desde a criação da OLP, em 1964, nunca sua liderança, portanto, foi posta em questão com tanta freqüência. Mas Yasser Arafat é como um jogador. Sabe que a derrota é decorrência natural de uma disputa, mas se dispõe a evitar que ela seja definitiva.
Só mostra suas cartas no momento certo e, com isso, surpreende, quase sempre, seus adversários. Foi o que voltou a fazer ontem, obtendo uma importante vitória, talvez a mais decisiva de toda a sua militância política.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 23 de novembro de 1984).
Saturday, August 29, 2009
REFLEXÂO DO DIA
Li, recentemente, revelador artigo de Afonso Cautela, intitulado “Recuar um passo para avançar vinte”, publicado em 22 de maio de 1971 na coluna “Futuro”, da publicação “O Século Ilustrado” de Lisboa. O articulista, sem negar a realidade (que na época em que escreveu o texto nem era tão dramática como agora), manifesta crença na capacidade humana de alterar paradigmas e de encontrar, portanto, saídas, mesmo à beira do abismo (crença com a qual comungo). Inicia suas considerações assim: “Supõem alguns que falar do futuro é (apenas) prever, até às últimas conseqüências, o que vai ser esta civilização tecnológica (à qual por acaso pertencemos e é uma entre muitas das civilizações possíveis) e que nenhuma alternativa se apresenta, portanto, para substituir ou contrariar a lógica onde estamos embarcados, a ordem a que devemos obediência, a estrutura de que somos um mísero e intransponível parafuso. Como parafusos, nada nos pode tirar de onde estamos e há que seguir, na engrenagem, até à consumação dos anos, e – dizem os pessimistas – dos séculos”. Não há exagero e nem generalização nessas colocações. Toda lógica indica nessa direção. Mas não somos “parafusos”. E Cautela defende que podemos salvar o mundo, alterando os paradigmas. De fato, podemos.
Soneto à doce amada - XXXVIII
Pedro J. Bondaczuk
Você voltou, minha doce amada,
devolveu-me as ilusões perdidas.
Vamos reconstruir nossas vidas,
nossa fé, que foi tão abalada.
Voltou bela, amorosa, calada,
envolvida em aura de incerteza,
mística, exótica princesa,
alma gêmea, dulcíssima amada.
Vem! Sigamos por este caminho
que me recuso a trilhar sozinho,
em demanda à radiosa alvorada,
com passos incertos, neste escuro
túnel do tempo, rumo ao futuro,
minha doce, dulcíssima amada!
(Soneto composto em São Caetano do Sul, em 14 de outubro de 1963)
Você voltou, minha doce amada,
devolveu-me as ilusões perdidas.
Vamos reconstruir nossas vidas,
nossa fé, que foi tão abalada.
Voltou bela, amorosa, calada,
envolvida em aura de incerteza,
mística, exótica princesa,
alma gêmea, dulcíssima amada.
Vem! Sigamos por este caminho
que me recuso a trilhar sozinho,
em demanda à radiosa alvorada,
com passos incertos, neste escuro
túnel do tempo, rumo ao futuro,
minha doce, dulcíssima amada!
(Soneto composto em São Caetano do Sul, em 14 de outubro de 1963)
Friday, August 28, 2009
REFLEXÂO DO DIA
Estaria sendo moldada nova humanidade, consciente, sobretudo, da necessidade de respeito irrestrito às leis da natureza e com novos paradigmas, justos e solidários, de relacionamento entre pessoas e, por extensão, entre povos e nações? Se estiver, isso ocorre muito na surdina, sem alardes, divulgação e, principalmente, sem grandes indícios de que, de fato, esteja ocorrendo. O ecologista português Afonso Cautela assinala, em um lúcido artigo que publicou: “Por isso é que se alguns esperam um apocalipse, outros esperam também uma nova utopia. Se muitos acreditam num fim, também já há muitos que estão trabalhando para um novo começo. Se há os que contestam e colocam em questão a civilização herdada, outros estão realizando a reviravolta pacífica para um outro padrão de existência, outro tipo de relações humanas, para uma cultura, enfim, radicalmente diversa da vigente que hoje vigora”. Da minha parte digo, somente: Amém!!!!
Gênio da comunicação
Pedro J. Bondaczuk
A palavra – não importa se dita ou se escrita – é a forma mais eficaz de comunicação entre as pessoas. Mas não é a única. Ademais, para ganhar eficácia, é indispensável que se satisfaçam algumas condições para lá de óbvias, mas a que nem sempre atentamos. Por exemplo, o que é falado, para que seja entendido, é preciso, antes de tudo, que o interlocutor “ouça” o que se diz. Se for surdo...
Outra condição é que o que se fala seja coerente. E essa coerência não se consegue com uma única palavra. São necessárias várias delas, formando sentenças que tenham sentido. Caso contrário... Uma terceira condição é que se fale numa língua que quem conversa conosco entenda. Se eu falar em mandarim, por exemplo, e meu interlocutor só conhecer o inglês, nos limitaremos a fazer ruído com a garganta, sem que haja o mínimo entendimento entre nós. Isso é óbvio, mas nem todas as pessoas atentam para tais evidências.
No que diz respeito à palavra escrita, a condição sine qua non para que se estabeleça verdadeira comunicação é que nosso suposto leitor saiba ler. Caso contrário... Se for analfabeto, para ele, cada letra parecerá, apenas, um desenho exótico, e nada mais. Além disso, têm que ser preenchidas as mesmas condições da palavra falada (exceto a da não surdez). Ou seja, ela deve vir acompanhada de outras, dentro de um contexto lógico, que, juntadas, formem sentido. E que seja escrita no idioma da pessoa com a qual pretendemos nos comunicar.
O jornalista norte-americano, Leo Rosten, provavelmente tendo implícito que as condições que citei fossem plenamente satisfeitas, escreveu, na revista “Look”: “Vivemos por palavras: amor, verdade, Deus. Lutamos por palavras: liberdade, pátria, fama. Morremos por palavras: liberdade, glória, honra. Elas dão ao nosso espírito e ao nosso coração o dom inestimável da expressão articulada – desde ‘mamãe’ a ‘infinito’. E os homens que realmente moldam os nossos destinos, os gigantes que nos ensinam, inspiram e conduzem a feitos imortais, são aqueles que usam as palavras com grandeza, clareza e paixão: Sócrates, Jesus, Lutero, Lincoln e Churchill”.
A esta altura eu lhe pergunto, arguto leitor: “É possível estabelecermos uma comunicação coerente, lúcida e eficaz sem nos valermos de uma única palavra?”. Da minha parte, entendo que sim. E justifico. Um dos maiores gênios da comunicação do século XX (e provavelmente de todos os tempos), que emocionou, encantou, fez rir e fez chorar platéias do mundo todo, e até hoje encanta e emociona gerações, muitos anos após sua morte, conseguiu esse feito.
Se é uma regra, se o uso de palavras é o meio mais eficaz de comunicar idéias, pensamentos e sentimentos, ou, quem sabe, único, Charles Spencer Chaplin e, mais precisamente, o personagem que imortalizou nas telas de cinema, o simpático “vagabundo” Carlitos, foi significativa exceção.
A ternura, a simplicidade e as mensagens de solidariedade e amor que transmitiu se estamparam, apenas, em sua caricata figura. Não precisou abrir a boca e proferir uma só palavra para se fazer entendido. Ademais, no tempo em que se consagrou, não havia recursos para se gravar sons. O cinema ainda engatinhava e era mudo.
Chaplin não se comunicava por gestos porque não soubesse falar. Tanto que fez vários filmes – quando a tecnologia da Sétima Arte evoluiu a ponto de tornar isso possível – em que “falou”. E muito. E bem demais. Sabia, portanto, usar, e muito bem, as palavras: falando e escrevendo. Tanto que nos legou textos e mais textos repletos de sabedoria e verdade. Mas sua genialidade se manifestou, por inteiro, no adorável vagabundo, que se expressava somente por gestos, que era mudo, que ele criou e tão bem interpretou.
Carlitos não se tratou de mero tipo, dos tantos criados por humoristas de todos os tempos (inclusive do nosso). Fosse interpretado por outro ator qualquer, que não Chaplin – talento cujo nome deve vir sempre acompanhado do adjetivo “gênio”, que ele, de fato, foi em sua especialidade –, certamente não causaria maior impacto no público, ou, quem sabe, nenhum.
Poderia ser mais um desses tantos bufões ridículos e exagerados, que surgem amiúde nos palcos, picadeiros e telas da vida, tão efêmeros quanto seus criadores ou intérpretes que lhes emprestam a imagem. O que o adorável vagabundo conseguiu, porém, foi estabelecer absoluta empatia conosco, homens comuns e simples, não raro humilhados e ofendidos, se não por outra coisa, pelo menos por nossa condição de anônimos.
Nós, que volta e meia somos “chateados” por tarefas muitas vezes rotineiras e maçantes, mas que temos que executar, para garantir nosso sustento. Nós, que somos neurotizados por uma sociedade injusta e excludente, que perdeu o senso de valores, notadamente os da verdade, bondade e solidariedade. Nós, que vivemos aterrorizados com as perspectivas sombrias de uma hecatombe anunciada, dada a acelerada destruição do Planeta em que vivemos, que nos ameaça de aniquilação e que nos vemos impotentes para evitar. Nós, que somos considerados meros números estatísticos, perfeitamente descartáveis, pelos poderosos tiranos, travestidos de democratas. Nós, pessoas de carne e osso, subjugadas pelas circunstâncias, nos identificamos com Carlitos. Por isso, o amamos. Que tremendo gênio da comunicação foi este Charles Chaplin que, se estivesse vivo, estaria completando 120 anos de nascimento neste ano da graça (ou desgraça?) de 2009!!!
A palavra – não importa se dita ou se escrita – é a forma mais eficaz de comunicação entre as pessoas. Mas não é a única. Ademais, para ganhar eficácia, é indispensável que se satisfaçam algumas condições para lá de óbvias, mas a que nem sempre atentamos. Por exemplo, o que é falado, para que seja entendido, é preciso, antes de tudo, que o interlocutor “ouça” o que se diz. Se for surdo...
Outra condição é que o que se fala seja coerente. E essa coerência não se consegue com uma única palavra. São necessárias várias delas, formando sentenças que tenham sentido. Caso contrário... Uma terceira condição é que se fale numa língua que quem conversa conosco entenda. Se eu falar em mandarim, por exemplo, e meu interlocutor só conhecer o inglês, nos limitaremos a fazer ruído com a garganta, sem que haja o mínimo entendimento entre nós. Isso é óbvio, mas nem todas as pessoas atentam para tais evidências.
No que diz respeito à palavra escrita, a condição sine qua non para que se estabeleça verdadeira comunicação é que nosso suposto leitor saiba ler. Caso contrário... Se for analfabeto, para ele, cada letra parecerá, apenas, um desenho exótico, e nada mais. Além disso, têm que ser preenchidas as mesmas condições da palavra falada (exceto a da não surdez). Ou seja, ela deve vir acompanhada de outras, dentro de um contexto lógico, que, juntadas, formem sentido. E que seja escrita no idioma da pessoa com a qual pretendemos nos comunicar.
O jornalista norte-americano, Leo Rosten, provavelmente tendo implícito que as condições que citei fossem plenamente satisfeitas, escreveu, na revista “Look”: “Vivemos por palavras: amor, verdade, Deus. Lutamos por palavras: liberdade, pátria, fama. Morremos por palavras: liberdade, glória, honra. Elas dão ao nosso espírito e ao nosso coração o dom inestimável da expressão articulada – desde ‘mamãe’ a ‘infinito’. E os homens que realmente moldam os nossos destinos, os gigantes que nos ensinam, inspiram e conduzem a feitos imortais, são aqueles que usam as palavras com grandeza, clareza e paixão: Sócrates, Jesus, Lutero, Lincoln e Churchill”.
A esta altura eu lhe pergunto, arguto leitor: “É possível estabelecermos uma comunicação coerente, lúcida e eficaz sem nos valermos de uma única palavra?”. Da minha parte, entendo que sim. E justifico. Um dos maiores gênios da comunicação do século XX (e provavelmente de todos os tempos), que emocionou, encantou, fez rir e fez chorar platéias do mundo todo, e até hoje encanta e emociona gerações, muitos anos após sua morte, conseguiu esse feito.
Se é uma regra, se o uso de palavras é o meio mais eficaz de comunicar idéias, pensamentos e sentimentos, ou, quem sabe, único, Charles Spencer Chaplin e, mais precisamente, o personagem que imortalizou nas telas de cinema, o simpático “vagabundo” Carlitos, foi significativa exceção.
A ternura, a simplicidade e as mensagens de solidariedade e amor que transmitiu se estamparam, apenas, em sua caricata figura. Não precisou abrir a boca e proferir uma só palavra para se fazer entendido. Ademais, no tempo em que se consagrou, não havia recursos para se gravar sons. O cinema ainda engatinhava e era mudo.
Chaplin não se comunicava por gestos porque não soubesse falar. Tanto que fez vários filmes – quando a tecnologia da Sétima Arte evoluiu a ponto de tornar isso possível – em que “falou”. E muito. E bem demais. Sabia, portanto, usar, e muito bem, as palavras: falando e escrevendo. Tanto que nos legou textos e mais textos repletos de sabedoria e verdade. Mas sua genialidade se manifestou, por inteiro, no adorável vagabundo, que se expressava somente por gestos, que era mudo, que ele criou e tão bem interpretou.
Carlitos não se tratou de mero tipo, dos tantos criados por humoristas de todos os tempos (inclusive do nosso). Fosse interpretado por outro ator qualquer, que não Chaplin – talento cujo nome deve vir sempre acompanhado do adjetivo “gênio”, que ele, de fato, foi em sua especialidade –, certamente não causaria maior impacto no público, ou, quem sabe, nenhum.
Poderia ser mais um desses tantos bufões ridículos e exagerados, que surgem amiúde nos palcos, picadeiros e telas da vida, tão efêmeros quanto seus criadores ou intérpretes que lhes emprestam a imagem. O que o adorável vagabundo conseguiu, porém, foi estabelecer absoluta empatia conosco, homens comuns e simples, não raro humilhados e ofendidos, se não por outra coisa, pelo menos por nossa condição de anônimos.
Nós, que volta e meia somos “chateados” por tarefas muitas vezes rotineiras e maçantes, mas que temos que executar, para garantir nosso sustento. Nós, que somos neurotizados por uma sociedade injusta e excludente, que perdeu o senso de valores, notadamente os da verdade, bondade e solidariedade. Nós, que vivemos aterrorizados com as perspectivas sombrias de uma hecatombe anunciada, dada a acelerada destruição do Planeta em que vivemos, que nos ameaça de aniquilação e que nos vemos impotentes para evitar. Nós, que somos considerados meros números estatísticos, perfeitamente descartáveis, pelos poderosos tiranos, travestidos de democratas. Nós, pessoas de carne e osso, subjugadas pelas circunstâncias, nos identificamos com Carlitos. Por isso, o amamos. Que tremendo gênio da comunicação foi este Charles Chaplin que, se estivesse vivo, estaria completando 120 anos de nascimento neste ano da graça (ou desgraça?) de 2009!!!
Thursday, August 27, 2009
REFLEXÂO DO DIA
Quando tentamos convencer alguém da exatidão de uma idéia que sequer temos absoluta convicção de ser correta, nossa responsabilidade se multiplica. Podemos, com isso, induzir o interlocutor ao erro, não raro de conseqüências irreparáveis. Agostinho da Silva, no livro “Textos e ensaios filosóficos”, recomenda: “Nunca se precipite a aderir; não se deixe levar por nenhum sentimento, exceto o do amor de entendimento, de ver o mais possível claro dentro e fora de si; critique tudo o que receba e não deixe que nada se deposite no seu espírito senão pela peneira da crítica, pelo critério da coerência, pela concordância dos fatos”. E a recomendação é válida, óbvio, quer sejamos artistas, quer cientistas ou mesmo que não exerçamos nenhuma atividade congênere, mas pretendamos pensar e agir com sabedoria e bom-senso. Nossa responsabilidade, é óbvio, se agiganta se tivermos, na sociedade, o papel de “formadores de opinião”. Trata-se de uma tarefa destinada a poucos que tenham, como principal virtude, o bom-senso e a capacidade de filtrar idéias e conceitos. Poucos a têm.
Leitura às avessas
Pedro J. Bondaczuk
A civilização (ou, pelo menos, o que entendemos que ela, de fato, seja), não é (nunca foi) um processo linear, contínuo, evolutivo, sem retrocessos. Muito pelo contrário. Caracterizou-se, desde os primórdios da história registrada, por saltos e recuos, ao sabor das gerações.
Felizmente, para nós, todavia, cada passo dado paras trás, pelos variados povos, correspondeu a dois ou mais dados para a frente, anos após. Caso isso não ocorresse, estaríamos, provavelmente, em estado de animalidade bruta, de completa selvageria, sem escrita, ciência, artes, filosofia etc., talvez habitando, ainda, em insalubres cavernas, sem saber nem ao menos como produzir o fogo e à mercê, portanto, dos elementos e dos predadores.
Em períodos diferentes da história, surgiram mentes privilegiadas, capazes de enxergar muito adiante do seu tempo, como astros luminosos que iluminaram o caminho dos povos e lideraram multidões na ingente tarefa de derrubar muralhas de preconceitos, de combater (com idéias lúcidas) o fanatismo irracional e de vencer as barreiras da intolerância, interpostas, via de regra, a poder da força bruta.
Nesse processo de avanço e recuo, muitas mentes brilhantes, raridades em todos os tempos (inclusive neste nosso, do início do terceiro milênio da Era Cristã), tombaram, nos lamentáveis períodos de refluxo da maré civilizatória, vítimas do obscurantismo, das superstições e da irracionalidade. Houvessem sido ouvidos, e acatados então, certamente o mundo seria hoje muito melhor do que de fato é.
A aparição desses gigantes da espécie, dessas mentes lucidamente geniais, não se deu, infelizmente, de forma contínua e linear, em relação ao tempo e ao espaço. Houve ocasiões em que, geração após geração, o mundo careceu da sua benigna presença. Como também houve épocas em que mais de um desses homens notáveis e sábios surgiram, às vezes numa mesma região, como ocorreu, por exemplo, no fastígio da civilização grega (ou hindu, ou chinesa etc.).
Onde e quando esses indivíduos especiais atuaram, os povos dos quais emergiram conheceram períodos marcantes, de progresso material e, sobretudo, espiritual. A Europa viveu várias dessas épocas de “fervilhar” de criatividade. Mas, ao contrário do que muitos ainda hoje supõem, para a infelicidade de suas populações, não houve continuidade.
O Velho Continente viu vários desses “saltos” de civilização e lucidez serem sucedidos por longos períodos de trevas, não raro com a duração de séculos, quando o fanatismo (sobretudo religioso) ofuscou as mentes e a violência imperou, em detrimento da razão. Basta que se analise, por exemplo, a longa era conhecida como “Idade Média”, que pode, sem nenhum exagero, ser classificada como a “Idade das Trevas” na Europa. Foi um prolongado espaço de tempo em que a barbárie imperou, sob os mais variados pretextos e disfarces, com um ou outro fugaz lampejo de luz.
Um desses momentos de brilho, de resgate de valores então há muito esquecidos (ou sufocados), sobretudo o da valorização do indivíduo, foi o que se convencionou chamar de “Renascimento”. Nele, renasceram, de fato, a racionalidade e, por conseqüência, a criatividade, propiciando o surgimento de artistas notáveis, de pensadores iluminados e lúcidos e de líderes políticos com clara e progressista perspectiva de futuro.
Foi um período de revalorização do homem, que até então se via subjugado por dogmas pueris, sem nenhum sentido, ditados por fanáticos de mente doentia, que lhe atribuíam a premente e constante necessidade de “expiar” eterna culpa de um suposto pecado original enquanto vivesse. Ou seja, a pretexto de ensinar como conquistar o “céu”, transformavam a vida dos povos num inferno. E ainda há quem justifique e defenda esse comportamento ilógico e irracional!
Preconceitos estúpidos e incompreensíveis antagonismos étnicos sempre dividiram povos, que não compreendiam (será que hoje compreendem?) que eram espécimes de uma mesmíssima espécie, posto que em estágios mentais, materiais e morais diferentes. Isso impediu, entre outras coisas (e impede ainda) que se erigisse uma civilização única, uniforme, universal, ditada exclusivamente pela razão e pela justiça e jamais pela força das armas.
Caso não houvesse essa divisão, sem lógica e sem sentido, hoje a humanidade constituiria uma única e uniforme nação: a do planeta Terra. Talvez não existissem tantas línguas (é possível que houvesse uma única) e nem tantos costumes diferentes, que nos levam, às vezes, a desconfiar que os homens não integram uma única espécie, mas várias, de origens diferentes, embora no essencial todos guardem absoluta semelhança.
O poeta e humanista indiano Rabindranath Tagore explica (ou tenta explicar) a razão de tantos recuos no processo de civilização, ao constatar: “Lemos o mundo às avessas e queixamo-nos de não o compreender”.
Em vez de queixas, todavia, o mais sábio e até óbvio é fazer sua leitura correta e assegurar, por conseqüência, um progresso contínuo, geral, irrestrito e linear da humanidade, em todos os aspectos: material, moral, espiritual, científico e, sobretudo, com absoluta justiça e igualdade de oportunidades. Será que conseguiremos?
A civilização (ou, pelo menos, o que entendemos que ela, de fato, seja), não é (nunca foi) um processo linear, contínuo, evolutivo, sem retrocessos. Muito pelo contrário. Caracterizou-se, desde os primórdios da história registrada, por saltos e recuos, ao sabor das gerações.
Felizmente, para nós, todavia, cada passo dado paras trás, pelos variados povos, correspondeu a dois ou mais dados para a frente, anos após. Caso isso não ocorresse, estaríamos, provavelmente, em estado de animalidade bruta, de completa selvageria, sem escrita, ciência, artes, filosofia etc., talvez habitando, ainda, em insalubres cavernas, sem saber nem ao menos como produzir o fogo e à mercê, portanto, dos elementos e dos predadores.
Em períodos diferentes da história, surgiram mentes privilegiadas, capazes de enxergar muito adiante do seu tempo, como astros luminosos que iluminaram o caminho dos povos e lideraram multidões na ingente tarefa de derrubar muralhas de preconceitos, de combater (com idéias lúcidas) o fanatismo irracional e de vencer as barreiras da intolerância, interpostas, via de regra, a poder da força bruta.
Nesse processo de avanço e recuo, muitas mentes brilhantes, raridades em todos os tempos (inclusive neste nosso, do início do terceiro milênio da Era Cristã), tombaram, nos lamentáveis períodos de refluxo da maré civilizatória, vítimas do obscurantismo, das superstições e da irracionalidade. Houvessem sido ouvidos, e acatados então, certamente o mundo seria hoje muito melhor do que de fato é.
A aparição desses gigantes da espécie, dessas mentes lucidamente geniais, não se deu, infelizmente, de forma contínua e linear, em relação ao tempo e ao espaço. Houve ocasiões em que, geração após geração, o mundo careceu da sua benigna presença. Como também houve épocas em que mais de um desses homens notáveis e sábios surgiram, às vezes numa mesma região, como ocorreu, por exemplo, no fastígio da civilização grega (ou hindu, ou chinesa etc.).
Onde e quando esses indivíduos especiais atuaram, os povos dos quais emergiram conheceram períodos marcantes, de progresso material e, sobretudo, espiritual. A Europa viveu várias dessas épocas de “fervilhar” de criatividade. Mas, ao contrário do que muitos ainda hoje supõem, para a infelicidade de suas populações, não houve continuidade.
O Velho Continente viu vários desses “saltos” de civilização e lucidez serem sucedidos por longos períodos de trevas, não raro com a duração de séculos, quando o fanatismo (sobretudo religioso) ofuscou as mentes e a violência imperou, em detrimento da razão. Basta que se analise, por exemplo, a longa era conhecida como “Idade Média”, que pode, sem nenhum exagero, ser classificada como a “Idade das Trevas” na Europa. Foi um prolongado espaço de tempo em que a barbárie imperou, sob os mais variados pretextos e disfarces, com um ou outro fugaz lampejo de luz.
Um desses momentos de brilho, de resgate de valores então há muito esquecidos (ou sufocados), sobretudo o da valorização do indivíduo, foi o que se convencionou chamar de “Renascimento”. Nele, renasceram, de fato, a racionalidade e, por conseqüência, a criatividade, propiciando o surgimento de artistas notáveis, de pensadores iluminados e lúcidos e de líderes políticos com clara e progressista perspectiva de futuro.
Foi um período de revalorização do homem, que até então se via subjugado por dogmas pueris, sem nenhum sentido, ditados por fanáticos de mente doentia, que lhe atribuíam a premente e constante necessidade de “expiar” eterna culpa de um suposto pecado original enquanto vivesse. Ou seja, a pretexto de ensinar como conquistar o “céu”, transformavam a vida dos povos num inferno. E ainda há quem justifique e defenda esse comportamento ilógico e irracional!
Preconceitos estúpidos e incompreensíveis antagonismos étnicos sempre dividiram povos, que não compreendiam (será que hoje compreendem?) que eram espécimes de uma mesmíssima espécie, posto que em estágios mentais, materiais e morais diferentes. Isso impediu, entre outras coisas (e impede ainda) que se erigisse uma civilização única, uniforme, universal, ditada exclusivamente pela razão e pela justiça e jamais pela força das armas.
Caso não houvesse essa divisão, sem lógica e sem sentido, hoje a humanidade constituiria uma única e uniforme nação: a do planeta Terra. Talvez não existissem tantas línguas (é possível que houvesse uma única) e nem tantos costumes diferentes, que nos levam, às vezes, a desconfiar que os homens não integram uma única espécie, mas várias, de origens diferentes, embora no essencial todos guardem absoluta semelhança.
O poeta e humanista indiano Rabindranath Tagore explica (ou tenta explicar) a razão de tantos recuos no processo de civilização, ao constatar: “Lemos o mundo às avessas e queixamo-nos de não o compreender”.
Em vez de queixas, todavia, o mais sábio e até óbvio é fazer sua leitura correta e assegurar, por conseqüência, um progresso contínuo, geral, irrestrito e linear da humanidade, em todos os aspectos: material, moral, espiritual, científico e, sobretudo, com absoluta justiça e igualdade de oportunidades. Será que conseguiremos?
Wednesday, August 26, 2009
REFLEXÂO DO DIA
Um bom “filtro” para as idéias (artísticas, filosóficas ou científicas) que colhermos alhures (posto que imperfeito, pois a perfeição nos é interdita) é a razão, aliada à implacável lógica. É a “dúvida razoável”. Muitas vezes nos mostramos afoitos, descuidados, apressados demais em aderir a determinadas causas, crenças ou correntes de pensamento, aparentemente verdadeiras e construtivas, mas que escondem armadilhas, perceptíveis, apenas, mediante cuidadosa (e criteriosa) observação. Temos que ter cautela para não incorrermos em erros (evitáveis) dos quais venhamos a nos arrepender. Precisamos analisar cada ângulo, cada detalhe, cada nuance do que colhermos em livros ou conversas, ou mesmo em observações pessoais, para não nos deixarmos levar pelas aparências e, assim, concluir, sem paixão, se é algo verdadeiro e válido ou falso, descartável e até nocivo. Daí a necessidade de questionar tudo o que aprendermos, sem nos prendermos a dogmas, tidos e havidos como incontestáveis.
Insatisfação sem fim
Pedro J. Bondaczuk
O sucesso – já escrevi inúmeras vezes, mas faço questão de reiterar o quanto julgar oportuno – ou seja, o reconhecimento público do nosso valor pessoal ou de alguma obra que eventualmente tenhamos produzido, é, quase sempre, sumamente caprichoso. Em determinadas circunstâncias, tarda a chegar e é possível (ou provável?) que pareça que não chegará nunca. Não raro, ocorre quando não mais podemos gozar a inenarrável sensação de triunfo, ou seja, postumamente, o que é uma ironia da vida.
Mas, se o que fizermos tiver, de fato, qualidade (ou, principalmente, utilidade), se nossa realização vier a se destacar de obras semelhantes, porém inferiores em um (ou em vários) determinado detalhe, produzidas por outros, ou se for originalíssima, jamais conseguida por ninguém, o sucesso raramente deixa de acontecer. É até questão matemática, de probabilidade. É como somar um mais um: o resultado correto será sempre dois.
Destaco que a obra em questão sequer precisa ser material, ou seja, uma edificação, uma teoria, uma descoberta, um livro, uma pintura, uma sinfonia etc.etc.etc. Pode ser uma vida exemplar e sem máculas (o que é, até, muito mais raro do que um feito científico, artístico ou de qualquer outra natureza).
Para sermos bem-sucedidos, não devemos ter pressa em definir (ou em concluir) um projeto de vida que se transforme no nosso legado à posteridade. Além disso, temos que ser sumamente rigorosos com nossos atos, pensamentos e sentimentos, implacáveis até, mais críticos em relação a eles do que poderia ser nosso mais acérrimo adversário.
A autocomplacência, quase sempre, tende a nos ser danosa e conduzir a equívocos irreparáveis, sem conserto ou emendas. Por causa da vaidade, portanto, podemos arruinar toda uma obra (ou uma vida) que tinha tudo para ser perfeita. Não raro o fazemos.
Não podemos perder de vista a realidade de que, duremos o quanto durarmos, não somos mais do que casuais passageiros, meros turistas neste mundo ora maravilhoso e cheio de mistérios, ora hostil e assustador. Temos que nos lembrar, sempre e sempre, se preciso todos os dias, que a qualquer momento, num piscar de olhos, podemos deixar de existir. E que, se não justificarmos, de alguma forma, nossa passagem por aqui, corremos o risco de, passados alguns anos (ou meros meses, não raro) não restar o mínimo vestígio de nós em lugar algum.
É uma possibilidade que nos dói, mas é real. Podemos (ao menos em teoria) modificar isso de alguma maneira. Claro que é irreal, por ser impossível, aspirar à imortalidade física. Mas temos condições de imortalizar a memória. Como? Mediante obras e, sobretudo, uma vida exemplar.
Queiramos ou não, começamos a morrer já a partir do nascimento. A distância do berço à tumba é curtíssima, mesmo que leve um século para ser percorrida. Quando nascemos, começa uma contagem regressiva ininterrupta, que não sabemos o quanto irá durar. Pode ter a duração de cem anos, ou pouco mais, como pode acabar na semana seguinte, no próximo dia, na próxima hora ou, quem sabe, no próximo minuto. Mesmo quando o processo é lento, reitero, é impossível de ser detido. É inexorável.
Tardamos a compreender (e alguns não compreendem nunca) que não estamos no mundo para “juntar” bugigangas, que entendemos que sejam (e denominamos de) riquezas. Nunca, em lugar algum e em circunstância nenhuma, alguém levou (e nós também não levaremos) qualquer objeto material, por mais valor que lhe emprestemos, para além-túmulo. E mesmo que levássemos... eles de nada nos serviriam.
Viemos ao mundo, pelo contrário, para “espalhar”, repartir, semear, partilhar, deixar: obras, conceitos, idéias, pensamentos e, sobretudo, exemplos. Quanto mais fizermos isso, mais perto do sucesso, como o entendo, estaremos. Nossas possibilidades de perpetuação da memória crescerão exponencialmente, embora jamais haja a mínima certeza de que isso venha, de fato, a acontecer.
O verdadeiro sucesso não é aquele comparável a um raio, em noite de tempestade. Não brilha, rapidamente, como um piscar de olhos, no céu, para depois desaparecer. A este tipo de êxito, eventual e fugaz, costumo denominar de “brilhareco”. O sucesso que importa é como os raios do sol. É como o brilho das estrelas. Supera o tempo, as eras, as gerações e o esquecimento. Não se ofusca jamais, não, pelo menos, enquanto existir o universo. É este o sucesso que aspiro, mesmo que minhas chances sejam remotíssimas, ínfimas, quase nulas, não mais do que mera possibilidade estatística. Daí cultivar essa minha insatisfação sem fim...
O sucesso – já escrevi inúmeras vezes, mas faço questão de reiterar o quanto julgar oportuno – ou seja, o reconhecimento público do nosso valor pessoal ou de alguma obra que eventualmente tenhamos produzido, é, quase sempre, sumamente caprichoso. Em determinadas circunstâncias, tarda a chegar e é possível (ou provável?) que pareça que não chegará nunca. Não raro, ocorre quando não mais podemos gozar a inenarrável sensação de triunfo, ou seja, postumamente, o que é uma ironia da vida.
Mas, se o que fizermos tiver, de fato, qualidade (ou, principalmente, utilidade), se nossa realização vier a se destacar de obras semelhantes, porém inferiores em um (ou em vários) determinado detalhe, produzidas por outros, ou se for originalíssima, jamais conseguida por ninguém, o sucesso raramente deixa de acontecer. É até questão matemática, de probabilidade. É como somar um mais um: o resultado correto será sempre dois.
Destaco que a obra em questão sequer precisa ser material, ou seja, uma edificação, uma teoria, uma descoberta, um livro, uma pintura, uma sinfonia etc.etc.etc. Pode ser uma vida exemplar e sem máculas (o que é, até, muito mais raro do que um feito científico, artístico ou de qualquer outra natureza).
Para sermos bem-sucedidos, não devemos ter pressa em definir (ou em concluir) um projeto de vida que se transforme no nosso legado à posteridade. Além disso, temos que ser sumamente rigorosos com nossos atos, pensamentos e sentimentos, implacáveis até, mais críticos em relação a eles do que poderia ser nosso mais acérrimo adversário.
A autocomplacência, quase sempre, tende a nos ser danosa e conduzir a equívocos irreparáveis, sem conserto ou emendas. Por causa da vaidade, portanto, podemos arruinar toda uma obra (ou uma vida) que tinha tudo para ser perfeita. Não raro o fazemos.
Não podemos perder de vista a realidade de que, duremos o quanto durarmos, não somos mais do que casuais passageiros, meros turistas neste mundo ora maravilhoso e cheio de mistérios, ora hostil e assustador. Temos que nos lembrar, sempre e sempre, se preciso todos os dias, que a qualquer momento, num piscar de olhos, podemos deixar de existir. E que, se não justificarmos, de alguma forma, nossa passagem por aqui, corremos o risco de, passados alguns anos (ou meros meses, não raro) não restar o mínimo vestígio de nós em lugar algum.
É uma possibilidade que nos dói, mas é real. Podemos (ao menos em teoria) modificar isso de alguma maneira. Claro que é irreal, por ser impossível, aspirar à imortalidade física. Mas temos condições de imortalizar a memória. Como? Mediante obras e, sobretudo, uma vida exemplar.
Queiramos ou não, começamos a morrer já a partir do nascimento. A distância do berço à tumba é curtíssima, mesmo que leve um século para ser percorrida. Quando nascemos, começa uma contagem regressiva ininterrupta, que não sabemos o quanto irá durar. Pode ter a duração de cem anos, ou pouco mais, como pode acabar na semana seguinte, no próximo dia, na próxima hora ou, quem sabe, no próximo minuto. Mesmo quando o processo é lento, reitero, é impossível de ser detido. É inexorável.
Tardamos a compreender (e alguns não compreendem nunca) que não estamos no mundo para “juntar” bugigangas, que entendemos que sejam (e denominamos de) riquezas. Nunca, em lugar algum e em circunstância nenhuma, alguém levou (e nós também não levaremos) qualquer objeto material, por mais valor que lhe emprestemos, para além-túmulo. E mesmo que levássemos... eles de nada nos serviriam.
Viemos ao mundo, pelo contrário, para “espalhar”, repartir, semear, partilhar, deixar: obras, conceitos, idéias, pensamentos e, sobretudo, exemplos. Quanto mais fizermos isso, mais perto do sucesso, como o entendo, estaremos. Nossas possibilidades de perpetuação da memória crescerão exponencialmente, embora jamais haja a mínima certeza de que isso venha, de fato, a acontecer.
O verdadeiro sucesso não é aquele comparável a um raio, em noite de tempestade. Não brilha, rapidamente, como um piscar de olhos, no céu, para depois desaparecer. A este tipo de êxito, eventual e fugaz, costumo denominar de “brilhareco”. O sucesso que importa é como os raios do sol. É como o brilho das estrelas. Supera o tempo, as eras, as gerações e o esquecimento. Não se ofusca jamais, não, pelo menos, enquanto existir o universo. É este o sucesso que aspiro, mesmo que minhas chances sejam remotíssimas, ínfimas, quase nulas, não mais do que mera possibilidade estatística. Daí cultivar essa minha insatisfação sem fim...
Tuesday, August 25, 2009
REFLEXÂO DO DIA
É possível sermos rigorosamente originais no que quer que seja, notadamente no campo das idéias, legando à humanidade pensamentos novos e conceitos nunca emitidos por ninguém? Atrevo-me a dizer que não! Em dezenas de milhares de anos, depois de bilhões de homens e mulheres haverem passado pela Terra, tudo o que pensamos alguém, algum dia, e em algum lugar, certamente já pensou. Mas podemos acrescentar sempre algum toque de novidade em idéias alheias, de acordo com nosso acervo de informações e visão da vida, esta sim original. O conhecimento – artístico ou científico – é uma corrente interminável e compete-nos acrescentar-lhe, sempre, novo elo. Claro que em meio a verdades, recebemos determinados pensamentos “poluídos” por erros e contradições. Compete-nos filtrá-los. Ao passá-los adiante, porém, igualmente os poluiremos, sem que sequer venhamos a atinar, com conceitos e conclusões equivocados. A quem se apossar deles, contudo, competirá a tarefa de, igualmente fazer, como fizemos, a devida filtragem e passá-la adiante..
De uma mente a outra
Pedro J. Bondaczuk
A atividade literária – como ademais a dos artistas de todas as outras artes – tem sido contestada por alguns, que se dizem “práticos e objetivos”, e que, por isso, a encaram como algo supérfluo, como uma grande inutilidade, sem a qual as sociedades seguiriam, normalmente, seu curso, sem que sentissem grande falta ou até nenhuma. Discordo! Claro que sou suspeito para opinar, porquanto sou escritor e, portanto, engajado à Literatura, que para mim é mais do que paixão: transformou-se em obsessão.
Encarando a questão, porém, por um ponto de vista bem pragmático, posso, perfeitamente, passar sem ela. Não haverei de morrer de fome se algum dia resolver deixar de escrever e se destruir tudo o que já escrevi. Aliás, as letras nunca contribuíram para o meu sustento material e nem o da minha família. Ganhei pouquíssimo dinheiro com elas e (desconfio) gastei muito mais do que arrecadei com esse capricho pessoal, ao longo de quatro décadas de produção.
Minha necessidade de escrever (pelo menos textos considerados “literários”, portanto não me refiro aos de caráter jornalístico e nem aos “comerciais” ou filosóficos) não é profissional, no sentido em que esta palavra é interpretada. É, todavia, mais profunda. É espiritual! É a forma que conheço de detectar no subconsciente, de ordenar e de transmitir idéias, observações e sentimentos, à minha maneira, a um número incontável de pessoas, cuja maioria sequer conheço e certamente jamais irei conhecer. É meu testemunho rigorosamente pessoal sobre como interpreto essa misteriosa e magnífica aventura que é viver.
Qual, pois, a utilidade das artes e, notadamente, da Literatura? Os supostos “práticos e objetivos”, rotulados pelo “anjo pornográfico”, Nelson Rodrigues, de “idiotas da objetividade” (Affonso Romano de Sant’Anna escreveu instigante poema com este mesmo título), entendem que, rigorosamente, não é nenhuma. Alguns ainda fazem uma certa concessão e acham que, desde que bem vendida, ela pode render alguns cobres a quem escreve e nada mais.
Em sentido diametralmente oposto, há os que hipervalorizam a atividade da escrita. Defendem que o talento de escrever representa a máxima manifestação de inteligência e sensibilidade (isso, claro, quando os textos produzidos são, de fato, inteligentes e sensíveis. Nem todos são). Não é também por aí. Parte-se, como se vê, de um exagero a outro e as duas correntes estão equivocadas. Neste caso, os extremos se tocam. Conheço pessoas inteligentíssimas e extremamente sensíveis que, no entanto, não sabem sequer desenhar uma letra “o”, quanto mais redigir textos que reflitam sabedoria e emoção. E nem por isso, óbvio, deixam de ser sábias e emotivas.
Há, ainda, os que preferem ficar em cima do muro. Admitem que a literatura “pode”, sim, ter grande utilidade prática, mas condicionam-na ao engajamento dos escritores em alguma causa nobre e moralmente defensável. Ou seja, querem que o talento da escrita seja, sobretudo, didático, quando não uma espécie de instrumento de propaganda, para transmitir e consolidar valores.
Estes apenas consideram a atividade literária válida se defender, por exemplo, direitos espezinhados por tiranos. Ou se denunciar opressões e opressores. Ou se difundir valores fundamentais, como solidariedade, justiça, fraternidade e verdade e tantos e tantos outros. Confundem-na, portanto, com jornalismo ou algo que o valha.
Não nego que o escritor possa, até, se prestar a tudo isso. Mas jamais por obrigação! Aliás, sou visceralmente avesso a qualquer tipo de imposição, seja de quem for e do que for. Isso tudo não pode e nem deve ser colocado, portanto, como objetivo “sine qua non” da Literatura. Não o é!
Defendo uma arte absolutamente livre, quer de regras e normas (mesmo as lingüísticas), quer de objetivos. Entendo que esta deva ser manifestação rigorosamente espontânea, uma forma de comunicação direta de uma determinada mente com outras tantas, não importa quantas.
O escritor, como todas as demais pessoas, não conta (pelo menos não sempre) com certezas, virtudes e verdades. Tem, também, como todo o mundo, dúvidas mil, incontáveis vícios, contradições e defeitos. E para que seu texto seja pelo menos verossímil, tem, isso sim, obrigação (consigo próprio) de expressar, mas da forma que melhor lhe aprouver, tudo isso.
O escritor britânico Ian McEwan, ganhador do “Book Prize” de 1998, deu o seguinte depoimento a propósito, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, publicada em 12 de dezembro daquele ano: “Ninguém duvida que as palavras são símbolos, mas o entendimento transmitido por elas tem a própria imediatice da percepção; porque a linguagem é um modo de transmitir o pensamento de uma mente a outra. Conhecimento adiado, é conhecimento perdido, porque a verdade existe num presente perpétuo”.
Para mim, portanto, Literatura é a livre transmissão de conhecimentos num “presente perpétuo”. Tanto os próprios, ou seja, de quem a pratica, quanto os adquiridos mediante leitura, conversas, observações etc. Este, no meu entender, é seu principal e provavelmente único objetivo. Tudo o mais que se disser a respeito é mera “conversa para boi dormir”.
A atividade literária – como ademais a dos artistas de todas as outras artes – tem sido contestada por alguns, que se dizem “práticos e objetivos”, e que, por isso, a encaram como algo supérfluo, como uma grande inutilidade, sem a qual as sociedades seguiriam, normalmente, seu curso, sem que sentissem grande falta ou até nenhuma. Discordo! Claro que sou suspeito para opinar, porquanto sou escritor e, portanto, engajado à Literatura, que para mim é mais do que paixão: transformou-se em obsessão.
Encarando a questão, porém, por um ponto de vista bem pragmático, posso, perfeitamente, passar sem ela. Não haverei de morrer de fome se algum dia resolver deixar de escrever e se destruir tudo o que já escrevi. Aliás, as letras nunca contribuíram para o meu sustento material e nem o da minha família. Ganhei pouquíssimo dinheiro com elas e (desconfio) gastei muito mais do que arrecadei com esse capricho pessoal, ao longo de quatro décadas de produção.
Minha necessidade de escrever (pelo menos textos considerados “literários”, portanto não me refiro aos de caráter jornalístico e nem aos “comerciais” ou filosóficos) não é profissional, no sentido em que esta palavra é interpretada. É, todavia, mais profunda. É espiritual! É a forma que conheço de detectar no subconsciente, de ordenar e de transmitir idéias, observações e sentimentos, à minha maneira, a um número incontável de pessoas, cuja maioria sequer conheço e certamente jamais irei conhecer. É meu testemunho rigorosamente pessoal sobre como interpreto essa misteriosa e magnífica aventura que é viver.
Qual, pois, a utilidade das artes e, notadamente, da Literatura? Os supostos “práticos e objetivos”, rotulados pelo “anjo pornográfico”, Nelson Rodrigues, de “idiotas da objetividade” (Affonso Romano de Sant’Anna escreveu instigante poema com este mesmo título), entendem que, rigorosamente, não é nenhuma. Alguns ainda fazem uma certa concessão e acham que, desde que bem vendida, ela pode render alguns cobres a quem escreve e nada mais.
Em sentido diametralmente oposto, há os que hipervalorizam a atividade da escrita. Defendem que o talento de escrever representa a máxima manifestação de inteligência e sensibilidade (isso, claro, quando os textos produzidos são, de fato, inteligentes e sensíveis. Nem todos são). Não é também por aí. Parte-se, como se vê, de um exagero a outro e as duas correntes estão equivocadas. Neste caso, os extremos se tocam. Conheço pessoas inteligentíssimas e extremamente sensíveis que, no entanto, não sabem sequer desenhar uma letra “o”, quanto mais redigir textos que reflitam sabedoria e emoção. E nem por isso, óbvio, deixam de ser sábias e emotivas.
Há, ainda, os que preferem ficar em cima do muro. Admitem que a literatura “pode”, sim, ter grande utilidade prática, mas condicionam-na ao engajamento dos escritores em alguma causa nobre e moralmente defensável. Ou seja, querem que o talento da escrita seja, sobretudo, didático, quando não uma espécie de instrumento de propaganda, para transmitir e consolidar valores.
Estes apenas consideram a atividade literária válida se defender, por exemplo, direitos espezinhados por tiranos. Ou se denunciar opressões e opressores. Ou se difundir valores fundamentais, como solidariedade, justiça, fraternidade e verdade e tantos e tantos outros. Confundem-na, portanto, com jornalismo ou algo que o valha.
Não nego que o escritor possa, até, se prestar a tudo isso. Mas jamais por obrigação! Aliás, sou visceralmente avesso a qualquer tipo de imposição, seja de quem for e do que for. Isso tudo não pode e nem deve ser colocado, portanto, como objetivo “sine qua non” da Literatura. Não o é!
Defendo uma arte absolutamente livre, quer de regras e normas (mesmo as lingüísticas), quer de objetivos. Entendo que esta deva ser manifestação rigorosamente espontânea, uma forma de comunicação direta de uma determinada mente com outras tantas, não importa quantas.
O escritor, como todas as demais pessoas, não conta (pelo menos não sempre) com certezas, virtudes e verdades. Tem, também, como todo o mundo, dúvidas mil, incontáveis vícios, contradições e defeitos. E para que seu texto seja pelo menos verossímil, tem, isso sim, obrigação (consigo próprio) de expressar, mas da forma que melhor lhe aprouver, tudo isso.
O escritor britânico Ian McEwan, ganhador do “Book Prize” de 1998, deu o seguinte depoimento a propósito, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, publicada em 12 de dezembro daquele ano: “Ninguém duvida que as palavras são símbolos, mas o entendimento transmitido por elas tem a própria imediatice da percepção; porque a linguagem é um modo de transmitir o pensamento de uma mente a outra. Conhecimento adiado, é conhecimento perdido, porque a verdade existe num presente perpétuo”.
Para mim, portanto, Literatura é a livre transmissão de conhecimentos num “presente perpétuo”. Tanto os próprios, ou seja, de quem a pratica, quanto os adquiridos mediante leitura, conversas, observações etc. Este, no meu entender, é seu principal e provavelmente único objetivo. Tudo o mais que se disser a respeito é mera “conversa para boi dormir”.
Monday, August 24, 2009
REFLEXÂO DO DIA
O melhor caminho para chegarmos à sabedoria é o de não crermos em nada, aprioristicamente, até que tenhamos um mínimo de certeza a respeito. É ter sempre uma dúvida razoável a propósito de tudo. Mas não se pode estacionar, preguiçosamente, nela. Devemos, isto sim, procurar nos convencer do que ainda duvidamos, e concluir se é verdadeiro ou falso, mediante argumentos lógicos e raciocínio abrangente. Depois de convencidos, contudo, não há mais porque duvidar. Desse convencimento é que nasce a fé inabalável, das tais que operam maravilhas e até removem montanhas. A propósito, Arte e Ciência são as duas maiores e mais refinadas formas de expressão do espírito humano. A primeira caracteriza-se, sobretudo, pela subjetividade, ao contrário da segunda, que é, essencialmente, objetiva. Ou seja, o cientista só afirma o que pode comprovar em laboratório. Ao contrário do que muitos supõem, contudo, as duas atividades não são excludentes. Uma só pessoa pode ser, simultaneamente, artista e cientista. Nada a impede, a não ser o talento e o gosto.
Minha eventual biografia
Pedro J. Bondaczuk
A biografia de uma pessoa deve ser escrita (claro, se ela fizer por merecer tal registro) não necessariamente após sua morte, mas quando ela der por concluída a obra a que se propôs a realizar ao longo da vida. Enquanto se mantiver ativa, e produtiva, é prudente que se espere um pouco para biografá-la. Afinal, ela pode, nesse período, realizar algo de extraordinário, que fuja por completo ao comum e convencional. E se a biografia já estiver escrita, deixará, por conseqüência, de captar sua maior realização.
Há 17 anos, em novembro de 1992, encerrei meu discurso de posse na Academia Campinense de Letras – onde fiz história, ao me tornar o acadêmico mais jovem a ser alçado à condição de “imortal”, nessa casa de notáveis – com uma declaração do ator, escritor, compositor e homem de cultura Mário Lago, que disse, em uma entrevista: “Sou homem do meu tempo. A minha biografia está em aberto”.
Passadas quase duas décadas, ela permanece nessa condição. Tenho o privilégio de continuar sonhando, agindo, trabalhando e produzindo, em busca do “santo graal”, ou seja, da minha obra-prima, daquela que pode perpetuar meu nome geração após geração. Posso já tê-la produzido, sem que sequer haja me dado conta. Posso, em contrapartida, também jamais produzi-la, o que tornaria vãos todos os meus esforços e ilusões.
Dia desses, após redigir um editorial para o Literário, veio-me à cabeça uma fantasia insólita, até mesmo meio maluca. A de que, os ilustres colunistas dessa revista eletrônica diária de Literatura que edito pudessem vir a escrever minha biografia. Não o fariam de forma coletiva, claro. Cada um escreveria a sua, com seu estilo peculiar e sua forma de me encarar enquanto escritor. Megalomania minha, claro. Porquanto, não seria “uma biografia”. Seriam dezesseis!!!
Fiquei imaginando quais seriam as linhas-mestras que cada qual seguiria em seu livro. Aliene Coutinho, por exemplo, exsudando ternura e sensibilidade por todos os poros, provavelmente atentaria para a minha condição de poeta. Concentraria sua atenção no meu livro (ineditíssimo!!!!), “O poeta de alma azul”, reconstituindo as circunstâncias e as emoções que inspiraram cada um dos poemas que ele contém.
E o André Falavigna, qual o caminho que escolheria? Sem papas na língua (ou sem frescuras em seus textos), optaria por trazer à baila minhas inúmeras trapalhadas vida afora, que na época em que foram perpetradas (na escola, na faculdade, nas várias redações em que trabalhei) me causaram aflição e constrangimento, mas que hoje me provocam, apenas, incontroláveis ataques de gargalhada. Seria um barato essa biografia!
Já na do Daniel Santos, caberiam muito mais episódios e circunstâncias da minha vida do que no livro a meu respeito de qualquer outro, dado seu notável poder de síntese e sua invejável capacidade de observação. Sairia um texto enxuto, preciso, objetivo e sumamente atraente. Muito mais do que as aventuras, fracassos e parcos sucessos que o biografado viveu. Seria um livro generoso e sincero, como, aliás, é esse escritor.
A Celamar Maione seguiria qual linha? Provavelmente, se concentraria em meus amores, tanto nos (raros) bem-sucedidos quanto nos (inúmeros) fracassados. Mostraria, pelo menos, minha vida como ela de fato foi, sem fantasias e sem “dourar a pílula”. Teria, pois, credibilidade e talvez viesse (muito provavelmente viria mesmo) a se constituir em best-seller. Gostaria muito de ler um livro assim a meu respeito.
Já o Eduardo Murta se concentraria no insólito que sempre me acompanhou. Retrataria minha profunda admiração face à vida, às coisas mais simples e comezinhas do cotidiano, sem esconder, no entanto, em seu texto elegante e nobre, indisfarçável compreensão e profunda solidariedade por minhas fraquezas e fragilidades. Seria uma biografia que eu leria comovido, mal contendo lágrimas de emoção. Este escreve bem demais!
O Eduardo Oliveira Freire sintetizaria, em “pílulas”, sumamente inteligentes e precisas, episódios marcantes da minha trajetória de vida em que outros gastariam páginas e mais páginas para narrar. Seria um texto compacto, condensado, concentrado, mas altamente atrativo. Levaria, com certeza, os leitores à reflexão.
E como a Veca, a queridíssima Evelyne Furtado, esquematizaria o seu livro a meu respeito? Certamente com ternura e compreensão. Concentraria sua atenção no meu profundo amor pela vida, pelas pessoas, pela arte e, sobretudo, pela Literatura. Enfatizaria minhas amizades, minhas leituras, minhas viagens e o meu lado “família”. Seria, certamente, um texto poético e belo, que também me despertaria profunda emoção.
Gustavo do Carmo, por seu turno, voltaria sua atenção para os fatos dramáticos que protagonizei e para a maneira surpreendente com que saí das inúmeras enrascadas em que me vi envolvido. Destacaria minha capacidade já nem digo de perdoar os que eventualmente me ofenderam, mas de, simplesmente, esquecer pessoas e fatos negativos, dado meu incorrigível (e às vezes até irresponsável) otimismo.
Marco Albertim, porém, faria uma biografia com um profundo respeito intelectual pela minha obra, a exemplo do que faz, costumeiramente, com artistas injustiçados e muitas vezes esquecidos, como Zé do Carmo, Luiz Gomes, e tantos outros, cujas vidas e obras costuma resgatar, de forma desprendida e generosa, em suas magníficas crônicas. Trata-se de um humanista que sabe dar valor aos méritos alheios. Seria, estou seguro, uma biografia terna, amigável, compreensiva e solidária. Certamente me comoveria também.
E se fosse o Marcelo Sguassábia meu biógrafo? Ah, se fosse ele, não faltaria o bom-humor, característica que tanto valorizo. Muito menos faltariam tiradas inteligentes e de bom-gosto. Aliás, haveria um esbanjar de criatividade. Pode até ser que não me identificasse com o personagem retratado, mas que iria rir à beça das suas trapalhadas, disso não restam dúvidas.
Seu Pedro, por uma questão de fidelidade profissional (já nem diria corporativismo), como bom jornalista que é, pesquisaria circunstâncias e situações da minha vida que poucas pessoas conhecem. Iria fundo e, certamente, produziria uma biografia densa, profunda, detalhada, sobretudo com conteúdo. Centralizaria seu texto em fatos e não em meras conjeturas e opiniões.
Já a Sayonara centraria seu livro nas minhas atitudes assertivas. Destacaria que, mesmo errando em inúmeras ocasiões, errei, sempre, por excesso de zelo, nunca por falta dele. Mostraria que, mesmo quando tinha que combater moinhos de vento ou dragões botando fogo pelas ventas e, sobretudo, quando cercado de repúdio generalizado e ferrenha e consensual oposição, nunca me omiti. E isso é virtude? Não sei! Só sei que a omissão é o pior dos pecados que um homem pode cometer.
A Risomar, a exemplo de Aliene e de Evelyne, analisaria com inegável ternura meus erros e contradições, dando sempre um desconto a cada um deles, pelo fato de, mesmo nos meus maiores e mais graves equívocos, haver, em meus atos e pensamentos, invariável boa-intenção. Retrataria, com certeza, um Pedro humano, de carne e osso, que não assustaria ninguém, mas atrairia de imediato a simpatia geral.
A biografia do Rodrigo focalizaria o meu lado palrador. Sou incorrigível “papagaio”. Aprecio uma boa conversa e seja de que assunto for. Tanto pode ser sobre mulheres (meu tema predileto e recorrente), quanto de futebol, política, sociologia, filosofia e vai por aí afora. Quem quiser conversar comigo, não pode ter pressa. Tem que reservar, no mínimo, cinco horas de papo. O Rodrigo reproduziria, pois, diálogos sem fim, com sua incrível capacidade de captar o que, como e quando as pessoas dizem.
O Talis, generoso como sempre foi comigo, faria uma biografia épica. Seria um verdadeiro poema, posto que em prosa, focalizando um lado que talvez nunca tive, mas que sempre aspirei ter. Seria outro a centralizar seu livro em minha poesia e em meu eterno comprometimento com o belo e o bom. Seria uma obra imperdível que conservaria à minha cabeceira enquanto vivesse.
E o Urariano, o que escreveria? Faria uma biografia definitiva! Reuniria todos os ingredientes dos outros biógrafos e acrescentaria mais, muito mais. Certamente sua linha-mestra seria baseada no meu lado “revolucionário” (diria, “quixotesco”), ou seja, nesse meu desejo maluco e utópico de mudar o mundo, evidentemente para melhor.
Buscaria explicações e justificativas para minhas ações em episódios perdidos na remota infância, quando me vi forçado a aprender português “na marra” (eu, que até os seis anos de idade, só sabia falar russo). Isso ocorreu quando passei dois longos e terríveis anos internado na Santa Casa de São Paulo, sem poder me comunicar com ninguém, por não conhecer uma só palavra do idioma que todos falavam. Só desconfio que essa biografia do Urariano seria generosa demais comigo, embora, certamente, nenhum leitor viesse a perceber, dada a verossimilhança do seu texto.
Como se vê, delirei... me deixei levar pela imaginação... viajei... Pare de sonhar, Pedrão! Faça, antes, por merecer que alguém escreva a sua biografia. Produza alguma obra sensível, humana, útil, que valha a pena ser lida, preservada e difundida. Só assim não lhe faltarão biógrafos.
Quem sabe, dessa maneira, você consiga que alguma dessas pessoas que você tanto estima (mesmo sem, conhecer nenhuma pessoalmente) e que tanto respeita e admira, venha a biografá-lo! E se fizer tudo direitinho, se construir algo de excelente, mas de excelente mesmo, que não seja nada parecido com o que você já fez até hoje, quem sabe, todos os dezesseis ilustres escritores citados venham a escrever sua biografia! Seria a glória, claro!!!
A biografia de uma pessoa deve ser escrita (claro, se ela fizer por merecer tal registro) não necessariamente após sua morte, mas quando ela der por concluída a obra a que se propôs a realizar ao longo da vida. Enquanto se mantiver ativa, e produtiva, é prudente que se espere um pouco para biografá-la. Afinal, ela pode, nesse período, realizar algo de extraordinário, que fuja por completo ao comum e convencional. E se a biografia já estiver escrita, deixará, por conseqüência, de captar sua maior realização.
Há 17 anos, em novembro de 1992, encerrei meu discurso de posse na Academia Campinense de Letras – onde fiz história, ao me tornar o acadêmico mais jovem a ser alçado à condição de “imortal”, nessa casa de notáveis – com uma declaração do ator, escritor, compositor e homem de cultura Mário Lago, que disse, em uma entrevista: “Sou homem do meu tempo. A minha biografia está em aberto”.
Passadas quase duas décadas, ela permanece nessa condição. Tenho o privilégio de continuar sonhando, agindo, trabalhando e produzindo, em busca do “santo graal”, ou seja, da minha obra-prima, daquela que pode perpetuar meu nome geração após geração. Posso já tê-la produzido, sem que sequer haja me dado conta. Posso, em contrapartida, também jamais produzi-la, o que tornaria vãos todos os meus esforços e ilusões.
Dia desses, após redigir um editorial para o Literário, veio-me à cabeça uma fantasia insólita, até mesmo meio maluca. A de que, os ilustres colunistas dessa revista eletrônica diária de Literatura que edito pudessem vir a escrever minha biografia. Não o fariam de forma coletiva, claro. Cada um escreveria a sua, com seu estilo peculiar e sua forma de me encarar enquanto escritor. Megalomania minha, claro. Porquanto, não seria “uma biografia”. Seriam dezesseis!!!
Fiquei imaginando quais seriam as linhas-mestras que cada qual seguiria em seu livro. Aliene Coutinho, por exemplo, exsudando ternura e sensibilidade por todos os poros, provavelmente atentaria para a minha condição de poeta. Concentraria sua atenção no meu livro (ineditíssimo!!!!), “O poeta de alma azul”, reconstituindo as circunstâncias e as emoções que inspiraram cada um dos poemas que ele contém.
E o André Falavigna, qual o caminho que escolheria? Sem papas na língua (ou sem frescuras em seus textos), optaria por trazer à baila minhas inúmeras trapalhadas vida afora, que na época em que foram perpetradas (na escola, na faculdade, nas várias redações em que trabalhei) me causaram aflição e constrangimento, mas que hoje me provocam, apenas, incontroláveis ataques de gargalhada. Seria um barato essa biografia!
Já na do Daniel Santos, caberiam muito mais episódios e circunstâncias da minha vida do que no livro a meu respeito de qualquer outro, dado seu notável poder de síntese e sua invejável capacidade de observação. Sairia um texto enxuto, preciso, objetivo e sumamente atraente. Muito mais do que as aventuras, fracassos e parcos sucessos que o biografado viveu. Seria um livro generoso e sincero, como, aliás, é esse escritor.
A Celamar Maione seguiria qual linha? Provavelmente, se concentraria em meus amores, tanto nos (raros) bem-sucedidos quanto nos (inúmeros) fracassados. Mostraria, pelo menos, minha vida como ela de fato foi, sem fantasias e sem “dourar a pílula”. Teria, pois, credibilidade e talvez viesse (muito provavelmente viria mesmo) a se constituir em best-seller. Gostaria muito de ler um livro assim a meu respeito.
Já o Eduardo Murta se concentraria no insólito que sempre me acompanhou. Retrataria minha profunda admiração face à vida, às coisas mais simples e comezinhas do cotidiano, sem esconder, no entanto, em seu texto elegante e nobre, indisfarçável compreensão e profunda solidariedade por minhas fraquezas e fragilidades. Seria uma biografia que eu leria comovido, mal contendo lágrimas de emoção. Este escreve bem demais!
O Eduardo Oliveira Freire sintetizaria, em “pílulas”, sumamente inteligentes e precisas, episódios marcantes da minha trajetória de vida em que outros gastariam páginas e mais páginas para narrar. Seria um texto compacto, condensado, concentrado, mas altamente atrativo. Levaria, com certeza, os leitores à reflexão.
E como a Veca, a queridíssima Evelyne Furtado, esquematizaria o seu livro a meu respeito? Certamente com ternura e compreensão. Concentraria sua atenção no meu profundo amor pela vida, pelas pessoas, pela arte e, sobretudo, pela Literatura. Enfatizaria minhas amizades, minhas leituras, minhas viagens e o meu lado “família”. Seria, certamente, um texto poético e belo, que também me despertaria profunda emoção.
Gustavo do Carmo, por seu turno, voltaria sua atenção para os fatos dramáticos que protagonizei e para a maneira surpreendente com que saí das inúmeras enrascadas em que me vi envolvido. Destacaria minha capacidade já nem digo de perdoar os que eventualmente me ofenderam, mas de, simplesmente, esquecer pessoas e fatos negativos, dado meu incorrigível (e às vezes até irresponsável) otimismo.
Marco Albertim, porém, faria uma biografia com um profundo respeito intelectual pela minha obra, a exemplo do que faz, costumeiramente, com artistas injustiçados e muitas vezes esquecidos, como Zé do Carmo, Luiz Gomes, e tantos outros, cujas vidas e obras costuma resgatar, de forma desprendida e generosa, em suas magníficas crônicas. Trata-se de um humanista que sabe dar valor aos méritos alheios. Seria, estou seguro, uma biografia terna, amigável, compreensiva e solidária. Certamente me comoveria também.
E se fosse o Marcelo Sguassábia meu biógrafo? Ah, se fosse ele, não faltaria o bom-humor, característica que tanto valorizo. Muito menos faltariam tiradas inteligentes e de bom-gosto. Aliás, haveria um esbanjar de criatividade. Pode até ser que não me identificasse com o personagem retratado, mas que iria rir à beça das suas trapalhadas, disso não restam dúvidas.
Seu Pedro, por uma questão de fidelidade profissional (já nem diria corporativismo), como bom jornalista que é, pesquisaria circunstâncias e situações da minha vida que poucas pessoas conhecem. Iria fundo e, certamente, produziria uma biografia densa, profunda, detalhada, sobretudo com conteúdo. Centralizaria seu texto em fatos e não em meras conjeturas e opiniões.
Já a Sayonara centraria seu livro nas minhas atitudes assertivas. Destacaria que, mesmo errando em inúmeras ocasiões, errei, sempre, por excesso de zelo, nunca por falta dele. Mostraria que, mesmo quando tinha que combater moinhos de vento ou dragões botando fogo pelas ventas e, sobretudo, quando cercado de repúdio generalizado e ferrenha e consensual oposição, nunca me omiti. E isso é virtude? Não sei! Só sei que a omissão é o pior dos pecados que um homem pode cometer.
A Risomar, a exemplo de Aliene e de Evelyne, analisaria com inegável ternura meus erros e contradições, dando sempre um desconto a cada um deles, pelo fato de, mesmo nos meus maiores e mais graves equívocos, haver, em meus atos e pensamentos, invariável boa-intenção. Retrataria, com certeza, um Pedro humano, de carne e osso, que não assustaria ninguém, mas atrairia de imediato a simpatia geral.
A biografia do Rodrigo focalizaria o meu lado palrador. Sou incorrigível “papagaio”. Aprecio uma boa conversa e seja de que assunto for. Tanto pode ser sobre mulheres (meu tema predileto e recorrente), quanto de futebol, política, sociologia, filosofia e vai por aí afora. Quem quiser conversar comigo, não pode ter pressa. Tem que reservar, no mínimo, cinco horas de papo. O Rodrigo reproduziria, pois, diálogos sem fim, com sua incrível capacidade de captar o que, como e quando as pessoas dizem.
O Talis, generoso como sempre foi comigo, faria uma biografia épica. Seria um verdadeiro poema, posto que em prosa, focalizando um lado que talvez nunca tive, mas que sempre aspirei ter. Seria outro a centralizar seu livro em minha poesia e em meu eterno comprometimento com o belo e o bom. Seria uma obra imperdível que conservaria à minha cabeceira enquanto vivesse.
E o Urariano, o que escreveria? Faria uma biografia definitiva! Reuniria todos os ingredientes dos outros biógrafos e acrescentaria mais, muito mais. Certamente sua linha-mestra seria baseada no meu lado “revolucionário” (diria, “quixotesco”), ou seja, nesse meu desejo maluco e utópico de mudar o mundo, evidentemente para melhor.
Buscaria explicações e justificativas para minhas ações em episódios perdidos na remota infância, quando me vi forçado a aprender português “na marra” (eu, que até os seis anos de idade, só sabia falar russo). Isso ocorreu quando passei dois longos e terríveis anos internado na Santa Casa de São Paulo, sem poder me comunicar com ninguém, por não conhecer uma só palavra do idioma que todos falavam. Só desconfio que essa biografia do Urariano seria generosa demais comigo, embora, certamente, nenhum leitor viesse a perceber, dada a verossimilhança do seu texto.
Como se vê, delirei... me deixei levar pela imaginação... viajei... Pare de sonhar, Pedrão! Faça, antes, por merecer que alguém escreva a sua biografia. Produza alguma obra sensível, humana, útil, que valha a pena ser lida, preservada e difundida. Só assim não lhe faltarão biógrafos.
Quem sabe, dessa maneira, você consiga que alguma dessas pessoas que você tanto estima (mesmo sem, conhecer nenhuma pessoalmente) e que tanto respeita e admira, venha a biografá-lo! E se fizer tudo direitinho, se construir algo de excelente, mas de excelente mesmo, que não seja nada parecido com o que você já fez até hoje, quem sabe, todos os dezesseis ilustres escritores citados venham a escrever sua biografia! Seria a glória, claro!!!
Sunday, August 23, 2009
REFLEXÂO DO DIA
Há quem nasça com dupla vocação (e são muitos): para as artes e a ciência. Alguns (a maioria) optam por uma delas. Outros, no entanto, exercem, com a mesma desenvoltura e competência, ambas, sem conflitos. Posso citar, sem precisar pensar muito, Isaac Asimov (autor de inúmeras histórias de ficção científica), Carl Sagan e até Albert Einstein, criador da Teoria da Relatividade, que escreveu memorável livro, “Como vejo o mundo”, em que demonstrou inequívoco talento de escritor. Paulo Mendes Campos escreveu, sobre essas duas disciplinas, na crônica “Palavras e frases” (publicada na Revista Manchete, em 18 de março de 1967): “Ciência: brinquedo dos homens graves; arte: ciência dos homens crianças”. Concordo com o escritor, mas somente em parte. Ele dá a entender que essas duas formas de expressão do espírito são excludentes. Reitero: não são. São complementares. Prefiro a observação do norte-americano Will Durant, em seu clássico “Filosofia da Vida”: “Arte sem ciência é pobreza, mas ciência sem arte é barbárie”.
DIRETO DO ARQUIVO
Teste de eficiência
Pedro J. Bondaczuk
A Organização dos Estados Americanos, após autêntica maratona de debates ocorridos ao término da 15ª Assembléia Extraordinária, realizada na cidade colombiana de Cartagena, introduziu importantes alterações em sua carta constitutiva, capazes de tornar o organismo mais atuante.
A principal delas é a ampliação dos poderes do secretário-geral, o que possibilita que doravante a OEA mude seu papel de mero fórum de debates interamericano para o de um órgão atuante na prevenção de conflitos regionais.
Antes de começar a atual jornada de encontros dos chanceleres das três Américas, a delegação norte-americana havia chamado a atenção dos participantes para os riscos existentes na aprovação, a “toque de caixa”, de mudanças de tamanha magnitude nessa autêntica Constituição do organismo.
Ficou evidente que os Estados Unidos (que desde a desastrosa posição assumida na América Latina) temiam, na verdade, que os países membros da organização reconduzissem Cuba à entidade. Quando perceberam que as chances disso se verificar eram mínimas, se tranqüilizaram. E o secretário de Estado, George Shultz, chegou mesmo a incentivar as mudanças propostas na carta da OEA, que acabaram se verificando de fato na madrugada de ontem.
Se o organismo interamericano vai se tornar mais atuante após essa providência, é impossível de se prever. Será necessário testar a nova força do secretário-geral, João Baena Soares, num caso concreto, que implique em risco para a paz ou para a estabilidade do continente.
Aliás, nos próximos dias, espera-se que ele pelo menos tente intervir na questão da América Central, já que o Grupo de Contadora, com toda a boa vontade que tem demonstrado, não vem conseguindo conduzir os centro-americanos ao entendimento desejado.
De um lado, Honduras, Costa Rica, Guatemala e El Salvador reclamam do desequilíbrio de forças bélicas ocorrido na Nicarágua, com a aquisição, por parte do regime de Manágua, de sofisticados armamentos da União Soviética. De outro, os nicaragüenses, que avisam que enquanto persistir a ameaça de intervenção norte-americana em seu país, continuarão se aramando o quanto puderem.
Para que o clima de tensão possa ser amenizado, é indispensável que alguma das partes faça concessões. Os Estados Unidos, determinados a derrubar os sandinistas (isto desde quando Jimmy Carter ainda era o presidente, em 1970), não mostram qualquer sinal ainda de que estejam em vias de transferir os debates do campo militar para a mesa de negociações. Ao contrário, continuam apostando alto na incompetente guerrilha anti-sandinista, que em seis anos de hostilidades, não conseguiu se apossar de um único milímetro de território da Nicarágua.
Os nicaragüenses, por seu turno, vivendo as agruras de um isolamento continental, não fazem por menos. Exigem uma garantia, e não muito pequena, de que o atual regime não será derrubado pelas armas. Reivindicam a suspensão dos embargos econômicos anunciados pelo presidente Ronald Reagan, quando de sua viagem a Bonn, na Alemanha Ocidental, em 2 de maio passado e a desmobilização das bases militares norte-americanas em Honduras. Além, é claro, de uma completa parada no fornecimento de armas e de treinamento aos chamados “contras”.
Como se vê, é um impasse para diplomata algum botar defeito. Nada melhor, portanto, para testar os novos poderes de Baena Soares do que esse magnífico problema. Se conseguir encontrar uma solução, será a consagração da OEA. Em caso contrário, o organismo continuará sendo o que sempre foi: um mero fórum de debates, onde os chanceleres exercitam apenas a sua retórica.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 6 de dezembro de 1985).
Pedro J. Bondaczuk
A Organização dos Estados Americanos, após autêntica maratona de debates ocorridos ao término da 15ª Assembléia Extraordinária, realizada na cidade colombiana de Cartagena, introduziu importantes alterações em sua carta constitutiva, capazes de tornar o organismo mais atuante.
A principal delas é a ampliação dos poderes do secretário-geral, o que possibilita que doravante a OEA mude seu papel de mero fórum de debates interamericano para o de um órgão atuante na prevenção de conflitos regionais.
Antes de começar a atual jornada de encontros dos chanceleres das três Américas, a delegação norte-americana havia chamado a atenção dos participantes para os riscos existentes na aprovação, a “toque de caixa”, de mudanças de tamanha magnitude nessa autêntica Constituição do organismo.
Ficou evidente que os Estados Unidos (que desde a desastrosa posição assumida na América Latina) temiam, na verdade, que os países membros da organização reconduzissem Cuba à entidade. Quando perceberam que as chances disso se verificar eram mínimas, se tranqüilizaram. E o secretário de Estado, George Shultz, chegou mesmo a incentivar as mudanças propostas na carta da OEA, que acabaram se verificando de fato na madrugada de ontem.
Se o organismo interamericano vai se tornar mais atuante após essa providência, é impossível de se prever. Será necessário testar a nova força do secretário-geral, João Baena Soares, num caso concreto, que implique em risco para a paz ou para a estabilidade do continente.
Aliás, nos próximos dias, espera-se que ele pelo menos tente intervir na questão da América Central, já que o Grupo de Contadora, com toda a boa vontade que tem demonstrado, não vem conseguindo conduzir os centro-americanos ao entendimento desejado.
De um lado, Honduras, Costa Rica, Guatemala e El Salvador reclamam do desequilíbrio de forças bélicas ocorrido na Nicarágua, com a aquisição, por parte do regime de Manágua, de sofisticados armamentos da União Soviética. De outro, os nicaragüenses, que avisam que enquanto persistir a ameaça de intervenção norte-americana em seu país, continuarão se aramando o quanto puderem.
Para que o clima de tensão possa ser amenizado, é indispensável que alguma das partes faça concessões. Os Estados Unidos, determinados a derrubar os sandinistas (isto desde quando Jimmy Carter ainda era o presidente, em 1970), não mostram qualquer sinal ainda de que estejam em vias de transferir os debates do campo militar para a mesa de negociações. Ao contrário, continuam apostando alto na incompetente guerrilha anti-sandinista, que em seis anos de hostilidades, não conseguiu se apossar de um único milímetro de território da Nicarágua.
Os nicaragüenses, por seu turno, vivendo as agruras de um isolamento continental, não fazem por menos. Exigem uma garantia, e não muito pequena, de que o atual regime não será derrubado pelas armas. Reivindicam a suspensão dos embargos econômicos anunciados pelo presidente Ronald Reagan, quando de sua viagem a Bonn, na Alemanha Ocidental, em 2 de maio passado e a desmobilização das bases militares norte-americanas em Honduras. Além, é claro, de uma completa parada no fornecimento de armas e de treinamento aos chamados “contras”.
Como se vê, é um impasse para diplomata algum botar defeito. Nada melhor, portanto, para testar os novos poderes de Baena Soares do que esse magnífico problema. Se conseguir encontrar uma solução, será a consagração da OEA. Em caso contrário, o organismo continuará sendo o que sempre foi: um mero fórum de debates, onde os chanceleres exercitam apenas a sua retórica.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 6 de dezembro de 1985).
Saturday, August 22, 2009
REFLEXÂO DO DIA
O cronista mineiro, Paulo Mendes Campos, descreve, numa de suas tantas crônicas, o cenário ideal para a imaginação voar livre e veloz, em busca de dimensões e de mundos ideais. Em uma delas, intitulada “De um caderno cinzento”, datada de 17 de agosto de 1967, publicada na Revista Manchete, pincei este trecho que se refere ao cenário ideal para essas “viagens”: “Céu azul não conhece fronteira de sombra; céu azul é indispensável antes de tudo aos cegos; azul do céu não é cor, mas uma qualidade do mundo, uma luminosidade apreensível por todos os sentidos, fragrância, convivência mais delicada, concerto de sons, transparência do universo”. Como se vê, a imaginação é, mesmo, veloz, imprevisível e não raro dispersiva e caótica. Por isso, precisa ser direcionada, e sempre, para o lado positivo e belo da vida. Se fizermos o contrário, conheceremos o inferno e seus incontáveis sofrimentos. Tem, por isso, como campo preferido de atuação, o espaço infinito, ou seja, a imensidão sem limites, o céu sem fronteiras.
Soneto à doce amada - XXXVII
Pedro J. Bondaczuk
Pra que tanta luz e rutilância?
Por que esta tristeza, esta saudade
e por que este desejo, esta ânsia,
de ser um consolo à humanidade?
Por que estes sonhos ultrapassados,
por que esta fantasia irreal,
pra que servem estes verdes prados
e esta gota fresca de cristal?
Por que eu escrevo triste assim
estes versos calmos, mas sentidos
entre tantas flores do jardim?
Por que estes prantos comovidos
em seus olhos, ora doloridos,
se eu agora estou chegando ao fim?!
(Soneto composto em Campinas, em 4 de outubro de 1967 e publicado no jornal "O Município", de São João da Boa Vista, em 25 de maio de 1968 e no "Jornal do ACP", de Paulínia, em 28 de julho de 1969).
Pra que tanta luz e rutilância?
Por que esta tristeza, esta saudade
e por que este desejo, esta ânsia,
de ser um consolo à humanidade?
Por que estes sonhos ultrapassados,
por que esta fantasia irreal,
pra que servem estes verdes prados
e esta gota fresca de cristal?
Por que eu escrevo triste assim
estes versos calmos, mas sentidos
entre tantas flores do jardim?
Por que estes prantos comovidos
em seus olhos, ora doloridos,
se eu agora estou chegando ao fim?!
(Soneto composto em Campinas, em 4 de outubro de 1967 e publicado no jornal "O Município", de São João da Boa Vista, em 25 de maio de 1968 e no "Jornal do ACP", de Paulínia, em 28 de julho de 1969).
Friday, August 21, 2009
REFLEXÂO DO DIA
A imaginação sadia e bem-direcionada, não tem limites. Foi, é e sempre será a fonte de toda a criatividade, que nos impulsiona ao progresso e às grandes realizações. O que seria das artes sem esse fantástico ingrediente? E das idéias, da ciência e da tecnologia? Seu alcance é ilimitado e nos torna poderosos, muito mais do que possamos supor. O “cenário”, contudo, – embora não seja fator determinante – ajuda a darmos asas à imaginação. Por exemplo, em uma noite calma e clara de luar e de céu estrelado, nosso pensamento viaja, livre e solto, por mundos desconhecidos, por entre as constelações de estrelas (das quais somos, literalmente, pó). O mesmo já não ocorre – não pelo menos com a mesma facilidade – em dias nublados e cinzentos, nos quais imperem a melancolia e a saudade. Essas ocasiões são mais propícias à introspecção, a calmas e preguiçosas “viagens” pelo nosso interior, descobrindo (ou redescobrindo) imagens guardadas no fundo do cérebro por anos ou até por décadas e que sequer nos dávamos conta que estavam ali.
Conhecimento insuficiente
Pedro J. Bondaczuk
O conhecimento insuficiente de pessoas, coisas ou conceitos, não raro nos leva a cometer trapalhadas dantescas, que se tornam antológicas aos olhos dos amigos e, sobretudo, dos inimigos. São repetidas, e repetidas e repetidas às vezes anos após ocorridas, para nosso profundo constrangimento e, não raro, irritação.
Trocamos, por exemplo, em uma festa, o nome do anfitrião que nos recepciona. Trata-se, claro, de ostensiva mancada. Ou, pior, falamos mal da recepção. Criticamos as comidas e bebidas, por exemplo, e justamente para o dono da casa, que julgávamos fosse outro, não aquele com o qual conversamos.
Quando nos damos conta da papagaiada... É um Deus nos acuda! Não sabemos onde enfiar a cara. Gostaríamos, então, que o chão se abrisse, num buraco enorme e bem fundo, para que nele pudéssemos nos esconder de modo a que ninguém note nosso constrangimento.
Trago esse assunto à baila não para criticar o comportamento alheio, o de quem quer que seja, mas o meu, embora, por tabela, também critique, claro, quem age com essa mesma imprudência, de querer opinar sobre o que conhece mal, ou de que, virtualmente, não sabe nada. Invariavelmente, se dá mal.
Ainda quando aprendemos alguma coisa com essas mancadas, há algum saldo positivo a extrair da trapalhada. Agiremos, provavelmente, com mais prudência em ocasiões semelhantes. O pior é quando repetimos as mesmíssimas gafes, embora com pessoas diferentes e em circunstâncias igualmente diversas. E isso acontece amiúde com alguns.
Há uma propaganda na televisão, do “Mercado Livre ponto com”, que ilustra a caráter esse tipo de situação. Ela mostra um sujeito em uma festa de casamento de uma família grega. Na recepção, após os cumprimentos de praxe aos noivos, e dos vários brindes erguidos, um conjunto começa a tocar músicas típicas desse país mediterrâneo. Aos poucos, os presentes perdem a timidez e começam a dançar.
Uma das pessoas presentes pega um prato e joga-o com toda força ao chão. Lógico, este se espatifa, espalhando cacos por todos os lados. Outros convidados imitam o primeiro e fazem o mesmo. Ao canto, está o personagem central da propaganda, olhando, assustado, aquela “esbórnia”.
Mas a quebradeira de pratos continua cada vez mais animada e se generaliza. O chão está repleto de cacos. E as pessoas continuam a quebrar a louça, com crescente vigor. Estimulado pelo pai da noiva, o tal sujeito (que certamente não conhece esse costume grego, ou sabe o insuficiente a respeito), resolve imitar os demais.
Pega um prato, joga-o com toda força ao chão e observa a reação dos presentes. Esperava censura, mas, em vez disso, todos o aplaudem entusiasticamente. Isso o anima. Ainda ressabiado, quebra um segundo prato e olha de novo para todos os lados para ver no que isso vai dar. Novamente é aplaudido.
Não tem mais dúvidas: começa a jogar no chão prato após prato. Quando estes acabam, faz o mesmo com as preciosas taças de cristal importadas, raríssimas e sumamente caras. Desta vez, nem olha para os lados. Continua quebrando tudo o que vê à sua frente: jarras, sopeiras, travessas, um computador, a televisão de plasma... Só então, percebe que a música parou e que todos o olham com ar de suprema reprovação, como que querendo esganá-lo. Pelo menos os donos da festa, certamente, queriam.
Nosso personagem, ao ver a quebra de pratos, achou que essa família era maluca e queria ver todos os objetos da casa quebrados. Não queria, é óbvio. Mas o tal sujeito, ao chegar à festa, não sabia nada dos costumes gregos. Passou a saber, mas de forma insuficiente, assim que o primeiro prato foi quebrado. Acabou, pois, não apenas dando um vexame danado, mas tendo que ressarcir a família dos prejuízos que causou.
Quantos de nós já não passamos por constrangimentos semelhantes, ou até piores, rigorosamente por culpa da nossa ignorância? Sei de alguém, por exemplo, que tratou um escocês, a quem foi apresentado numa recepção, de “minha senhora”. Alertado para a gafe que havia cometido, cochichou para o amigo que o advertiu: “Como eu ia saber? O sujeito, além de ter os cabelos compridos, usava saia!”.
E essa foi verdadeira. Não se trata de invenção deste cronista, estejam certos, embora seja um episódio tão insólito, que mal dá para acreditar. Não vou, claro, revelar o nome de quem deu essa mancada, para não juntar mais uma trapalhada ao meu vasto repertório de gafes.
Quando participarmos, pois, de uma conversa em que o assunto tratado não seja da nossa especialidade, manda o bom-senso que nos abstenhamos de opinar a respeito. Afinal, em boca fechada nunca entra mosquito. Caso venhamos a ser instados a dar uma opinião, não custa ter a humildade de confessar que não sabemos do que se trata. Não é demérito algum não conhecer determinados assuntos. Feio é sair por aí, como um incorrigível boquirroto, exalando besteiras por todos os poros.
Quando formos convidados para uma festa (ou mesmo quando entrarmos em alguma de “bicão”), convém que nos informemos antes sobre quem é o anfitrião, do que ele gosta, qual é o seu nome, quais são seus costumes e coisas assim, comezinhas e elementares. E se virmos os convidados agindo, como os da propaganda do Mercado Livre agem, não saiamos imitando os outros, a torto e a direito, como macacos. Busquemos saber do que se trata, antes de entrarmos na brincadeira. Simples assim!
O conhecimento insuficiente de pessoas, coisas ou conceitos, não raro nos leva a cometer trapalhadas dantescas, que se tornam antológicas aos olhos dos amigos e, sobretudo, dos inimigos. São repetidas, e repetidas e repetidas às vezes anos após ocorridas, para nosso profundo constrangimento e, não raro, irritação.
Trocamos, por exemplo, em uma festa, o nome do anfitrião que nos recepciona. Trata-se, claro, de ostensiva mancada. Ou, pior, falamos mal da recepção. Criticamos as comidas e bebidas, por exemplo, e justamente para o dono da casa, que julgávamos fosse outro, não aquele com o qual conversamos.
Quando nos damos conta da papagaiada... É um Deus nos acuda! Não sabemos onde enfiar a cara. Gostaríamos, então, que o chão se abrisse, num buraco enorme e bem fundo, para que nele pudéssemos nos esconder de modo a que ninguém note nosso constrangimento.
Trago esse assunto à baila não para criticar o comportamento alheio, o de quem quer que seja, mas o meu, embora, por tabela, também critique, claro, quem age com essa mesma imprudência, de querer opinar sobre o que conhece mal, ou de que, virtualmente, não sabe nada. Invariavelmente, se dá mal.
Ainda quando aprendemos alguma coisa com essas mancadas, há algum saldo positivo a extrair da trapalhada. Agiremos, provavelmente, com mais prudência em ocasiões semelhantes. O pior é quando repetimos as mesmíssimas gafes, embora com pessoas diferentes e em circunstâncias igualmente diversas. E isso acontece amiúde com alguns.
Há uma propaganda na televisão, do “Mercado Livre ponto com”, que ilustra a caráter esse tipo de situação. Ela mostra um sujeito em uma festa de casamento de uma família grega. Na recepção, após os cumprimentos de praxe aos noivos, e dos vários brindes erguidos, um conjunto começa a tocar músicas típicas desse país mediterrâneo. Aos poucos, os presentes perdem a timidez e começam a dançar.
Uma das pessoas presentes pega um prato e joga-o com toda força ao chão. Lógico, este se espatifa, espalhando cacos por todos os lados. Outros convidados imitam o primeiro e fazem o mesmo. Ao canto, está o personagem central da propaganda, olhando, assustado, aquela “esbórnia”.
Mas a quebradeira de pratos continua cada vez mais animada e se generaliza. O chão está repleto de cacos. E as pessoas continuam a quebrar a louça, com crescente vigor. Estimulado pelo pai da noiva, o tal sujeito (que certamente não conhece esse costume grego, ou sabe o insuficiente a respeito), resolve imitar os demais.
Pega um prato, joga-o com toda força ao chão e observa a reação dos presentes. Esperava censura, mas, em vez disso, todos o aplaudem entusiasticamente. Isso o anima. Ainda ressabiado, quebra um segundo prato e olha de novo para todos os lados para ver no que isso vai dar. Novamente é aplaudido.
Não tem mais dúvidas: começa a jogar no chão prato após prato. Quando estes acabam, faz o mesmo com as preciosas taças de cristal importadas, raríssimas e sumamente caras. Desta vez, nem olha para os lados. Continua quebrando tudo o que vê à sua frente: jarras, sopeiras, travessas, um computador, a televisão de plasma... Só então, percebe que a música parou e que todos o olham com ar de suprema reprovação, como que querendo esganá-lo. Pelo menos os donos da festa, certamente, queriam.
Nosso personagem, ao ver a quebra de pratos, achou que essa família era maluca e queria ver todos os objetos da casa quebrados. Não queria, é óbvio. Mas o tal sujeito, ao chegar à festa, não sabia nada dos costumes gregos. Passou a saber, mas de forma insuficiente, assim que o primeiro prato foi quebrado. Acabou, pois, não apenas dando um vexame danado, mas tendo que ressarcir a família dos prejuízos que causou.
Quantos de nós já não passamos por constrangimentos semelhantes, ou até piores, rigorosamente por culpa da nossa ignorância? Sei de alguém, por exemplo, que tratou um escocês, a quem foi apresentado numa recepção, de “minha senhora”. Alertado para a gafe que havia cometido, cochichou para o amigo que o advertiu: “Como eu ia saber? O sujeito, além de ter os cabelos compridos, usava saia!”.
E essa foi verdadeira. Não se trata de invenção deste cronista, estejam certos, embora seja um episódio tão insólito, que mal dá para acreditar. Não vou, claro, revelar o nome de quem deu essa mancada, para não juntar mais uma trapalhada ao meu vasto repertório de gafes.
Quando participarmos, pois, de uma conversa em que o assunto tratado não seja da nossa especialidade, manda o bom-senso que nos abstenhamos de opinar a respeito. Afinal, em boca fechada nunca entra mosquito. Caso venhamos a ser instados a dar uma opinião, não custa ter a humildade de confessar que não sabemos do que se trata. Não é demérito algum não conhecer determinados assuntos. Feio é sair por aí, como um incorrigível boquirroto, exalando besteiras por todos os poros.
Quando formos convidados para uma festa (ou mesmo quando entrarmos em alguma de “bicão”), convém que nos informemos antes sobre quem é o anfitrião, do que ele gosta, qual é o seu nome, quais são seus costumes e coisas assim, comezinhas e elementares. E se virmos os convidados agindo, como os da propaganda do Mercado Livre agem, não saiamos imitando os outros, a torto e a direito, como macacos. Busquemos saber do que se trata, antes de entrarmos na brincadeira. Simples assim!
Thursday, August 20, 2009
REFLEXÂO DO DIA
A imaginação, se levada para o lado negativo, deixa de ser nossa principal aliada e fonte de toda a criatividade, para se transformar num tormento de gigantescas proporções. Por exemplo, às vésperas de enfrentar alguma situação desagradável, da qual não possamos fugir, nossa tendência é fantasiar o que ainda não aconteceu e projetar na mente sofrimentos e conseqüências terríveis. Quando, finalmente, encaramos o que nos afligia, percebemos, surpresos, que aquilo não era tão ruim e trágico quanto imaginávamos que seria. Ou seja, é como o povo freqüentemente diz: “o diabo não é tão feio quanto o pintam”. Sofremos, duplamente, e sem a menor necessidade. Por isso, devemos, sim, dar asas à imaginação, mas apenas nas coisas positivas. Nas situações adversas, mandam o bom-senso e a prudência, devemos dar ouvidos, única e exclusivamente, à razão. Agindo assim, evitaremos sofrimentos inúteis e desnecessários e manteremos o desejável equilíbrio psicológico e emocional, sejam quais forem as circunstâncias..
Dádivas desprezadas
Pedro J. Bondaczuk
Não sou dado a tratar de temas religiosos, pois não sou teólogo e religião, portanto, está longe de se constituir em minha especialidade. Vez ou outra, porém, analiso algum assunto dessa natureza, mas com o olhar de um literato (quiçá de um filósofo), sem atentar, por conseqüência, para dogmas e nem contestar a fé alheia (que respeito profundamente, mesmo quando eventualmente não concorde com o objeto ao qual ela é voltada).
Crença é crença, e ponto final. Se o sujeito quiser acreditar que determinada pedra, ou mesa, ou cadeira ou outro objeto inanimado qualquer é “milagroso”, é problema dele. Quem estará incorrendo em erro será ele, não eu. Cabe-me somente respeitar o que ele acredita, desde que, claro, não tente me convencer a também crer no que ele crê. Da mesma forma que respeito sua crença, exijo que respeitem a minha. Reitero que não me sinto habilitado a fazer proselitismo e nem a converter quem quer que seja. Deixo isso a cargo padres, pastores e sacerdotes dos milhares de religiões que há por aí.
O que me mobiliza e é foco constante dos meus esforços é o estudo do comportamento. Procuro entender o que motiva determinada pessoa a crer em alguma divindade em detrimento de outra. Nesse estudo, não faço, óbvio, juízo de valor. Não discuto se as crenças são certas ou erradas. Quem sou eu para fazer esse tipo de julgamento? A única coisa que recomendo é que as pessoas fundamentem sua fé numa certa lógica. Que o façam com senso crítico, pois dessa forma ela se tornará mais profunda e incontestável.
Uma das coisas que mais me intrigam e aborrecem é a falta de gratidão do homem (inclusive e, talvez principalmente, a minha), face às dádivas diárias de Deus (e aqui não importa o nome ou a forma como o representem). Vivemos nos preocupando com o dia de amanhã, sem atentarmos que nem ao menos poderemos ter um. Apregoamos aos quatro ventos termos fé, mas raramente a manifestamos na prática.
Quem crê, de fato, em Deus, tem motivos para se preocupar quanto ao o que vai comer amanhã, ou como irá se vestir, ou em que casa irá morar, ou em que lugar irá trabalhar? Essa preocupação obsessiva não é, porventura, falta de confiança na proteção divina? E quem não confia, irrestritamente, não pode dizer que tem fé. Rigorosamente, não tem!
Érico Veríssimo escreveu um texto magnífico a esse propósito, no romance “Olhai os lírios do campo (Editora Globo, página 164, capítulo 13, parágrafos 2 e 3). Referiu-se, especificamente, a este monumento de sabedoria e verdade, que é o Sermão da Montanha, feito por Jesus Cristo, pouco tempo antes de ser entregue aos seus algozes. Analiso-o não à luz da religião, mas como roteiro de vida, que serve, a caráter, até para quem se confesse empedernido ateu (duvido que, de fato, exista algum, a menos que se trate de um desmiolado e absolutamente alienado de tudo e de todos). Não reproduzirei as palavras do magnífico Rabi, mas recomendo que você leia, meu caro leitor, com atenção e espírito crítico, na Bíblia. Só assim conseguirá apreender o tanto de sabedoria, beleza, verdade e grandeza que há nessas palavras.
Reproduzo, sim, o trecho citado de Érico Veríssimo: “Peço-te que pegues a minha Bíblia que está na estante de livros, perto do rádio, e leias apenas o Sermão da Montanha. Não te será difícil achar, pois a página está marcada com uma tira de papel. Os homens deviam ler e meditar esse trecho, principalmente no ponto em que Jesus nos fala dos lírios do campo que não trabalham nem fiam e no entanto nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como um deles. Está claro que não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar de papo para o ar esperando que tudo nos caia do céu. É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza. Mas precisamos dar um sentido humano às nossas construções. E quando o amor ao dinheiro, ao sucesso nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu”.
Acaso você sabe fazer esses intervalos, essas paradas necessárias e indispensáveis da maluca e insensata corrida humana atrás de sombras, sem atentar para as substâncias, caríssimo leitor? Se não sabe, busque aprender e rapidinho. Amanhã poderá não haver mais tempo. Ademais, você pode, eventualmente, sequer ter um amanhã.
Olhe os lírios do campo. Aprecie sua beleza. Sobretudo, valorize-a. Tenha fé, sim, mas fé ativa, viva, vibrante e irrestrita. Saiba ser, nem que seja apenas um pouquinho, grato pelos inúmeros privilégios que tem. Seja qual for sua situação, admita, você é privilegiado. Olhando ao redor, verá que sempre há alguém em situação pior do que a sua (caso a sua não seja das melhores).
Não se limite a praticar uma religião apenas formal, caracterizada por ritos, que você executa automaticamente, sem a mínima noção do seu significado, achando que, dessa maneira, “presta um favor” a Deus. Leia o Sermão da Montanha. E, mesmo que apregoe por aí ser empedernido ateu (o que, reitero, duvido que de fato seja) tente contestar uma só palavra dessa magnífica prédica de Cristo. Duvido que, com sua empáfia e sua abissal insignificância face ao universo, o consiga!
Não sou dado a tratar de temas religiosos, pois não sou teólogo e religião, portanto, está longe de se constituir em minha especialidade. Vez ou outra, porém, analiso algum assunto dessa natureza, mas com o olhar de um literato (quiçá de um filósofo), sem atentar, por conseqüência, para dogmas e nem contestar a fé alheia (que respeito profundamente, mesmo quando eventualmente não concorde com o objeto ao qual ela é voltada).
Crença é crença, e ponto final. Se o sujeito quiser acreditar que determinada pedra, ou mesa, ou cadeira ou outro objeto inanimado qualquer é “milagroso”, é problema dele. Quem estará incorrendo em erro será ele, não eu. Cabe-me somente respeitar o que ele acredita, desde que, claro, não tente me convencer a também crer no que ele crê. Da mesma forma que respeito sua crença, exijo que respeitem a minha. Reitero que não me sinto habilitado a fazer proselitismo e nem a converter quem quer que seja. Deixo isso a cargo padres, pastores e sacerdotes dos milhares de religiões que há por aí.
O que me mobiliza e é foco constante dos meus esforços é o estudo do comportamento. Procuro entender o que motiva determinada pessoa a crer em alguma divindade em detrimento de outra. Nesse estudo, não faço, óbvio, juízo de valor. Não discuto se as crenças são certas ou erradas. Quem sou eu para fazer esse tipo de julgamento? A única coisa que recomendo é que as pessoas fundamentem sua fé numa certa lógica. Que o façam com senso crítico, pois dessa forma ela se tornará mais profunda e incontestável.
Uma das coisas que mais me intrigam e aborrecem é a falta de gratidão do homem (inclusive e, talvez principalmente, a minha), face às dádivas diárias de Deus (e aqui não importa o nome ou a forma como o representem). Vivemos nos preocupando com o dia de amanhã, sem atentarmos que nem ao menos poderemos ter um. Apregoamos aos quatro ventos termos fé, mas raramente a manifestamos na prática.
Quem crê, de fato, em Deus, tem motivos para se preocupar quanto ao o que vai comer amanhã, ou como irá se vestir, ou em que casa irá morar, ou em que lugar irá trabalhar? Essa preocupação obsessiva não é, porventura, falta de confiança na proteção divina? E quem não confia, irrestritamente, não pode dizer que tem fé. Rigorosamente, não tem!
Érico Veríssimo escreveu um texto magnífico a esse propósito, no romance “Olhai os lírios do campo (Editora Globo, página 164, capítulo 13, parágrafos 2 e 3). Referiu-se, especificamente, a este monumento de sabedoria e verdade, que é o Sermão da Montanha, feito por Jesus Cristo, pouco tempo antes de ser entregue aos seus algozes. Analiso-o não à luz da religião, mas como roteiro de vida, que serve, a caráter, até para quem se confesse empedernido ateu (duvido que, de fato, exista algum, a menos que se trate de um desmiolado e absolutamente alienado de tudo e de todos). Não reproduzirei as palavras do magnífico Rabi, mas recomendo que você leia, meu caro leitor, com atenção e espírito crítico, na Bíblia. Só assim conseguirá apreender o tanto de sabedoria, beleza, verdade e grandeza que há nessas palavras.
Reproduzo, sim, o trecho citado de Érico Veríssimo: “Peço-te que pegues a minha Bíblia que está na estante de livros, perto do rádio, e leias apenas o Sermão da Montanha. Não te será difícil achar, pois a página está marcada com uma tira de papel. Os homens deviam ler e meditar esse trecho, principalmente no ponto em que Jesus nos fala dos lírios do campo que não trabalham nem fiam e no entanto nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como um deles. Está claro que não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar de papo para o ar esperando que tudo nos caia do céu. É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza. Mas precisamos dar um sentido humano às nossas construções. E quando o amor ao dinheiro, ao sucesso nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu”.
Acaso você sabe fazer esses intervalos, essas paradas necessárias e indispensáveis da maluca e insensata corrida humana atrás de sombras, sem atentar para as substâncias, caríssimo leitor? Se não sabe, busque aprender e rapidinho. Amanhã poderá não haver mais tempo. Ademais, você pode, eventualmente, sequer ter um amanhã.
Olhe os lírios do campo. Aprecie sua beleza. Sobretudo, valorize-a. Tenha fé, sim, mas fé ativa, viva, vibrante e irrestrita. Saiba ser, nem que seja apenas um pouquinho, grato pelos inúmeros privilégios que tem. Seja qual for sua situação, admita, você é privilegiado. Olhando ao redor, verá que sempre há alguém em situação pior do que a sua (caso a sua não seja das melhores).
Não se limite a praticar uma religião apenas formal, caracterizada por ritos, que você executa automaticamente, sem a mínima noção do seu significado, achando que, dessa maneira, “presta um favor” a Deus. Leia o Sermão da Montanha. E, mesmo que apregoe por aí ser empedernido ateu (o que, reitero, duvido que de fato seja) tente contestar uma só palavra dessa magnífica prédica de Cristo. Duvido que, com sua empáfia e sua abissal insignificância face ao universo, o consiga!
Wednesday, August 19, 2009
REFLEXÂO DO DIA
Qualquer tipo de renúncia é doloroso, não há como negar. Ainda mais quando afeta, diretamente, nosso ego. Mas não raro, esta se faz não somente necessária, como indispensável. E este é um desses casos. É disso que tratam estes versos com que o poeta piracicabano, Pedro Morato Krahenbuhl, abre o poema “Voto”: “Corrompe-te um vício de humanidade.//Se teu verso repousar na pedra,/na cúpula do tempo ressoar,/gradua-lhe o tom de eternidade,/em poeira e renúncia”. Confio no poder da auto-sugestão. Já vi pessoas fazerem maravilhas ao se convencerem que poderiam obter sucesso em suas atividades, quando todos os prognósticos lhes eram contrários. Nas recentes Olimpíadas de Pequim, vários atletas se superaram, e venceram os favoritos, estabelecendo recordes olímpicos e mundiais de suas modalidades, porque, além do devido preparo (indispensável, claro, para quem queira vencer em qualquer coisa), se convenceram de que poderiam surpreender a todos. E surpreenderam.
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Regresso à totalidade
Pedro J. Bondaczuk
O homem, a despeito de se constituir em um ser excepcional em relação às demais criaturas viventes conhecidas, animais e vegetais, não está satisfeito com a sua humanidade. Não compreende a morte, por exemplo, e aspira, mesmo que o negue, a uma impossível eternidade, mesmo que não seja a física.
Deseja (possivelmente, em vão) que pelo menos essa essência, que o move, e que lhe faculta a compreensão, que denomina de “alma”, ou de “espírito”, sobreviva ao tempo e à efemeridade. Há quem creia piamente nessa hipotética “outra vida” alhures, com outra conformação, que não a material, que seria um prêmio por suas virtudes e seu procedimento racional na Terra.
Há, também, em contrapartida, quem acredite que tudo se acabe com o último suspiro e que, quem, não aproveitou para satisfazer a carne, ou seja, os sentidos, viveu em vão. São os hedonistas e os epicuristas. De uma maneira ou de outra, todavia, todos aspiram por um retorno, e que não seja doloroso e traumático, à misteriosa e assombrosa totalidade, de onde foram arrancados à revelia. Afinal, ninguém pede para nascer!
Cada qual tem sua forma própria e peculiar de pensar a respeito e as estratégias para esse tão desejado regresso ao cosmo são tantas quantas são as pessoas que vivem ou já viveram desde a origem deste estranho e excepcional animal.
Uns apegam-se, exclusivamente, à religião, não raro dogmaticamente – e alguns vão ao extremo de se apegar fanaticamente – e anseiam que chegue logo esse momento de seguirem para esse Paraíso sonhado, em que não haveria sofrimentos (físicos e nem mentais), maldade, violência, injustiças, dores e nem morte. Estão certos? Estão errados? Não se pode dizer!
Outros, por sua vez, nutrem a (vã?) esperança de que o homem, algum dia, aprenderá a dominar seus instintos de fera, a conviver em paz e harmonia com o próximo e com a natureza e, mediante a ciência, descobrirá, entre seus tantos genes, o que lhe possibilite a vida eterna, mas em sua forma física, orgânica, corporal, do jeito que é. Estão certos? Estão errados? Também não se pode dizer!
Há uma série de fatores que, de acordo com a realidade de cada um, determina a forma duma pessoa refletir sobre seu futuro e de projetar nele seus anseios e esperanças. Os que nascem, por exemplo, com o estigma de alguma deficiência física (ou mental), e se vêem, por isso, limitados nas ações, sonham com maior intensidade com esse mundo espiritual, em que serão perfeitos e incorruptíveis, e poderão fazer tudo o que lhes é vedado em sua condição atual.
Têm aspiração idêntica os acometidos por doenças incapacitantes (e são tantos no mundo!), os que convivem, dia a dia, com intensas e cruciantes dores e que definham, a olhos vistos, ansiando, desesperadamente, pelo fim do seu sofrimento. Compreende-se sua posição face à vida, à qual usufruem com profundas limitações. Mas o ser humano é, paradoxalmente, tão grande, em sua profunda pequenez, que consegue criar esperanças quando as circunstâncias lhe são todas propícias, somente, ao desespero.
Mesmo os céticos, porém, os que não crêem em paraísos espirituais e nem em milagrosos feitos da ciência, anseiam pelo regresso à totalidade original. Como? Pelo amor! Parece constatação insólita, mas não é.
O poeta mexicano, Octávio Paz, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990, escreveu acerca dessa aspiração humana: “Ao nascer, fomos arrancados da totalidade. Pelo amor, nos sentimos regressar à totalidade original. Por isto as imagens poéticas transformam a pessoa amada em natureza – montanha, água, estrela, selva, mar, onda – e por sua vez a natureza fala como se fosse mulher. É a reconciliação com a totalidade que é o mundo”.
Os poetas, portanto, são os arautos de um admirável mundo novo, em que o homem, finalmente, possa adquirir a sonhada eternidade e se reconciliar com o todo. Suas criativas metáforas são arquétipos dos sonhos milenares da humanidade, expressos de formas tão variadas e contraditórias por tantos, ao longo de tanto tempo.
Intuem que, da mesma forma que, pelo amor, fomos arrancados, traumaticamente, da totalidade, apenas por seu intermédio poderemos a ela regressar. O orgasmo, por exemplo, é uma pequena representação da morte, da qual, todavia, renascemos, invariavelmente, relaxados, mas revigorados.
Quem está certo a esse propósito: os que se apegam às religiões ou os que crêem, exclusivamente, na ciência? Ninguém, mas ninguém mesmo está minimamente capacitado a dar um veredicto que sequer se aproxime da verdade. Mas o que fica claro é que o homem não se satisfaz com sua humanidade.
É certo? É errado? A resposta fica por conta de cada um, de conformidade com suas crenças e convicções. Ressalto, porém, que nosso intuito não é o de fazer juízo de valores a esse propósito e nem o de conquistar prosélitos para uma tese ou outra. É, exclusivamente, o de induzir você, fiel leitor, à madura reflexão. Pense nisso!
O homem, a despeito de se constituir em um ser excepcional em relação às demais criaturas viventes conhecidas, animais e vegetais, não está satisfeito com a sua humanidade. Não compreende a morte, por exemplo, e aspira, mesmo que o negue, a uma impossível eternidade, mesmo que não seja a física.
Deseja (possivelmente, em vão) que pelo menos essa essência, que o move, e que lhe faculta a compreensão, que denomina de “alma”, ou de “espírito”, sobreviva ao tempo e à efemeridade. Há quem creia piamente nessa hipotética “outra vida” alhures, com outra conformação, que não a material, que seria um prêmio por suas virtudes e seu procedimento racional na Terra.
Há, também, em contrapartida, quem acredite que tudo se acabe com o último suspiro e que, quem, não aproveitou para satisfazer a carne, ou seja, os sentidos, viveu em vão. São os hedonistas e os epicuristas. De uma maneira ou de outra, todavia, todos aspiram por um retorno, e que não seja doloroso e traumático, à misteriosa e assombrosa totalidade, de onde foram arrancados à revelia. Afinal, ninguém pede para nascer!
Cada qual tem sua forma própria e peculiar de pensar a respeito e as estratégias para esse tão desejado regresso ao cosmo são tantas quantas são as pessoas que vivem ou já viveram desde a origem deste estranho e excepcional animal.
Uns apegam-se, exclusivamente, à religião, não raro dogmaticamente – e alguns vão ao extremo de se apegar fanaticamente – e anseiam que chegue logo esse momento de seguirem para esse Paraíso sonhado, em que não haveria sofrimentos (físicos e nem mentais), maldade, violência, injustiças, dores e nem morte. Estão certos? Estão errados? Não se pode dizer!
Outros, por sua vez, nutrem a (vã?) esperança de que o homem, algum dia, aprenderá a dominar seus instintos de fera, a conviver em paz e harmonia com o próximo e com a natureza e, mediante a ciência, descobrirá, entre seus tantos genes, o que lhe possibilite a vida eterna, mas em sua forma física, orgânica, corporal, do jeito que é. Estão certos? Estão errados? Também não se pode dizer!
Há uma série de fatores que, de acordo com a realidade de cada um, determina a forma duma pessoa refletir sobre seu futuro e de projetar nele seus anseios e esperanças. Os que nascem, por exemplo, com o estigma de alguma deficiência física (ou mental), e se vêem, por isso, limitados nas ações, sonham com maior intensidade com esse mundo espiritual, em que serão perfeitos e incorruptíveis, e poderão fazer tudo o que lhes é vedado em sua condição atual.
Têm aspiração idêntica os acometidos por doenças incapacitantes (e são tantos no mundo!), os que convivem, dia a dia, com intensas e cruciantes dores e que definham, a olhos vistos, ansiando, desesperadamente, pelo fim do seu sofrimento. Compreende-se sua posição face à vida, à qual usufruem com profundas limitações. Mas o ser humano é, paradoxalmente, tão grande, em sua profunda pequenez, que consegue criar esperanças quando as circunstâncias lhe são todas propícias, somente, ao desespero.
Mesmo os céticos, porém, os que não crêem em paraísos espirituais e nem em milagrosos feitos da ciência, anseiam pelo regresso à totalidade original. Como? Pelo amor! Parece constatação insólita, mas não é.
O poeta mexicano, Octávio Paz, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990, escreveu acerca dessa aspiração humana: “Ao nascer, fomos arrancados da totalidade. Pelo amor, nos sentimos regressar à totalidade original. Por isto as imagens poéticas transformam a pessoa amada em natureza – montanha, água, estrela, selva, mar, onda – e por sua vez a natureza fala como se fosse mulher. É a reconciliação com a totalidade que é o mundo”.
Os poetas, portanto, são os arautos de um admirável mundo novo, em que o homem, finalmente, possa adquirir a sonhada eternidade e se reconciliar com o todo. Suas criativas metáforas são arquétipos dos sonhos milenares da humanidade, expressos de formas tão variadas e contraditórias por tantos, ao longo de tanto tempo.
Intuem que, da mesma forma que, pelo amor, fomos arrancados, traumaticamente, da totalidade, apenas por seu intermédio poderemos a ela regressar. O orgasmo, por exemplo, é uma pequena representação da morte, da qual, todavia, renascemos, invariavelmente, relaxados, mas revigorados.
Quem está certo a esse propósito: os que se apegam às religiões ou os que crêem, exclusivamente, na ciência? Ninguém, mas ninguém mesmo está minimamente capacitado a dar um veredicto que sequer se aproxime da verdade. Mas o que fica claro é que o homem não se satisfaz com sua humanidade.
É certo? É errado? A resposta fica por conta de cada um, de conformidade com suas crenças e convicções. Ressalto, porém, que nosso intuito não é o de fazer juízo de valores a esse propósito e nem o de conquistar prosélitos para uma tese ou outra. É, exclusivamente, o de induzir você, fiel leitor, à madura reflexão. Pense nisso!
Tuesday, August 18, 2009
REFLEXÂO DO DIA
Para uma vida imersa na beleza, a despeito da miséria e dos cenários horrendos do cotidiano, é necessário que as pessoas cultivem, desde tenra infância, até por instinto, o senso estético. Se puderem criar obras belas e harmoniosas, que encantem a vista e alegrem o coração, tanto melhor. Caso contrário, apenas a capacidade de identificá-las (e valorizá-las) e usufruí-las já transforma (para melhor) a vida de qualquer um. Curiosamente, nos lugares mais sombrios e desoladores, emergem, com freqüência, refinados artistas, que captam beleza até no próprio ar e a transmitem por palavras, cores e sons. Um dos versos do poema “Retrato”, de Cecília Meirelles, diz a propósito: “Meus pés vão pisando a terra/que é a imagem da minha vida:/tão vazia, mas tão bela,/tão certa, mas tão perdida!”. Algumas raras vezes uma obra de arte que produzimos supera, em grandeza e transcendência, em muito o que somos. Adquire um toque de magia, de perpetuidade, de eternidade até, enquanto nós não passamos de frágeis animais, efêmeros, ignorantes, sumamente imperfeitos e, sobretudo, transitórios.
A hora de ter razão
Pedro J. Bondaczuk
Ao entrarmos em uma discussão, qualquer que seja sua natureza ou teor, tentamos provar, por todos os meios, que estamos com a razão. Recorremos a toda espécie de argumentos para demonstrar que estamos certos (não raro, até, quando estamos errados). Muitas vezes, esgotada nossa argumentação, nos deixamos levar pela ira e tentamos impor nosso ponto de vista a ferro e fogo. E a discussão finda por se transformar em briga, de conseqüências sempre imprevisíveis, para nós e para nossos interlocutores.
Claro que em discussões de alto nível isso raramente acontece. Há casos em que conseguimos convencer quem discute conosco que estamos com a razão. Se formos magnânimos e não tripudiarmos sobre nosso antagonista, tudo terminará bem, entre risos e afagos e não restarão rusgas e ressentimentos entre ambos. Pode ocorrer o contrário, ou seja, do nosso interlocutor nos demonstrar que estávamos errados a propósito do que discutíamos. É o momento de deixarmos a vaidade de lado e nos rendermos, com elegância e cavalheirismo.
Quase nunca, porém, uma discussão, mesmo que se trate de assunto dos mais triviais e corriqueiros, termina em consenso. Há ocasiões em que insistimos em defender nosso ponto de vista, mesmo que convencidos intimamente de que não temos razão, às últimas consequências. Ou que nosso antagonista aja dessa mesma maneira e se mostre irredutível na tese que defende. Aliás, esse tipo de desfecho, infelizmente, é o mais comum. Melhor é nunca discutir.
Se a discussão, com esse final, ou seja, com as duas partes mantendo-se intransigentes em suas posições, for com algum amigo, essa amizade pode ficar comprometida, quando não arruinada. Muitas vezes nos afastamos de pessoas de quem gostamos e que ostensivamente gostam de nós e nos são leais, apenas por esses arroubos de vaidade. É aquela mania de “nunca darmos o braço a torcer”.
Todavia, há momentos, interlocutores e circunstâncias em que é melhor não ter razão. Ou abrir mão dela, mesmo que a tenhamos e que seja nítida e cristalina. Não se trata de hipocrisia, ou de falta de personalidade ou, mesmo, de não se dar valor à verdade. Trata-se de “diplomacia”. Ademais, se estivermos certos em nosso ponto de vista, o fato de alguém tentar demonstrar o contrário, ou seja, de que estamos errados, não alterará em nada a realidade. Aos olhos dos espectadores quem ficará mal será aquele que não admitir seu equívoco.
O poeta e cronista Affonso Romano de Sant’Anna, um dos escritores que mais admiro pelo seu talento, criatividade e bom-senso, alerta, na crônica intitulada “Aprendendo a amar”: “Ter razão é o maior perigo no amor”. Eu diria que não somente é perigoso, como é desastroso. Via de regra, uma discussão tola, não raro por motivo dos mais fúteis e pueris, arruína um relacionamento e separa, para sempre, duas pessoas que tinham tudo para construírem maravilhosa vida em comum.
E Sant’Anna justifica seu alerta: “Quem tem razão sempre se sente no direito – e o tem – de reivindicar, de exigir justiça, equidade, equiparação, sem atinar que o que está sem razão talvez passe por um momento de sua vida no qual não possa ter razão. Nem queira. Ter razão é um perigo: em geral, enfeia o amor, pois é invocado com justiça, mas na hora errada. Amar bonito é saber a hora de ter razão”.
No amor, um dos ingredientes essenciais é a capacidade de renúncia em favor da pessoa amada. É não somente desejar, mas se desdobrar, mover céus e terra, para que ela seja e se sinta feliz. Às vezes, não há reciprocidade da outra parte no que se refere a esse esforço. Mas quando há... Ah, sentimo-nos no Paraíso!!! Percebemos que vale a pena nos despir de vaidades, em geral tolas, diante do prêmio maior que poderemos conquistar.
Se você se vir em circunstâncias em que sua razão for contestada por quem você ama, mude de assunto. Elogie, por exemplo, sua beleza. Fale de seus olhos encantadores, do seu sorriso que o embevece, do seu porte altaneiro e de tantas e tantas outras coisas que você admire na amada. Desarme os espíritos (o seu e o dela).
Discussões sempre acontecem em qualquer relacionamento, por mais sólido que este seja. Afinal, as duas pessoas envolvidas são dois mundos distintos e dificilmente terão a mesma opinião em tudo e sempre. A lógica diz que irão divergir em inúmeras ocasiões e a propósito de inúmeras coisas. Não chegarão ao consenso em um montão de assuntos, com certeza. E é desejável que não cheguem.
Apenas não reivindique a razão (mesmo que estiver cobertíssimo dela) em toda e qualquer controvérsia. Seja compreensivo, paciente e sábio. E nunca se esqueça da consciente observação de Affonso Romano de Sant’Anna: “Amar bonito é saber a hora de ter razão”. Esteja certo, seu coração lhe dirá, com exatidão, quando este momento adequado chegar.
Quando isso ocorrer, não exija que a amada lhe peça desculpas por sua eventual desconfiança, ou injustiça ou teimosia. Esqueça, simplesmente, a discussão. Não retruque com azedume, mediante palavras das quais, com certeza, se arrependerá algum dia de ter dito. Porquanto amar, mas amar de fato, é “nunca ter que pedir perdão”. Não peça e nem o exija!
Ao entrarmos em uma discussão, qualquer que seja sua natureza ou teor, tentamos provar, por todos os meios, que estamos com a razão. Recorremos a toda espécie de argumentos para demonstrar que estamos certos (não raro, até, quando estamos errados). Muitas vezes, esgotada nossa argumentação, nos deixamos levar pela ira e tentamos impor nosso ponto de vista a ferro e fogo. E a discussão finda por se transformar em briga, de conseqüências sempre imprevisíveis, para nós e para nossos interlocutores.
Claro que em discussões de alto nível isso raramente acontece. Há casos em que conseguimos convencer quem discute conosco que estamos com a razão. Se formos magnânimos e não tripudiarmos sobre nosso antagonista, tudo terminará bem, entre risos e afagos e não restarão rusgas e ressentimentos entre ambos. Pode ocorrer o contrário, ou seja, do nosso interlocutor nos demonstrar que estávamos errados a propósito do que discutíamos. É o momento de deixarmos a vaidade de lado e nos rendermos, com elegância e cavalheirismo.
Quase nunca, porém, uma discussão, mesmo que se trate de assunto dos mais triviais e corriqueiros, termina em consenso. Há ocasiões em que insistimos em defender nosso ponto de vista, mesmo que convencidos intimamente de que não temos razão, às últimas consequências. Ou que nosso antagonista aja dessa mesma maneira e se mostre irredutível na tese que defende. Aliás, esse tipo de desfecho, infelizmente, é o mais comum. Melhor é nunca discutir.
Se a discussão, com esse final, ou seja, com as duas partes mantendo-se intransigentes em suas posições, for com algum amigo, essa amizade pode ficar comprometida, quando não arruinada. Muitas vezes nos afastamos de pessoas de quem gostamos e que ostensivamente gostam de nós e nos são leais, apenas por esses arroubos de vaidade. É aquela mania de “nunca darmos o braço a torcer”.
Todavia, há momentos, interlocutores e circunstâncias em que é melhor não ter razão. Ou abrir mão dela, mesmo que a tenhamos e que seja nítida e cristalina. Não se trata de hipocrisia, ou de falta de personalidade ou, mesmo, de não se dar valor à verdade. Trata-se de “diplomacia”. Ademais, se estivermos certos em nosso ponto de vista, o fato de alguém tentar demonstrar o contrário, ou seja, de que estamos errados, não alterará em nada a realidade. Aos olhos dos espectadores quem ficará mal será aquele que não admitir seu equívoco.
O poeta e cronista Affonso Romano de Sant’Anna, um dos escritores que mais admiro pelo seu talento, criatividade e bom-senso, alerta, na crônica intitulada “Aprendendo a amar”: “Ter razão é o maior perigo no amor”. Eu diria que não somente é perigoso, como é desastroso. Via de regra, uma discussão tola, não raro por motivo dos mais fúteis e pueris, arruína um relacionamento e separa, para sempre, duas pessoas que tinham tudo para construírem maravilhosa vida em comum.
E Sant’Anna justifica seu alerta: “Quem tem razão sempre se sente no direito – e o tem – de reivindicar, de exigir justiça, equidade, equiparação, sem atinar que o que está sem razão talvez passe por um momento de sua vida no qual não possa ter razão. Nem queira. Ter razão é um perigo: em geral, enfeia o amor, pois é invocado com justiça, mas na hora errada. Amar bonito é saber a hora de ter razão”.
No amor, um dos ingredientes essenciais é a capacidade de renúncia em favor da pessoa amada. É não somente desejar, mas se desdobrar, mover céus e terra, para que ela seja e se sinta feliz. Às vezes, não há reciprocidade da outra parte no que se refere a esse esforço. Mas quando há... Ah, sentimo-nos no Paraíso!!! Percebemos que vale a pena nos despir de vaidades, em geral tolas, diante do prêmio maior que poderemos conquistar.
Se você se vir em circunstâncias em que sua razão for contestada por quem você ama, mude de assunto. Elogie, por exemplo, sua beleza. Fale de seus olhos encantadores, do seu sorriso que o embevece, do seu porte altaneiro e de tantas e tantas outras coisas que você admire na amada. Desarme os espíritos (o seu e o dela).
Discussões sempre acontecem em qualquer relacionamento, por mais sólido que este seja. Afinal, as duas pessoas envolvidas são dois mundos distintos e dificilmente terão a mesma opinião em tudo e sempre. A lógica diz que irão divergir em inúmeras ocasiões e a propósito de inúmeras coisas. Não chegarão ao consenso em um montão de assuntos, com certeza. E é desejável que não cheguem.
Apenas não reivindique a razão (mesmo que estiver cobertíssimo dela) em toda e qualquer controvérsia. Seja compreensivo, paciente e sábio. E nunca se esqueça da consciente observação de Affonso Romano de Sant’Anna: “Amar bonito é saber a hora de ter razão”. Esteja certo, seu coração lhe dirá, com exatidão, quando este momento adequado chegar.
Quando isso ocorrer, não exija que a amada lhe peça desculpas por sua eventual desconfiança, ou injustiça ou teimosia. Esqueça, simplesmente, a discussão. Não retruque com azedume, mediante palavras das quais, com certeza, se arrependerá algum dia de ter dito. Porquanto amar, mas amar de fato, é “nunca ter que pedir perdão”. Não peça e nem o exija!
Monday, August 17, 2009
REFLEXÂO DO DIA
Será que o homem, algum dia, conseguirá extirpar o mal da sua mente e, por conseqüência, do mundo? Somente se (ou quando) conseguir sucesso nesse empreendimento, o dito “Homo Sapiens“ fará jus a essa designação. Enquanto isso... A vida da grande maioria das pessoas é, convenhamos, rotineira e vazia, por causa da personalidade, educação, oportunidades (no caso, falta delas) e, principalmente, circunstâncias de cada uma. Os valores e objetivos, geralmente, são ilusórios e pequenos. Dois terços da humanidade, infelizmente, vivem na miséria e têm diante dos olhos cenários cinzentos, paupérrimos, feios, horrendos, para que o um terço restante se regale e viva com conforto e até desregramento. Nem por isso as pessoas punidas pelas circunstâncias precisam abrir mão da beleza. Afinal, o mais puro e encantador lírio brota, também, nos mais infectos pântanos. Mesmo uma vida “perdida”, pelos critérios atuais de sucesso, não precisa, necessariamente, ser feia. Pode ser vazia, difícil e sofrida, mas, ainda assim, bela.
Vigor das línguas
Pedro J. Bondaczuk
O povo é quem faz a língua, seja qual for o idioma a que venhamos a nos referir, para desespero e inveja dos letrados, dos eruditos, dos doutos e sisudos guardiões do conhecimento e do saber. É ele que nomeia, de maneira clara, viva e simples, o concreto e o abstrato e cria verbos de originalidade sem par, nascidos espontaneamente, das suas necessidades de comunicação no cotidiano.
Tanto isso é verdade que, por exemplo, o português que falamos (e que tanto admiro e amo por seus recursos e sua expressividade) originou-se do latim vulgar, o falado pela soldadesca, pelos escravos e pela plebe de Roma e não do utilizado por seus poetas, filósofos e oradores. E não somente nosso idioma teve essa origem plebéia, no modo de se expressar do povo simples e rude, como seus “irmãos”, o francês, o espanhol, o italiano e o romeno, também tiveram.
Aos eruditos restaram os campos da filosofia, da psicologia, da psiquiatria, da sociologia, da antropologia e tantos outros, eivados de jargões, compreensíveis apenas aos iniciados, que criaram, criam e continuarão criando em profusão. Ler textos dessas especialidades, sem um dicionário à mão, é o mesmo que tentar decifrar o sânscrito sem nenhuma noção a respeito ou procurar entender, sem o ínfimo conhecimento do idioma, páginas escritas em japonês, árabe ou chinês. São impenetráveis, herméticos, criptografados, como se escritos de propósito para serem entendidos por pouquíssimas pessoas. É provável que o sejam, sabe-se lá.
Sempre que o povo cria uma nova gíria, alguma maneira diferente e pitoresca de identificar determinado objeto, conceito ou ação, a reação inicial dos gramáticos é a de horror. É a de torcer o nariz e determinar o veto imediato, a liminar proibição, a peremptória interdição daquela palavra ou expressão.
Os professores apressam-se em segui-los e corrigem seus alunos que as utilizem. Consideram errado seu emprego, por exemplo, em provas, o que influencia nas notas que atribuem aos pupilos e, muitas vezes, os reprovam por isso, fazendo com que percam um ano inteiro de esforços.
Mas a força do povo é maior, muito maior do que ele próprio possa sequer suspeitar (os poderosos de plantão sabem seu alcance e, por isso, esmeram-se em táticas de manipulação, para impedir que as multidões amorfas se unam em torno de alguma liderança carismática). A constância do uso popular consagra o que foi antes vetado pelos gramáticos e, quase sempre a contragosto, estes têm que se dar por vencidos e acrescentar, o que repudiaram com tamanho ímpeto e vigor, aos dicionários e à semântica.
Note-se que não é o povo que cria expressões ridículas e desnecessárias que, estas sim, conspurcam e avacalham o idioma. Nunca vi, por exemplo, nenhum gari, ou pedreiro, ou faxineiro etc. utilizar o horrendo “a nível de”, que até recentemente circulava na boca de ministros, secretários de Estado e pesquisadores com vasta coleção de diplomas, sempre que tentavam explicar o que quer que fosse.
Verbos como “alavancar”, “otimizar” e tantas outras excrescências vocabulares são comuns nos setores de comunicação das empresas e corporações, mas nunca na boca dos seus operários. Claro que essas “expressões da moda” não pegam, e jamais serão incorporadas a nenhum dicionário, pois não emergem das camadas populares, as verdadeiras artífices dos idiomas. Não tardam a cair em desuso, substituídas que são por outras tantas asneiras de igual teor.
O Prêmio Nobel de Literatura de 1921,. Anatole France, escreveu a respeito: “O povo faz bem às línguas. Fá-las imaginosas e claras, vivas e expressivas. Se fossem os sábios a fazê-las, elas seriam baças e pesadas”. Vocês já pensaram se, em nosso cotidiano, no bate-papo informal com os amigos no fim de tarde, por exemplo, ou no namoro, na boate, no campo de futebol, no pátio das escolas nos horários de recreio etc. usássemos a linguagem pesada e baça dos eruditos?!
As conversas seriam, certamente, de uma chatice abissal. Consagraríamos bobagens, risíveis e dispensáveis, como o “a nível de” (que não suporto sequer mencionar, mesmo que para a ridicularizar), e os tais “alavancar”, “otimizar” e quejandos, como o suprassumo da perfeição em termos de comunicação. Não, não e não! Nem pensar! Prefiro a ação do povão, revigorando, oxigenando, clareando, vivificando e destacando a selvagem beleza desta “última flor do Lácio, inculta e bela...”
O povo é quem faz a língua, seja qual for o idioma a que venhamos a nos referir, para desespero e inveja dos letrados, dos eruditos, dos doutos e sisudos guardiões do conhecimento e do saber. É ele que nomeia, de maneira clara, viva e simples, o concreto e o abstrato e cria verbos de originalidade sem par, nascidos espontaneamente, das suas necessidades de comunicação no cotidiano.
Tanto isso é verdade que, por exemplo, o português que falamos (e que tanto admiro e amo por seus recursos e sua expressividade) originou-se do latim vulgar, o falado pela soldadesca, pelos escravos e pela plebe de Roma e não do utilizado por seus poetas, filósofos e oradores. E não somente nosso idioma teve essa origem plebéia, no modo de se expressar do povo simples e rude, como seus “irmãos”, o francês, o espanhol, o italiano e o romeno, também tiveram.
Aos eruditos restaram os campos da filosofia, da psicologia, da psiquiatria, da sociologia, da antropologia e tantos outros, eivados de jargões, compreensíveis apenas aos iniciados, que criaram, criam e continuarão criando em profusão. Ler textos dessas especialidades, sem um dicionário à mão, é o mesmo que tentar decifrar o sânscrito sem nenhuma noção a respeito ou procurar entender, sem o ínfimo conhecimento do idioma, páginas escritas em japonês, árabe ou chinês. São impenetráveis, herméticos, criptografados, como se escritos de propósito para serem entendidos por pouquíssimas pessoas. É provável que o sejam, sabe-se lá.
Sempre que o povo cria uma nova gíria, alguma maneira diferente e pitoresca de identificar determinado objeto, conceito ou ação, a reação inicial dos gramáticos é a de horror. É a de torcer o nariz e determinar o veto imediato, a liminar proibição, a peremptória interdição daquela palavra ou expressão.
Os professores apressam-se em segui-los e corrigem seus alunos que as utilizem. Consideram errado seu emprego, por exemplo, em provas, o que influencia nas notas que atribuem aos pupilos e, muitas vezes, os reprovam por isso, fazendo com que percam um ano inteiro de esforços.
Mas a força do povo é maior, muito maior do que ele próprio possa sequer suspeitar (os poderosos de plantão sabem seu alcance e, por isso, esmeram-se em táticas de manipulação, para impedir que as multidões amorfas se unam em torno de alguma liderança carismática). A constância do uso popular consagra o que foi antes vetado pelos gramáticos e, quase sempre a contragosto, estes têm que se dar por vencidos e acrescentar, o que repudiaram com tamanho ímpeto e vigor, aos dicionários e à semântica.
Note-se que não é o povo que cria expressões ridículas e desnecessárias que, estas sim, conspurcam e avacalham o idioma. Nunca vi, por exemplo, nenhum gari, ou pedreiro, ou faxineiro etc. utilizar o horrendo “a nível de”, que até recentemente circulava na boca de ministros, secretários de Estado e pesquisadores com vasta coleção de diplomas, sempre que tentavam explicar o que quer que fosse.
Verbos como “alavancar”, “otimizar” e tantas outras excrescências vocabulares são comuns nos setores de comunicação das empresas e corporações, mas nunca na boca dos seus operários. Claro que essas “expressões da moda” não pegam, e jamais serão incorporadas a nenhum dicionário, pois não emergem das camadas populares, as verdadeiras artífices dos idiomas. Não tardam a cair em desuso, substituídas que são por outras tantas asneiras de igual teor.
O Prêmio Nobel de Literatura de 1921,. Anatole France, escreveu a respeito: “O povo faz bem às línguas. Fá-las imaginosas e claras, vivas e expressivas. Se fossem os sábios a fazê-las, elas seriam baças e pesadas”. Vocês já pensaram se, em nosso cotidiano, no bate-papo informal com os amigos no fim de tarde, por exemplo, ou no namoro, na boate, no campo de futebol, no pátio das escolas nos horários de recreio etc. usássemos a linguagem pesada e baça dos eruditos?!
As conversas seriam, certamente, de uma chatice abissal. Consagraríamos bobagens, risíveis e dispensáveis, como o “a nível de” (que não suporto sequer mencionar, mesmo que para a ridicularizar), e os tais “alavancar”, “otimizar” e quejandos, como o suprassumo da perfeição em termos de comunicação. Não, não e não! Nem pensar! Prefiro a ação do povão, revigorando, oxigenando, clareando, vivificando e destacando a selvagem beleza desta “última flor do Lácio, inculta e bela...”
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