Tuesday, March 31, 2009

REFLEXÃO DO DIA


As leis da física, que mentes brilhantes e inquisidoras descobriram (pois sempre existiram, criadas que foram por uma mente muito maior) e sistematizaram, deixam-me cada vez mais pasmo, à medida que as aprendo e analiso. Elas apenas aumentam as dimensões do grande mistério, que é esse universo, com número inconcebível (à parca e tão limitada inteligência humana) de quantificar de mundos. Matéria e energia são dois fatores fascinantes e incríveis e agem como miragens. Parecem uma coisa e na verdade são outras. O que nos parece absolutamente sólido, como a madeira da escrivaninha que utilizo para escrever estas reflexões, por exemplo, na verdade, quando analisado ao microscópio, se revela oco, com mais espaços vazios do que matérias concretas (no caso, os átomos). Quanto mais aumentasse o poder das lentes e penetrasse mais e mais no âmago desse objeto (aparentemente inteiriço) menos rígido, certamente, ele se apresentaria. Jorge Luiz Borges induz os leitores a esta instigante reflexão, neste trecho do seu livro “História da Eternidade”: “No terceiro livro da Enéadas, lemos que a matéria é irreal: uma simples e oca passividade que recebe as formas universais como um espelho as receberia: estas a agitam e povoam sem alterá-la. Sua plenitude é precisamente a de um espelho, que aparenta estar cheio e está vazio; é um fantasma que nem sequer desaparece, porque não tem nem ao menos a capacidade de cessar. O fundamental são as formas”. Tudo é questão de ponto de vista.

Eros e Thanatos


Pedro J. Bondaczuk

O psicanalista e escritor Hélio Pellegrino afirmou, certa feita, o seguinte, que se constitui no fundamento da própria psicanálise: “A vida é, afinal, luta renhida entre Eros e Thanatos”. Ou seja, temos dois instintos básicos, travando batalha decisivas em nosso interior, do nosso nascimento, até a morte: o de preservação da espécie (erótico, que nos propicia o amor) e o de destruição (própria e dos outros), o tânico.
Numa inteligente e provocativa crônica, intitulada “Apologia da dor de dente” (publicada em 23 de junho de 1983 no jornal “Folha de S. Paulo”) disse, também, algo que pode até ser sumamente polêmico (e que eu nunca havia atentado, mas com o que concordo plenamente): “O padecimento do corpo é um berro de Eros, contra as vilanias de Thanatos”.
É isso mesmo o que o leitor entendeu. A dor (física, mental e/ou psicológica) é provocada pelo amor, não pelo ódio, e age como uma espécie de alarme contra as investidas do nosso instinto de destruição (reitero, própria e dos outros). “Como pode um sentimento tão benigno e nobre provocar tantos sofrimentos?”, perguntará, certamente, o leitor, cético e crítico. Pois é, mas provoca. E exclusivamente para a nossa proteção, frise-se.
Entendo o amor apenas como um sentimento irrestrito, que envolva a totalidade de um homem e uma mulher: corpo, alma, pensamentos, sentimentos, ideais e tudo isso mutua e simultaneamente, sem nenhuma restrição ou pudor. É verdade que a palavra designa muitas outras emoções, a meu ver, de forma equivocada.
Quando há, por exemplo, apenas atração sexual entre dois parceiros, eles têm desejo, mas não se amam. Saciada a vontade, resta o vazio, quando não até repulsa entre ambos, até que voltem a se desejar fisicamente (quando voltam).
O simples afeto, sem atração carnal, é só amizade. A necessidade irresistível de um pelo outro, mas com a idéia de que o sexo tira a pureza do sentimento, é belo, é poético, mas não é amor. É platonismo. O poeta português, Alexandre O’Neill, até escreveu estes versos a propósito: “Na nossa carne estamos/sem destino, sem medo, sem pudor,/e trocamos – somos um? Somos dois? –/espírito e calor!//O amor é o amor – e depois?”
O amor próprio, por sua vez, desde que não se corrompa e não se transforme em megalomaníaca auto-idolatria, é essencial para que possamos amar o próximo. É um referencial de intensidade desse sentimento em relação aos que nos cercam. Quem não ama sequer a si jamais haverá de amar a quem quer que seja.
É aí que Eros está presente e atuante mais do que nunca. E é nestas circunstâncias que provoca mais dor, como aviso para nos precavermos contra as artimanhas de Tanatos. Nada é mais dolorido, por exemplo, do que o sentimento de rejeição, ou seja, do que o amor recusado por quem amamos. No entanto, é uma reação necessária para que venhamos a reagir e procurar alternativas que nos sejam benignas.
O indispensável é que sempre haja amor em nós. Não precisa ser louco. Não precisa ser apregoado aos quatro ventos, embora tenha que ser manifestado, com grandeza e com clareza, a quem seja seu destinatário. O Mestre dos Mestres recomendou: “Ame o próximo como a si mesmo”. Se o seu amor por você for pequeno, ou se nem ao menos existir, como você poderá amar alguém? Não poderá!.
Esse sentimento, tão nobre e desejável, às vezes nos apronta armadilhas que só nos conduzem à decepção e, consequentemente, à tremenda dor do amor próprio ferido. Há pessoas, por exemplo, que asseguram pensar em nós, mas seus atos desmentem tal afirmação. Garantem que nos amam, mas seus olhos, gestos e procedimentos mostram exatamente o contrário e não sentimos na pele a existência desse amor.
Pensamentos e palavras, via de regra, estão envoltos em falsidade e enganam mesmo os que os têm e as dizem. O que conta são atitudes, gestos, manifestações espontâneas e concretas. O amor não se traduz em palavras, mas em irrestrita entrega, em absoluta cumplicidade, em total fusão de sentimentos e aspirações.
Faço minhas as palavras de Mauro Sampaio, neste poema que é um apelo (meu apelo também), intitulado “Se pensares em mim”: “Se pensares em mim, já não o penses!/Que é pensamento vão o pensamento.//Olha! Se me quiseres,/repito, já não penses./Confessa com teus sentidos, confessa/ao meu sentido atento.//Não penses em mim,/que pensamento é falso./É sempre o obscuro momento/de um sonho,/que de sonhar se esquece!”.
Se o amor não for manifestado com todos os sentidos por quem assegura nos amar, mas apenas com simples palavras, será, certamente, outra artimanha de Thanatos, no intento de nos enredar e, quem sabe, destruir. Eros, porém, diligente, tentará nos avisar, para que venhamos a nos precaver. E com dor, muita dor, estejamos certos disso.

Monday, March 30, 2009

REFLEXÃO DO DIA


Os sonhos sempre me intrigaram e fascinaram e, por mais que tenha estudado a respeito, nunca consegui compreender seu mecanismo e sua utilidade. Não é estranho “vivermos” uma outra vida, quando nosso corpo está em absoluto repouso, numa simulação da morte? “Convivemos” com pessoas que não lembramos de já termos sequer visto algum dia, “vemos” paisagens que nunca vimos de verdade, “vivemos” histórias que nunca aconteceram. Enfim, passa em nossa mente, todas as noites, um “filme” inédito (provavelmente, vários) do qual somos, simultaneamente, roteiristas, diretores e atores. Garantem, os especialistas, que os sonhos são projeções de nossa mente, uma espécie de “descarga” de tensões que acumulamos ao longo do dia e de preocupações que nos acometem a todo o momento e das quais nos livramos, nas asas da fantasia, mediante esse processo. Será? Tenho lá minhas dúvidas. Se os sonhos me intrigam, os pesadelos me deixam totalmente pasmo. Os entendidos (sempre eles) atribuem esses episódios aterrorizantes à má digestão, ou, muitas vezes, a aflições agudas e incontroláveis que nos judiam, sem que percebamos. Será? Tenho as mesmíssimas dúvidas a respeito, expressadas, certa feita, por meu grande guru, o escritor Jorge Luiz Borges, num determinado texto em que indagou e depois afirmou: “E se os pesadelos forem estritamente sobrenaturais? Digamos que fossem fendas do inferno. Dentro dos pesadelos, não estaríamos literalmente no coração do inferno? Por que não? Tudo me parece tão estranho que até isso seria possível”. Pois é, se o inferno, de fato, existe (depende do que consideramos como tal), ao termos um pesadelo estaríamos bem no seu âmago, tamanho é o sofrimento (inclusive físico) que temos. Onde a verdade? Está com o médicos, biólogos e anatomistas, ou com estes vasculhadores, incorrigíveis bisbilhoteiros das emoções humanas, que são os escritores?

Medo de achar


Pedro J. Bondaczuk

A vida, evento aparentemente raro na vastidão do universo, é farta, abundante e profícua neste nosso planetazinha azul, tão judiado e maltratado pelos insensíveis e insensatos. Há bilhões de espécies de animais, insetos e vegetais (algumas impossíveis de serem vistas a olho nu) já catalogadas.
Constantemente, os biólogos descobrem novas, até então desconhecidas (e não raro exóticas) formas de vida. Contudo, todas, sem exceção, estão adstritas às mesmíssimas regras, e a idêntico ciclo, impostos pela natureza: nascimento, desenvolvimento, acasalamento, reprodução e morte.
Não precisamos, pois, procurar muito para encontrar vida ao nosso redor. Mesmo quando achamos que estamos sós, há sempre algum ser vivo, animal ou vegetal, vírus ou bactéria, nos fazendo companhia, quando não nos ameaçando ou nos explorando, sem que nos venhamos a dar conta. O cronista Paulo Mendes Campos escreveu, numa de suas tantas crônicas (não me lembro qual), algo que me intriga e espicaça “Passamos a vida procurando, por medo de achar”.
Pensando bem, é isso, de fato, o que acontece. Estamos sempre, o tempo todo, a vida inteira, à procura de alguma coisa: conceito, explicação, certeza quanto à nossa origem e, principalmente, destino. Todavia, vivemos aterrorizados com o que poderemos (ou não poderemos?) vir a descobrir. Por exemplo, qual será a nossa reação se um dia chegarmos à conclusão absoluta e comprovável de que a nossa vida começa e termina aqui e que não há absolutamente nada além dela?
Será um impacto, um choque, um trauma de conseqüências imprevisíveis para toda a humanidade. Todos os freios morais e crenças religiosas irão, num piscar de olhos, para o espaço. E tudo, absolutamente tudo será lícito e permitido. A probabilidade maior é que o mundo vire de ponta cabeça e vire um caos.
Mesmo os céticos dos céticos (ou que se dizem tal, pois não acredito na sinceridade desse ceticismo), certamente irão pirar se comprovarem, sem possibilidades de engano, isso como verdade. São eles, frise-se, que se empenham tanto em tentar demonstrar essa tese. Contudo, lá no fundo da sua consciência, até por instinto, torcem, desesperadamente, para estarem errados. Procuram, procuram e procuram, mas com inequívoco medo, na verdade pavor, de achar.
Havendo ou não outro tipo de vida, alhures, somos todos, na verdade, meros turistas no mundo. Não somos daqui e não viemos para cá para ficar para sempre. Dizem, com certa dose de razão, que somos pó das estrelas. De qual, ou de quais delas? Não sabemos.
Aliás, a palavra “sempre” soa absurda, quando aplicada a nós, seres mortais. Pelo menos em nossa condição física, biológica, material (na impossibilidade de sabermos se a parte espiritual, a tal da alma, sobrevive ou não ao nosso colapso orgânico), nossa passagem pela Terra é rapidíssima, transitória, como se fôssemos (e figurativamente somos) turistas de fato. Alguns, instalam-se por aqui por algumas horas somente, se tanto. Outros, vão ficando, ficando e ficam por cem anos ou mais. Mas um dia, como todos, vão embora. Para onde? Não sei! Você sabe? Talvez acredite que sim.
Supõe que vá para determinado lugar e passa a crer ferrenhamente nessa suposição, baseado na fé, que prescinde da lógica. Mas saber, saber de fato, você sabe? Claro que não! Este recanto turístico do Sistema Solar, de uns tempos para cá, está superlotado, de pernas para o ar, depredado, poluído, a cada dia mais quente, a cada dia com ar mais irrespirável e a cada dia mais violento e injusto.
Alguns (poucos) preocupam-se em repará-lo para os futuros turistas (nossos descendentes). Outros, gozam de suas delícias sem atentar para o amanhã e querem se apropriar do que não lhes pertence, achando que podem agir, impunemente, como donos do pedaço. A Terra, porém, não é propriedade de ninguém. Um dia, essas pessoas partem, também, como todas e não deixam, sequer, registrado o nome no livro de registros. Afinal, não somos daqui.
Em momentos de profunda meditação, não é raro nos espantarmos com o fato de um ser tão imperfeito e contraditório, quanto o homem é, sujeito ao envelhecimento e à decomposição, portar em seu interior algo potencialmente tão grandioso e sublime, como a alma (que, talvez, seja eterna, não se sabe). Chegamos a julgar que se trate do máximo da imperfeição.
Mas quem disse que o homem deva ser perfeito? Compete-lhe ser o menos imperfeito possível, mas daí à perfeição, vai um passo do tamanho dos limites do universo. Ademais, essa característica nos é interdita, por ser prerrogativa Daquele que nos criou, Onipotente, Onisciente, Onipresente e Eterno.
Creio, sem o menor laivo de dúvida, (afinal, a fé prescinde de comprovações) nessa inteligência superior que nos moldou à sua feição, embora sem nos conceder seu poder e sua eternidade (e se concedeu a possibilidade de nunca nos extinguirmos, o fez em relação à alma, jamais ao corpo). Nesse aspecto, não procuro nada e, portanto, não temo achar as verdades universais. Quais elas seriam? Evidentemente, não sei!
Às vezes me parece que nosso corpo, por mais belo que se mostre, seja o avesso da alma. Pensando bem, de fato é! Mauro Sampaio explica porque neste poema intitulado “Em uma mesma”: “Em uma mesma espécie de flor/não há o mesmo perfume, as mesmas tonalidades,/o mesmo franzido, o mesmo tamanho,/haveria a monotonia com a perfeição.//Por isso é que vestimos a alma do avesso!”. Benditos poetas que nada procuram e não temem achar o que quer que seja!

Sunday, March 29, 2009

REFLEXÃO DO DIA


A vida em sociedade – seja esta de que natureza for, a família, a escola, a igreja, o clube, a comunidade, o bairro, a cidade, o Estado ou a Nação – pode ser comparada a um grande baile de máscaras, em que procuramos dissimular o que de fato somos, numa espécie de autodefesa. Queiramos ou não, estejamos ou não dispostos a admitir, na maior parte do tempo não nos mostramos em nossa plenitude a ninguém e representamos um determinado papel. Amiúde, fala-se em “personalidade”, que seria, grosso modo, a nossa essência, o que nos caracteriza de fato. Na verdade, contudo, esta é exatamente a máscara que usamos para esconder nosso rosto. Ninguém é, no íntimo, o que aparenta ser e que busca convencer os outros que seja. E por que agimos dessa maneira? Por que nos empenhamos tanto em iludir o próximo sobre o que somos, queremos, pensamos, sonhamos etc.? Apenas pelo prazer da contradição? Por sermos, no âmago, rematados patifes? Não creio! Agimos dessa maneira para defender nosso mundo secreto dos olhares indiscretos dos que nos cercam. Essa dissimulação é uma autodefesa, um escudo, uma couraça cuja eficácia, todavia, é contestável. Desconfio que nunca funciona a contento. Deixamos escapar, aqui e ali, por gestos e palavras, o que de fato somos e buscamos esconder com tamanho afinco. A tentativa, sobretudo, é a de preservar a originalidade dos nossos sonhos e de impedir, assim, que estes venham a ser maculados, e destarte comprometidos, pela intrusão alheia.

DIRETO DO ARQUIVO


Trinta e seis anos de tensão


Pedro J. Bondaczuk7


Embora com nove dias de diferença, em relação ao nosso calendário (o Gregoriano), o Estado de Israel celebrou, ontem, 36 anos de existência como país independente. São quase quatro caracterizadas por tensões políticas, sobressaltos econômicos e três guerras travadas com seus poderosos vizinhos árabes.
Pelo nosso calendário (os israelenses adotam o Judeu), a independência dessa comunidade nacional ocorreu em 15 de maio de 1948, após fulminante ação militar, que tornou concreto o sonho de milhões de pessoas, espalhadas por todos os cinco continentes, acalentado desde o ano 70 DC, quando o general romano Tito, à frente de poderosas e então virtualmente imbatíveis legiões, arrasou Jerusalém.
Se é verdade que a criação desse Estado solucionou um problema (o do povo judeu, vítima do maior genocídio da história, nos dramáticos anos da Segunda Guerra Mundial), acabou por criar outro, tão ou mais grave do que o solucionado. Foi o referente ao destino do povo palestino, que habitava a região quando começou esse novo êxodo hebreu para a “terra prometida”.
Se a questão ficasse restrita às duas partes interessadas, cremos que tudo já estaria resolvido, sem maiores traumas ou desgastes. Entretanto, as superpotências resolveram fazer da área mais um dos campos de disputa das respectivas e antagônicas ideologias. E, como todos sabem, em briga de família, sempre que entra um intruso, as coisas nunca acabam bem. E de fato, pelo menos até aqui, não acabaram mesmo.
Pela sua luta milenar, pela crença de gerações e mais gerações no retorno à terra dos antepassados, os israelenses merecem todo o respeito e admiração por sua data nacional. Quem sabe agora, quando o Estado judeu atinge a maturidade, possa ser encontrada uma fórmula de convivência com os palestinos.
É a esperança dos amantes da paz. Ou seja, a de que um dos maiores focos de tensão mundial da atualidade (se não o maior) possa ser eliminado, de forma civilizada, ao redor de uma mesa de negociações. Pelo menos este é o sonho das pessoas sensatas e construtivas, quer vivam em Israel, nos acampamentos de refugiados palestinos, no Brasil, nas selvas de Papua-Nova Guiné ou em qualquer outro recanto da Terra.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 8 de maio de 1984)

Saturday, March 28, 2009

REFLEXÃO DO DIA


O nosso nascimento é a culminância de um processo que começou num tempo remotíssimo, que ninguém tem ciência de “quando” e “como” começou, por não haver o mínimo registro dessa origem. Todavia, a lógica indica que somos descendentes diretos do casal original (foi Adão e Eva? Foi outro? Qual?) que um dia surgiu sobre a Terra. Se ele não existisse, não estaríamos aqui, encarando essa aventura fascinante e misteriosa, da qual desconhecemos o epílogo (embora possamos intuir). Arthur Schopenhauer (citado por Jorge Luiz Borges no livro “História da Eternidade”), levanta, a respeito, instigante questão, que pode não ser prática (e não é), mas que não deixa de ser interessante para reflexão. O filósofo alemão constata, para em seguida indagar: “Uma infinita duração precedeu ao meu nascimento: o que fui eu enquanto isso?”. Nada?! Não pode ser! Afinal, pela lei de transformação da matéria, “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Ademais, só vida pode gerar outra vida. Portanto, existo não a partir da minha concepção (e muito menos do meu nascimento), mas desde o instante em que o primeiro casal humano passou a existir. Ou estou errado?

Telúrico


Pedro J. Bondaczuk

Sou poeta telúrico,
rústico, ecológico,
ligado à terra,
com geotropismo atávico
aprofundando raízes.

Sou mundo em metamorfose,
como o cosmo que habito,
condenado à decadência,
à inexorável extinção.

Paisagens encantadoras,
floridos e iluminados
remansos de paz.
Desolados desertos,
pedregosos, ressequidos,
infernos esturricados.

Pólos congelados,
furacões indomáveis,
cataclísmicos vulcões.

Como o mundo que habito,
sou igualmente habitado
por bilhões de microsseres,
partes de mim e ao mesmo
tempo corpos estranhos.

Semelhantes, embora
desiguais e únicos.
Linhas paralelas,
mas proporcionais.

Amo o mundo azul
que acolherá meus restos
e os dos que me habitam.
Amo o cosmo infinito,
depositário dos fragmentos
da Terra, dos meus e
de seus colonizadores.

Temos tempo incomum,
apesar de simétrico.
Ambos nos dispersaremos
no espaço sideral
como matéria comum
frutos da vontade
da essência universal.

(Poema composto em Campinas em 5 de abril de 1971)

Friday, March 27, 2009

REFLEXÃO DO DIA


A previsão do futuro – do que ainda sequer aconteceu –, é, basicamente, um exercício de adivinhação. Algumas pessoas têm a rara capacidade de, juntando os fatos já acontecidos, e raciocinando com lógica, fazer extrapolações sobre o que provavelmente irá acontecer, num processo baseado no binômio “causa e conseqüência”. Claro que, dada a imponderabilidade dos acontecimentos, a margem de acerto não é lá tão alta. Afinal, é preciso levar em conta o tal do acaso que, por definição, é absolutamente imprevisível, o que atrapalha (embora não anule) toda e qualquer previsão. “E os profetas?”, perguntarão alguns. Estes eram (e são, pois ainda existem) pessoas dotadas de um de senso de observação incomum, que têm capacidade extraordinária para fazer extrapolações. Ou seja, desenvolveram o raciocínio lógico que os habilita a esse exercício divinatório. Suas previsões, se atentarmos bem, são as mais lógicas possíveis. Levam sempre em conta determinadas situações e comportamentos prévios ao que se arriscam a prever. Caso tivéssemos condições de, realmente, conhecer antecipadamente o futuro, com cem por cento de acerto, isso sequer seria um prodígio tão grande como pode parecer. Não, principalmente, se levarmos em conta a capacidade da nossa memória de reter fatos ocorridos não raro milênios antes do nosso nascimento, dos quais tomamos conhecimento ou por ouvir dizer, ou através da leitura. O tempo envolvido, desse remotíssimo ontem, é, convenhamos, muito maior do que o do vizinho amanhã, o que exige maior esforço do cérebro, certamente. Jorge Luiz Borges tratou desse tema, no livro “O informe de Brodie”, e escreveu a respeito: “Filosoficamente, a memória não é menos prodigiosa que a adivinhação do futuro; o dia de amanhã está mais perto de nós que a travessia do Mar Vermelho pelos hebreus que, pelo menos, no entanto, recordamos”. Foi a invenção da escrita que permitiu ao homem esse prodígio, de registrar o que de mais importante se pensou e se fez em passado remotíssimo. Para mim, como para Borges, isso é muito mais prodigioso do que uma eventual possibilidade de previsão do futuro.

Aprendizado de crueldade


Pedro J. Bondaczuk

A crueldade – tenho essa convicção comigo, por experiência e observação – não é inata nas pessoas. Ninguém nasce cruel, impiedoso e sanguinário. Aprende a sê-lo no correr da vida. Uns antes, outros depois, mas quando isso ocorre, é sempre por algum tipo de influência alheia, e compelido pelas circunstâncias.
Há crianças que, desde muito pequenas, por exemplo, torturam animais, agridem colegas e irmãos e mostram forte propensão para se tornarem cruéis, quando não frios e sanguinários bandidos, tidos e havidos como irrecuperáveis (quase sempre são).
Nasceram dessa forma? Entendo que não! Limitam-se a copiar o que viram ou ouviram ou o que adultos estúpidos e despreparados fizeram com elas. Consideram “normal” se impor fisicamente sobre qualquer desafeto. Caso sejam devidamente orientadas, todavia, se conscientizarão de que causar sofrimento a alguém é uma atitude abominável e mudarão esse comportamento ou, no mínimo, o manterão sob o mais estrito controle.
Por outro lado, devemos ter extrema cautela com as informações e, principalmente, com imagens com as quais alimentamos, diariamente, o nosso espírito. Explico porque. Nosso subconsciente não é seletivo, como é o consciente. Não estabelece nenhuma filtragem de valores. Não separa, pois, automaticamente, o bem do mal. Grava tudo, absolutamente tudo o que vemos, ouvimos e sentimos. E quando menos esperamos, tudo isso emerge ao consciente e lá estamos nós, agindo de maneira brutal, quando não delituosa, às vezes até à nossa revelia.
Caso, na vida cotidiana, nos fartemos de imagens de atos de degradação e de destruição alheios – quer através do noticiário, do cinema e da televisão, quer por vivenciarmos essas situações de conflito – corremos o risco do nosso subconsciente incrementar nossa instintiva agressividade individual e interferir, para pior, em nossa personalidade. Esses (maus) exemplos tendem a nos tornar mais agressivos que o normal (sei lá se existe alguma normalidade nisso), impiedosos e, sobretudo, cruéis.
Claro que não proponho que sejamos alienados. Longe disso! Mas, para o nosso próprio bem, em nome da nossa sanidade mental, social e comportamental, devemos ser profundamente analíticos em relação a tudo o que vemos e ouvimos e pôr tudo isso no devido contexto. Precisamos nos conscientizar que a violência é errada em toda e qualquer circunstância e jamais se justifica. E que a crueldade é absolutamente inadmissível. O melhor é repetir, repetir e repetir isso, todos os dias, como um mantra, para que se grave, se fixe em nosso subconsciente, a ferro e fogo ser preciso for.
Há, por outro lado, situações muito piores do que meramente assistir filmes violentos ou pornográficos, ler livros em que a crueldade seja levada a graus extremos de paroxismo (há inúmeros com essa característica) ou nos fartarmos de histórias de fanfarronices e valentias, como se fossem comportamentos normais. Elas são muito mais comuns do que se pensa.
Se crescermos, por exemplo, em um ambiente familiar desestruturado e doentio, em que todas as controvérsias se resolvam (apenas) na base da pancada (do mais forte sobre o mais fraco, claro) e se, além disso, tivermos a infelicidade de ter um pai alcoólatra, vagabundo e irresponsável (situação pra lá de comum numa infinidade de famílias mundo afora) e mãe passiva, que se submeta, docilmente, à violência, e não tome nunca quaisquer providências para fazer valer seus direitos mais comezinhos (em geral, por medo de represálias), as probabilidades de reproduzirmos esse comportamento anormal e cruel (de que somos testemunhas e vítimas) são imensas, senão praticamente absolutas.
Claro que somente isso não justifica a violência. Nada a justifica e nunca. Explica-a, todavia, pelo menos em parte. Queiram ou não, as cenas terríveis, mostradas por determinados filmes, se constituem, de fato, numa aprendizagem da crueldade. Subconscientemente, podemos ser incitados à imitação e nos tornarmos, à nossa revelia, pessoas violentas e destrutivas, como esses personagens da ficção.
Não sou eu que afirmo isso. Especialistas no estudo do comportamento, psicólogos, psiquiatras, filósofos e sociólogos fazem, a todo o momento, a mesma constatação, subsidiados por dados concretos, posto que não desta minha maneira desabrida, nua e crua, sem recurso a quaisquer teorias e a jargões interditos à maioria.
Reitero, pois, o que afirmei: a crueldade não é inata. É fruto de aprendizagem. O sociólogo francês, Philipe Saint-Marc, dá-me razão e faz a seguinte advertência a respeito: “Não existe uma substituição da agressividade individual, mas a aprendizagem da crueldade, o incitamento à imitação, à reprodução na vida cotidiana de atos de degradação ou de destruição que excitaram a imaginação do espectador”.
Portanto, amigo, cautela! Saiba ser seletivo em relação ao que ouve e vê e, sobretudo, tenha sempre em mente a escala de valores que faz do homem mais do que mero animal: torna-o racional. Para quê abarrotar seu subconsciente com esse perigoso lixo tóxico?

Thursday, March 26, 2009

REFLEXÃO DO DIA


Existe alguma receita infalível para uma vida útil, produtiva e feliz? Sim, existe. Todavia, embora pareça simples e óbvia, não é tão fácil assim de ser posta em prática. Por que? Por causa da nossa tendência de complicar todas as coisas. A simplicidade nos assusta e gera desconfiança de que, se as coisas parecem (ou são) muito simples, há algo de errado com elas, mesmo, e principalmente, que não haja. O mais prático e lógico é tratar cada dia como se fosse miniatura de uma vida. Ou seja, que tenha começo, meio e fim. O ontem e o amanhã devem ser completamente ignorados e permanecer em compartimentos estanques e indevassáveis. Nosso empenho no novo dia deve ser o máximo, total e absoluto. Tudo o que fizermos, seja lá o que for, tem que ser feito da melhor forma que soubermos, indo, para isso, ao limite das nossas forças e capacidades, caso se faça necessário. Por isso, não devemos deixar pendências para amanhã. Tudo o que tiver que ser resolvido, tem que o ser nestas 24 horas e apenas nelas. No dia seguinte, a receita é exatamente a mesma. E isso tem que ser repetido por todos os anos da nossa vida, sem nenhuma exceção. Mas você conhece quem aja dessa maneira? Eu não conheço! E, no entanto, esse procedimento é para lá de óbvio. O mal é que, não apenas deixamos assuntos pendentes, de um dia para o outro, como levamos para ele os erros e bobagens cometidos na véspera, quando o sensato seria esquecê-los de vez, como se jamais tivessem sido cometidos. O filósofo norte-americano, Ralph Waldo Emerson, resume essa “receita” de bem viver da seguinte forma: “Termine cada dia e largue-o. Você fez o que pôde. Sem dúvida alguns erros e disparates se insinuaram nele; esqueça-os o mais depressa que puder. Amanhã é um novo dia; comece-o bem e serenamente e com o ânimo bastante alto para não se deixar estorvar por suas tolices passadas”. Que tal tentarmos viver dessa forma?

Estrada em construção


Pedro J. Bondaczuk

O sucesso pode ser comparado a uma estrada em permanente processo de construção em um terreno acidentado. Não se trata, pois, de rodovia absolutamente reta, que seria fácil de construir. Às vezes, precisa contornar obstáculos virtualmente irremovíveis, mediante curvas, o que a torna mais extensa. Outras tantas, desemboca em pântanos, que precisam ser drenados e aterrados. Há ocasiões em que se requer a construção de pontes e viadutos, para atravessar rios ou abismos intransponíveis. Não raro, se impõe que se façam túneis, em montanhas que não apresentem possibilidades de desvios em curvas. Há, pois, que se superar obstáculos, obstáculos e obstáculos, muitos e incontáveis obstáculos para a construção dessa rodovia sem-fim.
Ao contrário do que muita gente pensa, o sucesso não é uma meta, um alvo, um fim, um objetivo a ser alcançado. É o “caminho” para que isso ocorra. O fracasso, por seu turno, vem a ser a desistência da superação dos obstáculos que permita a continuidade da construção dessa estrada. É o desânimo, o temor, a indolência, a falta de amor próprio e de imaginação para se buscar (e encontrar) soluções.
O psicólogo norte-americano A. Robbins, que foi conselheiro pessoal do ex-presidente Bill Clinton, definiu da seguinte forma esse conceito sumamente subjetivo e abstrato: “Sucesso é o processo contínuo de esforço para tornar-se maior. É a oportunidade de continuar crescendo emocional, social, espiritual, fisiológica, intelectual e financeiramente, enquanto se contribui de uma forma positiva para os outros”.
Entre as tarefas tácitas, implícitas que recebemos ao nascer, a mais importante, da qual jamais podemos abrir mão, é a da construção de um homem, no sentido mais grandioso e absoluto: biológico, emocional, social, intelectual etc. Não me refiro a filhos. Não se trata, também, de construir nenhuma Galatéia, como se fôssemos poderosos Pigmaliões. O homem que temos que construir somos nós mesmos. Podemos arregimentar aliados, é verdade, mas a tarefa é nossa, pessoal, individual e intransferível.
Compete-nos extrair, do âmago do nosso ser, o máximo da imensa força de que a natureza nos dotou, cujo alcance e intensidade sequer conhecemos. Só os descobrimos quando precisamos dela. O esforço tem que ser sem tréguas para nos tornarmos maiores e melhores a cada dia, a cada hora, a cada minuto caso seja possível, por mais tênue e imperceptível que venha a ser esse avanço.
Nem sempre (ou quase nunca) essa progressão será simultânea em todas as direções. Se puder ser, tanto melhor. Ora, poderemos progredir no terreno emocional, ora no afetivo, ora no espiritual, ora no fisiológico, ora no biológico (com o fortalecimento do nosso corpo), ora no social, e assim por diante. O importante é não deter, jamais, essa evolução. É caminhar, sempre e sempre, para frente, a despeito de tudo e de todos.
Difícil? Sem dúvida! Mas nunca podemos perder de vista o fato de que estamos construindo um “homem vencedor”: nós mesmos! O fracasso, portanto, será fatal, embora não seja (às vezes é) irreversível, posto que, enquanto houver vida, sempre teremos chances de consertar erros, recobrar forças, concertar alianças e tornar a avançar.
Meu pai costumava dizer, sempre que eu o desobedecia ou que deixava de seguir algum de seus conselhos, nitidamente lógico, sensato e construtivo: “Lembre-se que só você vai dormir na cama que arrumar”. Ou seja, que as conseqüências dos meus atos seriam arcadas por mim, apenas por mim, e por mais ninguém.
A estrada do sucesso, porém, nunca fica acabada. Sempre haverá montanhas a contornar, túneis a perfurar, pontes e viadutos a construir, pântanos a drenar e a aterrar. Nós é que acabamos antes dela. Se nos tornamos, de fato, pessoas melhores e maiores, se nossa evolução foi ou não suficiente para que nos considerem bem-sucedidos e dignos de imitação, jamais saberemos. Pouco importa.
Caso contrário, ou seja, se fracassarmos, ninguém precisará nos comunicar. Saberemos de antemão e no momento exato em que nos recusarmos a continuar construindo (já nem digo pavimentando) a nossa estrada. Poderemos, por exemplo, não ter a visão óbvia de que determinadas montanhas não comportam túneis e que, embora se prolongue o percurso, o mais sensato seria as contornar. Ou achar que não temos recursos para construir indispensáveis pontes que liguem os dois extremos de um abismo ou as duas margens de um rio. Ou entender que é trabalhoso em demasia drenar e aterrar pântanos.
Os motivos (ou pretextos) dos fracassos são inúmeros, incontáveis e ninguém vai querer saber se tínhamos ou não razão para desistir e bater em retirada, com “o rabo entre as pernas”. É como se diz nos quartéis: “aos perdedores, as batatas”. Ou seja, lhes são determinadas, sempre, as tarefas mais comezinhas, humilhantes e banais, já que as gloriosas e exemplares são destinadas aos que têm ganas de vencer. Na vida, também é assim.

Wednesday, March 25, 2009

REFLEXÃO DO DIA


O amor sempre foi, é e será um mistério insondável para os que tiveram a ventura de passar por essa experiência marcante, a mais profunda e compensadora da nossa vida. Quem nunca passou por ela, porém, não tem (e nem pode ter) a menor noção da sua intensidade e transcendência. Às vezes convivemos anos com uma pessoa do outro sexo, pela qual não sentimos nada de especial e com quem, não raro, até brigamos continuamente, achando, até, que a detestamos. Lá um belo dia, porém, sem nenhum aviso ou explicação, nos sentimos irresistivelmente atraídos por esse alguém, a ponto de o considerarmos o centro e a razão de nossas vidas. Caso haja correspondência, vivemos, então, momentos de delírio e de sofrimento inigualáveis, que nenhum outro tipo de sentimento provoca. Mesmo que não correspondidos, no entanto, essa emoção ímpar, brotada, literalmente, do nada, marca nossas vidas para sempre. Mas o amor é caprichoso e não raro injusto. Idealizamos uma parceira perfeita, que satisfaça todas as nossas expectativas físicas e emocionais. Quase sempre, porém, na convivência real, na maçante rotina do dia a dia, caso os dois parceiros não continuem alimentando, mutuamente, a fantasia da perfeição que os atraiu e ligou, os defeitos reais de ambos se tornam visíveis e, às vezes, insuportáveis. E, se não forem tolerados por uma das partes, ou por ambas, o afeto mútuo que os atraía, e que julgavam que seria eterno, sofre morte súbita.

Palavras benditas, palavras malditas


Pedro J. Bondaczuk

As palavras, como os homens que as criaram, em qualquer dos milhares de idiomas existentes, guardam certa hierarquia entre si. Algumas são nobres, respeitáveis e nos inspiram à simples pronúncia, mesmo que isoladas, esparsas ou fora do contexto. Outras, nomeiam vícios, taras, horrores e perversidades. São a ralé dos dicionários. Outras, ainda, chegam a ser interditas pela moral, por soarem ofensivas (os xingamentos e palavrões). São as marginais do idioma.
A palavra amor, por exemplo, traz à lembrança o rei dos sentimentos, aquele que, quando temos, no torna semelhantes (jamais iguais) ao Criador. Fé, esperança, caridade, alegria e felicidade são algumas outras que compõem esse séqüito de nobreza.
O poeta Alexandre O’Neill (que, a despeito do sobrenome, nasceu em Portugal) foi extremamente feliz ao constatar, nestes versos do poema “Há palavras que nos beijam”: “Há palavras que nos beijam/como se tivessem boca./Palavras de amor, de esperança,/de imenso amor, de esperança louca”. Há mesmo. Sua simples pronúncia traz-nos, à mente, a bondade, a beleza, a nobreza e a transcendência.
Há, todavia, uma palavra que designa aquela que deveria ser encarada como uma das maiores (senão a maior) das virtudes humanas e que, no entanto, dado seu uso inadequado e distorcido, chega a causar arrepios em muitas pessoas. Refiro-me ao termo “moral”.
Não há como contestar a necessidade desse conceito em qualquer sociedade, seja familiar, seja nacional. Trata-se de um conjunto de normas tácitas, implícitas, gerais, que se respeitado, assegura os bons costumes e a própria civilização.
Contudo, em nome dessa mesma moral, foram, são e infelizmente serão cometidos os maiores crimes e as mais covardes perseguições ao longo da história, notadamente em tempos de guerra. Esse uso inadequado e distorcido desgastou, sem dúvida, a palavra, embora não deva e nem possa desgastar, e nem negar a necessidade, da sua prática. Trata-se do freio indispensável à sempre latente animalidade humana, aos baixos instintos e à prevalência da força sobre a razão.
Esse uso inadequado do termo, levou o escritor Henry Miller a desabafar, em determinado trecho do livro “O mundo do sexo”, da seguinte maneira: “Ah, a palavra ‘moral’! Sempre que aparece, penso nos crimes que foram cometidos em seu nome. As confusões que este termo engendrou abarcam quase toda a história das perseguições movidas pelo homem ao seu semelhante. Para além do fato de não existir apenas uma moral, mas muitas, é evidente que em todos os países, seja qual for a moral dominante, há uma moral para o tempo de paz e uma moral para a guerra. Em tempo de guerra tudo é permitido, tudo é perdoado. Ou seja, tudo o que de abominável e infame o lado vencedor praticou. Os vencidos, que servem sempre de bode expiatório, ‘não têm moral’”.
Errado, todavia, não é, obviamente, esse conjunto de normas não-estatuídas formalmente (não há, por exemplo, nenhum código escrito a respeito, como os legais, do Direito Penal, Civil, Comercial etc.), mas quem o distorce, manipula, falsifica e corrompe e faz dele mero instrumento para fins escusos e torpes. Ainda assim, a palavra ficou corrompida (posto que não, obviamente, seu verdadeiro significado).
O escritor e jornalista Russell Baker, com sua experiência de mais de meio século de exercício da profissão (além de 16 livros publicados), trouxe à tona, em um ensaio (cujo título não me recordo), o que classificou de “duplos padrões de vergonha”. Não se limitou a identificá-los, como até demarcou sua gênese. E, convenhamos, eles estão, atualmente, em pleno vigor, caracterizando, mais do que nunca, o perpétuo (posto que estúpido) conflito de gerações.
Baker escreveu a propósito: “Este padrão de moral dupla surgiu nos anos 60, quando um homem com mais de 30 anos precisava se sentir envergonhado por ser um ‘velho sujo’, quando se interessava pelo espetáculo oferecido por todas aquelas mulheres jovens vivendo aquela década de muito entretenimento em variados e avançados estados de nudez. Os homens com menos de 30 anos que observavam estes estados variados de nudez não precisavam conviver com a culpa de serem ‘velhos sujos’. Os padrões da vergonha não se aplicavam a eles”.
É por estas e outras que a palavra “moral” se tornou “maldita” aos olhos de quem é bem-informado e sincero e tem na honestidade o alicerce para manter de pé o conjunto de valores testados e aprovados pelo tempo, que nos faz humanos e nos confere foros de racionalidade e civilidade.
Convém, todavia, “limpá-la”. É necessário fazer com que retorne à sua pureza original e potencial grandeza, que volte a ostentar o status de nobreza e de respeitabilidade (como o amor, a fé, a esperança, a caridade, a alegria, a felicidade etc.) que nunca deveria ter perdido. Não podemos permitir que se torne, para sempre, aos olhos das futuras gerações, mais uma infeliz integrante da deprimente “ralé” dos dicionários (e das nossas vidas, evidentemente).

Tuesday, March 24, 2009

REFLEXÃO DO DIA


Não há particularidades no universo. Tudo e todos somos partes de uma unidade infinitamente maior, absoluta, de dimensões inconcebíveis para a pífia e limitadíssima mente humana. Nossas alegrias, por exemplo, somam-se à de bilhões de outras pessoas, mundo afora e, quiçá, à de um número até indimensionável de outros seres, caso haja vida inteligente em outras partes do Cosmo (provavelmente, há). O mesmo raciocínio vale para nossas dores, tristezas, frustrações, amores, inquietações etc.etc.etc. Nós e nossos pensamentos, sentimentos e aspirações não somos originais e muitíssimo menos únicos. Daí ser incompreensível o egoísmo, o culto fanático e insensato de alguns ao “próprio umbigo”, como se fossem o centro do universo e a própria razão dele e tudo que ele contém existirem. Óbvio, não são. Relutamos em entender e assumir nosso papel, que é mínimo, ínfimo, ridículo no concerto universal, embora nossa intuição nos indique o quão pequeno ele é. A poetisa paulistana Adelaide Peters Lessa faz essa constatação, nestes inteligentes e sutis versos do poema Universo”: Num dia de luz/mais forte que os outros/inventou o poeta/a palavra mais clara//e pôs-se a cantar,/afluente de tudo,/que tudo faz parte/de um único Verso!”

Com as rédeas nas mãos


Pedro J. Bondaczuk

A paixão, em si, é cega, e, a priori, nem é um bem e nem um mal. Cabe-nos direcioná-la corretamente, para que se torne força irresistível e benigna que atue exclusivamente a nosso favor. Sem ela, nada do que fizermos atingirá a excelência e a perfeição. É possível fazer isso? Sim! Muitos e muitos o fizeram.
Michelangelo, por exemplo, estava dominado por intensa paixão ao esculpir a estátua de Moisés, em 1505 – que pode ser apreciada em todo seu esplendor na Igreja San Pietro in Vincoli, em Roma. Essa obra atingiu tamanho grau de perfeição, que seu ilustre autor, num momento de alucinação diante de tanta beleza, teria exclamado: “Parla, Moses!”. De fato, a estátua só falta falar.
Dante Alighieri, igualmente, punha chispas pelos olhos ao erigir sua “Divina Comédia”, que o consagrou como um dos maiores poetas de todos os tempos. A mesma fúria criativa tomou conta de Beethoven, Tchaikowsky, Rembrandt, Rafael, Velazquez, Monet, Manet, Gauguin, Van Gogh e vai por aí afora.
A paixão é como um legítimo cavalo puro-sangue. Um animal desse tipo, forte, saudável e veloz, pode nos levar com mais rapidez e segurança a qualquer lugar que queiramos. Para isso, porém, é indispensável que seja domado. Se for xucro, nos derrubará da sela antes que sequer consigamos piscar.
Para nos ser útil, é indispensável que estabeleçamos com o animal uma relação de mútua confiança, até mesmo de amizade. A paixão também é assim. Via de regra, é interpretada, somente, como súbita e fulminante atração por alguma pessoa do sexo oposto, que muitos chegam a confundir com o amor, embora não o seja. Pode, até, ter essa conotação, mas não exclusivamente.
Há pessoas que só entendem determinados conceitos caso lhes sejam ensinados de maneira explícita e didática. E nem sempre os entendem. Não é a esse tipo de paixão, evidentemente, que me refiro. É mister que se lembre que ela pode ser definida como um comprometimento irrestrito e absoluto, sem dúvidas ou vacilações, com uma pessoa, uma idéia ou uma causa.
Antes de montarmos, portanto, no dorso do tal puro-sangue, é indispensável que tenhamos completa certeza da excelência de quem ou do que queremos conquistar. Ou seja, temos que “domá-la”. Precisamos estar convictos sobre a direção que pretendemos seguir.
Estabelecida, porém, essa convicção, e definido esse rumo com a máxima segurança e certeza, nada é mais conveniente e rápido do que, no dorso do “cavalo” da paixão, galoparmos, livres e confiantes, rumo ao sucesso e à felicidade.
Nas crônicas anteriores que escrevi sobre o tema parece que não me fiz bem-entendido ou não fui muito claro. Vários leitores interpretaram o texto (erroneamente, óbvio) como se eu estivesse me referindo “apenas” a esse intenso sentimento, selvagem, cego e avassalador, confundido, por muitos, com o amor, sem, no entanto, sê-lo.
Não me referi, contudo, ao “puro-sangue” xucro, que não se deixa montar por ninguém. Referi-me à paixão que nos é benigna, precedida, invariavelmente, de irrestrita certeza do que pretendemos fazer e/ou conquistar e devidamente “domada”. Referi-me àquela que moveu Michelangelo, Leonardo da Vinci, Rembrandt, Velazquez, Rafael, Van Gogh, Monet, Manet, Beethoven, Tchaikowsky, Mozart, Virginia Woolf, Marguerite Yourcenar, Marie Curie e tantos e tantos outros artistas, gênios, cientistas e líderes vencedores, que sob seu domínio, jamais desistiram de suas causas e projetos e aproximaram-se da perfeição.
Esses homens e mulheres talentosos e determinados foram apaixonados pelo que pretenderam ou defenderam. Domaram o “puro-sangue” xucro e puseram-no a seu serviço, galopando, confiantes e convictos, rumo aos objetivos que traçaram. Poderiam alcançar suas metas sem paixão? Talvez até pudessem, dada a grandeza dos seus talentos. Tenho, contudo, minhas dúvidas.
O humanista Daisaku Ikeda, eminente líder budista japonês, nos alerta, contudo, em seu livro “Vida um enigma, uma jóia preciosa”: “Controlar a paixão é como correr num cavalo desembestado. Se as rédeas são relaxadas por um instante, o cavaleiro pode ser jogado fora da sela. O certo é dominar e utilizar as forças e energias, de modo que o cavaleiro e o animal se movam como se fossem um só”.
Ou seja, não se trata de tarefa fácil e corriqueira, que possa ser executada de qualquer maneira ou por qualquer um. Requer, além de auto-disciplina, profundo auto-conhecimento. Precisamos conhecer, mesmo que superficialmente, os nossos limites e possibilidades.
Ademais, as “rédeas” têm que estar sempre firmes em nossas mãos, sem que se afrouxem um instante sequer. Em suma, nós é que temos que dominar a paixão, não o contrário. Suas forças e energias são imensas, diria, incomparáveis. Caso se voltem contra nós, todavia, podem nos destruir com a maior facilidade. Domemos, pois, este magnífico puro-sangue e não tenhamos receio: no seu dorso firme e seguro, galopemos, com confiança e determinação, rumo ao sucesso e à felicidade. Nós podemos!

Monday, March 23, 2009

REFLEXÃO DO DIA


Algumas raras vezes uma obra de arte que produzimos supera, em grandeza e transcendência, em muito aquilo que nós somos. Adquire um toque de magia, de perpetuidade, de eternidade até, enquanto nós não passamos de frágeis animais, efêmeros, ignorantes, sumamente imperfeitos e, sobretudo, transitórios. Convém que, nessas ocasiões, revisemos o que fizermos para lhe dar um indispensável toque de humanidade. Caso contrário, nossa obra-prima, exatamente por sua perfeição formal, não encontrará acolhida por parte das outras pessoas, que não se identificarão com ela. Qualquer tipo de renúncia é doloroso, não há como negar. Ainda mais dessa natureza, que afeta, diretamente, nosso ego. Mas não raro, esta se faz não somente necessária, como indispensável. E este é um desses casos. É disso que tratam estes versos com que o poeta piracicabano, Pedro Morato Krahenbuhl, abre o poema “Voto”: “Corrompe-te um vício de humanidade.//Se teu verso repousar na pedra,/na cúpula do tempo ressoar,/gradua-lhe o tom de eternidade,/em poeira e renúncia”.

A maior descoberta


Pedro J. Bondaczuk


A vida pode ser comparada a uma escola, na qual jamais nos graduamos. Quanto mais aprendemos, mais temos a aprender, num aprendizado que nunca tem fim, vivamos o quanto vivermos: vinte, cinqüenta, oitenta ou cem anos. Nossas primeiras lições – aparentemente triviais, mas indispensáveis à sobrevivência – consistem em aprendermos a nos alimentar, sugando, corretamente, o seio da mãe; a erguer sozinhos a cabeça; a sentar; a engatinhar e, finalmente, a andar.
Às vezes, esse aprendizado é traumático e doloroso. Outras tantas, é envolvido em estimulantes prazeres. Mas sempre aprendemos, queiramos ou não, do berço à tumba. E quando morremos, deixamos infinitas lições para trás que, caso continuássemos vivendo, certamente aprenderíamos. Somos, pois, perpétuos estudantes nessa escola informal.
Todavia, o mais importante acontecimento da nossa vida é quando nos conscientizamos do nosso “eu”. É somente a partir daí que começamos a exercitar, de fato, nossa racionalidade. Claro que as conseqüências dessa lição fundamental nunca são iguais para todos. Alguns, ficam felizes por adquirirem a capacidade de entender e usufruir da beleza que os cerca. Outros, porém, decepcionam-se com a descoberta de que não passam de animais, posto que racionais e que o mundo não é o paraíso que esperavam.
Uns, descobrem talentos que jamais supunham que tinham e os exercitam, para deleite pessoal e engrandecimento do mundo. Outros, conscientizam-se de deficiências, de taras congênitas e de segredos sobre si próprios que melhor seria que permanecessem interditos.
São, pois, lições e mais lições aprendidas, algumas (como vimos) de forma dolorosa e traumática, representada pelas conseqüências de erros cometidos; outras sublimes e magníficas, decorrentes da convivência com pessoas nobres e construtivas ou de experiências inesquecíveis que as circunstâncias colocam em seus caminhos.
Além desse permanente aprendizado, dessa sucessão de descobertas (ou em decorrência delas) colecionamos, vida afora, imagens, sons, idéias, conceitos, valores etc. Essa coleção é feita, em geral, de forma inconsciente, à nossa revelia. Daí a necessidade de nos brindarmos o tempo todo com paisagens magníficas, com a convivência com pessoas nobres, bonitas e exemplares; com conversas sadias e leituras edificantes, entre outras tantas experiências ao nosso alcance.
Claro que nem sempre temos como fugir do oposto. Ou seja, de cenários sombrios e apavorantes, de gente horrorosa e perversa, de diálogos chulos, tensos ou banais e de livros que melhor seria que jamais houvessem sido escritos. Isso também se fixa em algum lugar do subconsciente e pode emergir, quando menos esperarmos, para nos atormentar ou aterrorizar.
Reitero que há cenas bucólicas, aparentemente banais, em geral bastante simples, que sem que nos apercebamos, ficam gravadas para sempre em nossa memória e que, quando as lembramos, o fazemos com deleite e satisfação. Essas paisagens; essas pessoas bonitas e bondosas; esses atos de nobreza e solidariedade; esses acontecimentos marcantes dos quais participamos – como personagens, ou meros espectadores – formam uma espécie de álbum de imagens, como esses tantos de fotografias que costumamos guardar e, de vez em quando, exibir para os filhos e para os netos.
São lembranças que se juntam, uma a uma, sem cessar, ao longo dos dias, semanas, meses e anos, ao nosso acervo espiritual e nos inspiram, enternecem e consolam notadamente em momentos de tristeza e solidão.
É um privilégio podermos ler, por exemplo, versos singelos, de uma beleza que chega a doer de tão intensa, como estes dois tercetos do soneto “Recreio”, do poeta português Alberto de Serpa: “Na claridade da manhã primaveril,/ao lado da brancura lavada da escola,/as crianças confraternizam-se com a alegria das aves.//E o sol abre-lhes rosas nas faces saudáveis/a mão doce do vento afaga-lhes os cabelos,/- um sol discreto que se esconde às vezes entre nuvens brancas”.
Concordo, pois, com Leon Tolstoi (escritor que tem lugar cativo no meu “álbum de lembranças” pessoal) quando afirma: “O mais importante acontecimento da vida de um homem é o momento em que se torna consciente do seu eu. As conseqüências disto podem ser as mais benéficas ou as mais terríveis”. Os riscos, desta transcendental descoberta, porém, valem, sempre, a pena correr.

Sunday, March 22, 2009

REFLEXÃO DO DIA


A melhor maneira de nos livrarmos de mágoas e dores emocionais é fazermos delas temas para uma obra de arte: um poema, uma canção, uma crônica, ou seja lá o que for. Além de acalmar as emoções, se o que fizermos tiver valor artístico, pode, de quebra, ainda render algum dinheirinho, o que não é nada mau, concordam? É aquela história que o povão, em sua instintiva sabedoria, tanto conhece: se lhe atirarem um limão azedo, faça dele uma deliciosa limonada. As mais sensíveis composições do cancioneiro popular em todo o mundo nasceram de amores fracassados, de ciúmes avassaladores e da chamada “dor de cotovelo”. Só os masoquistas gostam de ficar remoendo o que os faz sofrer, sem que tenham uma só válvula de escape para esse acúmulo de pressão emocional. Vocês já notaram, por exemplo, o quanto alivia o fato de desabafarmos com alguém quando nos sentimos arrasados com a perda de um amor, ou com a traição de um amigo ou com qualquer outra decepção sentimental? Esses desabafos, porém, também podem ser feitos com arte que, além de não amolarem ninguém, tendem a encantar quem tiver contato com as obras que forem produzidas nestas circunstâncias. Os melhores poemas de amor, por exemplo, foram escritos quando o poeta se sentia amargurado e triste com o abandono da amada. São desse tipo estes versos de encerramento do poema “Canção”, do poeta paulista, de Caçapava, Ubiratan Rosa: “Não, não; não quero chorar,/vou compor uma canção.../Canta sempre, eternamente,/canta tolo coração...//Canta a dor que te dói tanto,/canta a dor que te consome./e ao cantares do teu canto,/coração, sossega e dorme...”

DIRETO DO ARQUIVO


Secular impasse


Pedro J. Bondaczuk


A questão do destino da Irlanda do Norte é, e ainda continuará sendo por muito tempo – até que alguma das partes deixe de lado sua intransigência e faça concessões – um problema, virtualmente, sem solução. O território, província da Grã-Bretanha, tem duas comunidades religiosas diferentes, os católicos e os anglicanos (por conseqüência, protestantes).
Ao contrário da parte Sul, que obteve sua independência em 1949, o catolicismo é minoria nessa região. E a maioria deseja continuar sendo britânica, ligada, por todos os laços possíveis, ao Reino Unido. Os que querem a separação, no entanto, não lutam pela autonomia política nacional. Desejam, simplesmente, anexar a Irlanda do Norte ao atual Eire, formando um só país, sob o signo e a bênção de Saint Patrick, o padroeiro irlandês.
É evidente que, se isso fosse feito, surgiria um novo problema, com as mesmas dimensões (ou de porte até mesmo maior) que o atual. Nessas circunstâncias, seriam os protestantes que se sentiriam no direito de, não somente protestar, como até de pegar em armas por aquilo que entendem ser o melhor para a sua comunidade.
Unidos ao território meridional, hoje uma República, eles veriam a situação atual invertida em relação aos católicos. Passariam a ser minoria, certamente tão discriminada quanto estes últimos o são no lado Norte da ilha. Por essa razão, há quase três décadas a violência predomina nas terras do Ulster (é assim que os britânicos denominam, oficialmente, essa província).
A luta é das mais cruéis e violentas, já que atinge pessoas inocentes, no geral, pois se caracteriza, fundamentalmente, por atentados terroristas. Até o primo da rainha Elizabeth II, lorde Mountbatten, foi colhido nessa loucura, que parece não ter fim, em 1979, quando perdeu a vida em conseqüência da explosão de uma bomba.
A primeira-ministra Margaret Thatcher escapou por pouco, em maio de 1985, de idêntico destino, quando o hotel em que estava hospedada, para uma convenção do Partido Conservador, foi alvo de um atentado do Exército Republicano Irlandês, cuja sigla é IRA, no exato dia em que completava 59 anos de idade.
Agora, depois da carnificina acontecida anteontem, em Eniskillen, durante cerimônia em memória dos britânicos mortos na Segunda Guerra Mundial (11 pessoas morreram e 63 saíram feridas), são os protestantes, liderados pelo truculento reverendo Ian Paisley, que desejam fazer justiça com as próprias mãos.
Mas este seria o pior dos expedientes para uma região onde a violência é corriqueira e o povo até já aprendeu a conviver com ela. Parece muito distante, portanto, qualquer vislumbre de solução para a questão da Irlanda do Norte, diante da intransigência e da falta de diálogo das partes em conflito.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 10 de novembro de 1987)

Saturday, March 21, 2009

REFLEXÃO DO DIA


Todos temos, em maior ou menor quantidade, lembranças amargas de fracassos profissionais, de amores que não deram certo, mas deixaram marcas; de sonhos nunca concretizados ou de ideais que deixamos pelo caminho sem que saibamos a razão. O mais prudente e sábio é, se possível, nos livrarmos dessas “quinquilharias” emocionais, que só ocupam espaço que poderia ser preenchido com recordações agradáveis, de sucessos, de afetos marcantes, de coisas que pareciam impossíveis de serem feitas e que o foram e de novas metas a nos conferirem motivação e sentido. Devemos proceder como fazemos, vez ou outra, com os quartos de “bagunça” que quase todos temos em casa (ou nos fundos de uma garagem) onde acumulamos objetos sem uso, em geral quebrados. Seria mais prático comprar outros, mas teimosamente pensamos em consertá-los um dia, mas nunca os consertamos. Lá um belo dia, criamos coragem e nos desfazemos dessas bugigangas. É certo que não demora muito para preenchermos esse espaço com novas quinquilharias. Com as lembranças, porém, é conveniente não agir assim. É sábio não renovar as que eram ruins e foram descartadas. Por que represar emoções inúteis e, pior, que causem sofrimento, nos subterrâneos da alma? O poeta Afonso Schmidt tem um soberbo soneto a esse propósito, intitulado “Barba-azul”. E ele o encerra com estes magníficos tercetos, em que diz: “Neste beijo, porei nas tuas mãos suaves/o maldito esplendor das áureas sete chaves/do velho coração...Vem habitá-lo, pois,//não devasses, porém, subterrâneos e fossos;/morrerás de pavor, se vires os destroços/das quimeras que amei e trucidei depois”. Afinal, não queremos que a amada, quando vier a habitar de vez nosso coração, “morra de pavor” ao ver restos de sonhos, trucidados com requintes de crueldade, não é mesmo?

Templo dos meus sonhos


Pedro J. Bondaczuk

Ah! Quanta luz! A porta está aberta
e eu penetro neste reino encantado.
Contemplo, com respeito, deslumbrado,
uma chama viva, a bailar incerta.

Avanço pelo templo dos meus sonhos
investido de certa realeza.
Desvendo, nos sacrários da beleza,
mistérios grandiosos e medonhos...

Ardem círios e o perfumado incenso
torna tão solene este templo imenso
onde busco encontrar a minha meta.

Depois de vagar por horas infindas,
brotam flores, coloridas e lindas,
desta alma inocente de poeta!

(Soneto composto em Campinas, em 3 de março de 1968 e publicado na "Gazeta do Rio Pardo", em 21 de julho de 1968 e no "Jornal do ACP" de Paulínia, em 27 de setembro de 1969).

Friday, March 20, 2009

REFLEXÃO DO DIA


As pessoas que sabem vislumbrar beleza até onde esta, objetivamente, não exista (ou pareça não existir) são rotuladas, pelos pessimistas e renitentes derrotistas, de “utópicas”. Confesso que comungo dessa utopia. Procuro sempre ver o lado positivo, nobre e belo da vida, sem, contudo, ignorar ou negar a existência do oposto (mas no sentido de modificá-lo para melhor). O antônimo da utopia é chamado de “distopia”. É o comportamento de muitos (talvez, infelizmente, a maioria) que só enxergam o lado perverso, ruim e feio da vida. São, no meu entender, mais alienados do que os que vêem apenas o aspecto positivo, belo e nobre de tudo. E, na sua alienação, são infelizes, mesmo que tenham a seu favor tudo o que alguém necessite para alcançar felicidade. Não a alcançam, por não estarem predispostas a ela. Apostam no negativo e este se im põe e se manifesta, com todo o vigor, em suas vidas amargas e cinzentas. O poeta Murilo Mendes fez uma brincadeira, no poema “O utopista”, e caracterizou o distópico, como sendo utópico. Escreveu: “Ele acredita que o chão é duro./Que todos os homens estão presos./Que há limites para a poesia./Que não há sorrisos nas crianças/nem amor nas mulheres./Que só de pão vive o homem./Que não há um outro mundo”. Quem nutre estas crenças e se comporta dessa maneira, reitero, jamais conseguirá ser feliz. Mesmo que o chão não seja macio, que nenhum homem seja livre, que a poesia seja limitada, que as crianças sejam sisudas, que as mulheres não saibam amar, que o homem viva somente em função da comida e que, com a morte, tudo termine, não há mal algum em pensar no oposto, se isso trouxer alegria e motivação para viver. Como são dignos de pena os “distópicos”, imersos em seu mundo árido e pedregoso, de trevas e de feiúra!

Só pensando em dinheiro


Pedro J. Bondaczuk

O dinheiro, desde que este símbolo para facilitar a troca de mercadorias e serviços entre as pessoas foi criado, na mais remota Antiguidade, se transformou em obsessão para os homens. Alguns (e não são poucos) colocam-no, até, como objetivo supremo de vida e não como, apenas, uma das suas necessidades (talvez a principal, mas isso é contestável), por ser o meio capaz de assegurar sua subsistência, com um mínimo de dignidade, no tipo de sociedade em que vivemos.
Não nego que ele seja necessário. Negar essa evidência, aliás, seria o máximo de alienação, quando não de falsidade. O que contesto é tornar seu acúmulo como o objetivo supremo de vida, ou seja, como um fim em si, e não como mero meio. O dinheiro, é fato, serve para remunerar nossos serviços e nos valorizar como pessoas úteis e produtivas. Isso, todavia, em tese.
Na prática, porém, raras são as remunerações que possam ser consideradas justas ou próximas disso. Ademais, quem o acumula em quantidades razoáveis sequer precisa trabalhar: o dinheiro trabalha por ele. Onde a lógica e a justiça disso? Esta é, sem dúvida, a maior das distorções, o fulcro de todos os problemas contemporâneos, que inviabiliza a existência de uma sociedade justa, minimamente humana e um pouquinho solidária. Ainda se a origem dos capitais fosse sempre lícita e transparente, com muita boa vontade, esse tipo de sistema poderia ser tolerado. Todos sabemos, porém, que poucos afortunados têm condições de explicar a origem das suas fortunas.
A meu ver, o Capitalismo não tem futuro. Pode durar (se durar) mais um século ou dois, quem sabe, mas jamais para sempre. Se os homens não se destruírem antes, em alguma guerra suicida total e sem limites (possibilidade bastante plausível), ou a natureza, tão agredida há já um bom tempo, não o fizer, fatalmente esse sistema perverso – que conta, pitorescamente, com o apoio dos que mais sofrem com sua existência – está fadado a desaparecer: ou de morte espontânea, ou num banho de sangue pavoroso e dantesco. É mera questão numérica (os que detêm o capital são em quantidade irrisória face aos bilhões que não o possuem) e, portanto, de lógica (e de tempo).
Já tentaram rotular-me (em vão) de comunista, o que, em verdade, nunca fui. Não por medo de represálias ou porque morra de amores pelo Capitalismo ou concorde, ao menos minimamente, com suas premissas. Longe disso! Ocorre que os ideais de igualdade e fraternidade, defendidos por seus ideólogos, são impraticáveis, dada a natureza humana. São belos, belíssimos, na teoria. Todavia, são absurdamente irrealizáveis na prática. São totalmente inviáveis, a utopia das utopias.
Em lugar algum do mundo se conseguiu implantar um sistema que sequer remotamente fosse arremedo daquele Comunismo defendido por seus ideólogos. O que houve, na extinta União Soviética, foi mera derivação do Capitalismo, posto que os capitais não estivessem em mãos de particulares, de pessoas físicas, mas de uma entidade abstrata denominada de “Estado”. Politicamente, não passou de uma ditadura, e das mais ferozes e sanguinárias, com seus gulags (perversos campos de trabalhos forçados), suas prisões políticas sempre abarrotadas de dissidentes e seus hospitais psiquiátricos utilizados não para abrigar doentes, mas os opositores do regime. Não deixou, portanto, a mínima saudade quando se extinguiu.
Em Cuba, China, Vietnã e Coréia do Norte, entre outros, o que há ainda hoje é uma caricatura ridícula, grotesca e cruel da aberração montada na URSS. E essa (a original e não as cópias) até que durou demais. Ou seja, de 1917 a 1991. Tamanha duração, frise-se, deveu-se exclusivamente a muito sangue derramado, muita desgraça provocada, muito ódio e nenhum benefício real e palpável nem para os soviéticos e nem para a humanidade. Ainda bem, para os russos e para os novos (na verdade, velhos) países ressurgidos das cinzas do cadáver da União Soviética, que conseguiram se livrar dessa indecente atrocidade. Mas... acabaram caindo em outra.
Reitero que o dinheiro, caso pudessem ser sanadas as distorções do Capitalismo, é um meio prático de troca de mercadorias e serviços e, portanto, útil e desejável, na devida medida. Mas não pode se transformar no que, desgraçadamente, se transformou, e há mais de dois milênios: no verdadeiro deus do homem. Essa obsessão, é mister que se tenha em mente, não é nova, longe disso. É muito antiga. Antiqüíssima.
Ademais, o dinheiro (não importa qual moeda) foi criado para nos assegurar a satisfação daquelas necessidades e prazeres que não podemos prover sozinhos e jamais para ser acumulado aos borbotões. Ainda mais quando esse acúmulo se dá, via de regra, à força ou mediante meios nitidamente ilícitos, ostensivamente criminosos, como trapaças e falcatruas.
Até porque, sempre é oportuno lembrar, ninguém leva para o túmulo a fortuna que amealhou. Jean Paul Getty, magnata do petróleo, que nos anos 60 foi considerado o homem mais rico do mundo, definiu bem a obsessão do homem por esse símbolo que o próprio ser humano criou: “Quando não se tem dinheiro, pensa-se sempre nele. Quando se tem, pensa-se somente nele”. Infelizmente! Com essa mentalidade, convenhamos, é difícil, muito difícil, senão impossível, sequer sonhar com um futuro promissor, num mundo justo, fraterno e solidário.

Thursday, March 19, 2009

REFLEXÃO DO DIA


A vida da grande maioria das pessoas – tanto das que vivem hoje, quanto dos milhões que já viveram desde o surgimento do homem – é rotineira e vazia, por causa da personalidade, educação, oportunidades e, principalmente, circunstâncias de cada uma. Os valores e objetivos humanos, geralmente, são ilusórios e pequenos, mesmo dos que são tidos e havidos como “vencedores”. Dois terços da humanidade, infelizmente, vivem na miséria e têm diante dos olhos cenários cinzentos, paupérrimos, feios, horrorosos, horrendos, para que o um terço restante se regale e viva com conforto e até desregramento. Todavia, nem por isso as pessoas punidas pelas circunstâncias precisam abrir mão da beleza. Afinal, o mais puro e encantador lírio brota, também, nos mais infectos pântanos. Mesmo uma vida “perdida”, pelos critérios atuais de sucesso, não precisa, necessariamente, ser feia e desoladora. Pode ser vazia, difícil e sofrida, mas, ainda assim, bela. Para isso, é necessário, no entanto, que cultivem, desde tenra infância, até por instinto, o senso estético. Se puderem criar obras belas e harmoniosas, que encantem a vista e alegrem o coração, tanto melhor. Caso contrário, apenas a capacidade de identificá-las (e valorizá-las) já transforma (para melhor) a vida de qualquer um, por maiores que sejam sua carência e seu desamparo. Curiosamente, nos lugares mais sombrios e desoladores, emergem, com freqüência, refinados artistas, que captam beleza até no próprio ar e a transmitem por palavras, cores e sons. Um dos versos do poema “Retrato”, de Cecília Meirelles, diz a propósito: “Meus pés vão pisando a terra/que é a imagem da minha vida:/tão vazia, mas tão bela,/tão certa, mas tão perdida!”

Apreensão dos efeitos


Pedro J. Bondaczuk

As nossas melhores idéias surgem, muitas vezes, quando sequer estamos empenhados à sua procura. Vêm à mente, como um raio de luz, em momentos de divagação, quando deixamos o pensamento livre e desimpedido a passear por todos os lugares e, simultaneamente, por lugar algum, sem se concentrar em nada e ninguém específicos.
É a esse lampejo que chamo de inspiração. Claro que para aproveitar esse jorro de sabedoria temos que transpirar, e muito, na seqüência. Nenhuma obra – quer seja de arte, quer de qualquer outra natureza – é “inspirada” completa, acabada e prontinha para uso.
Por isso, em momentos de muita pressão, quando me cobram textos bem-escritos e com conteúdo, e em determinado prazo, geralmente escasso, costumo isolar-me, relaxar cada músculo do corpo e deixar o pensamento divagar, livre e solto, por onde lhe aprouver. O resultado é infalível.
Tudo o que vemos, ouvimos, apalpamos, cheiramos e degustamos nos causa algum efeito no espírito, alguma sensação, boa ou ruim, que nem sempre conseguimos apreender com exatidão e reproduzir, com a maior fidelidade possível, nas obras que criamos.
Esse é o grande desafio do artista na produção da sua arte. Ou seja, é a capacidade de fazer com que as pessoas que a irão apreciar não se limitem a ver e ouvir o que criaram, mas que “sintam” os mesmos efeitos que o artista sentiu, que o levaram a produzir seu poema, canção, pintura, escultura etc.
Caso não consiga transmiti-los, sua obra poderá até ser agradável aos olhos (ou aos ouvidos, no caso da música), mas não empolgará ninguém. Ademais, uma determinada pessoa (ou objeto, ou cenário, não importa) causa efeitos diferentes nos diversos observadores. Tomemos, por exemplo, um escritor, um pintor, um escultor e um compositor musical. Façamos com que todos observem o mesmo determinado modelo estético.
O escritor verá a pessoa (ou objeto, ou cenário, não importa), de determinada maneira. O efeito que a visão lhe causar irá suscitar palavras de apreciação ou depreciação, dependendo se gostar ou não do que viu. Vai procurar nuances que nem sempre (ou quase nunca) serão iguais aos dos outros artistas.
O pintor, por exemplo, poderá atentar para um seio perfeito, ou para um sorriso maroto, ou no caso de não achar o modelo bonito, para uma deformidade qualquer, que buscará reproduzir da maneira mais fiel possível, colocando nessa reprodução toda uma carga de emoções. Vai, em última análise, se deixar levar pelo efeito que a imagem lhe causou.
O escultor, todavia, pode enxergar (e de fato enxerga) as coisas de forma diferente. Provavelmente, irá atentar para algum detalhe diverso do observado pelo pintor. Talvez se impressione com as curvas do modelo, ou com a perfeição do pé e concentrará seus esforços para reproduzir com a máxima fidelidade o detalhe que o impressionou. Estará à mercê, portanto, do efeito que lhe foi causado.
Da mesma forma irá agir o compositor musical. Sua atenção estará, certamente, voltada para um determinado tipo de som produzido pelo modelo, um suspiro peculiar, o ritmo de seus passos ou a sonoridade de sua risada. Sua atenção, portanto, estará concentrada em nuances diversas das do escritor, do pintor e do escultor. Tentará reproduzir, à sua maneira, também, os efeitos que o modelo lhe causou.
Notem que os quatro artistas observaram o mesmíssimo objeto (ou pessoa, ou cenário, não importa). Cada qual, porém, observou-o à sua maneira. As obras que vierem a produzir, em decorrência dessa observação, contudo, serão muito diferentes não apenas em sua natureza (texto, pintura, escultura ou peça musical), mas na carga de emoção suscitada pelo que viram. O modelo, no caso, foi o mesmo. Os efeitos causados, no entanto, foram muito diferentes.
Se tomarmos como exemplo vários escritores, dificilmente haverá coincidência de impressão entre dois deles que seja. O mesmo vale para pintores, escultores e compositores musicais. Honoré Balzac escreveu o seguinte, a propósito, no conto “Obra-prima ignorada”: “Temos de apreender o espírito e a alma, a fisionomia das coisas e dos seres. Os efeitos! Os efeitos! Nem o pintor, nem o poeta, nem o escultor devem separar o efeito da causa, que invencivelmente estão um no outro. A verdadeira luta está aí!”.
Felizmente, no entanto, cada artista “vê” aquilo que o inspira de forma diferente um do outro. Isto resulta nessa imensa variedade de obras de arte que encanta e enriquece o espírito humano, o que é bom, convenhamos, para todo o mundo. Já imaginaram se a visão de todos fosse, não digo semelhante, mas rigorosamente igual? Seria uma mesmice de causar tédio até em estátua de pedra. Seria a morte das artes. Os efeitos! Balzac está coberto de razão. São eles que contam sempre, embora jamais possam estar dissociados do que os causou.

Wednesday, March 18, 2009

REFLEXÃO DO DIA


A noite, embora ocorra em momentos diferentes no mundo – pelo fato da Terra ser redonda – é usufruída praticamente da mesma forma por todos os seres viventes (homens, animais e vegetais). Ou seja, é o momento de descanso de uma longa atividade. No caso humano, presta-se, também, para o lazer dos noctívagos. Ou para o amor dos que se amam. E, principalmente, para o sono benigno e reparador da totalidade dos seres vivos. Claro, há exceções. Há milhões de pessoas, mundo afora, que trocam a noite pelo dia, no trabalho árduo e sacrificado da enfermeira, do médico de plantão, do jornalista, do policial etc.etc.etc. Esses profissionais fazem isso para manter as coisas funcionando da melhor maneira possível. E, de certa forma, mantêm. Pode-se, porém, afirmar que a noite é “universal”. Já o dia... Tem características próprias em cada recanto do mundo, de acordo com a realidade de cada um. É nele que, em geral, se desenrola este drama maluco e um tanto sem sentido, que caracteriza a humanidade, com seus atos de violências, injustiças, prepotência e egoísmo. Não que isso não ocorra, também, à noite. Mas ocorre em muito menor número, convenhamos. O dia, portanto, é “geográfico”. Essa classificação, destaco, não é minha (embora eu concorde com ela), mas do poeta Cassiano Ricardo. Nos versos finais do poema “Coroa mural”, ele escreve: “O dia é geográfico./A noite é universal./Mas se Deus ouvir rádio,/ouvirá o meu grito:/por que a noite nos une/e o dia nos separa”?. Claro que o Criador não precisa desse pífio recurso humano para saber o que se passa em nossos corações e mentes e atender nossos justos apelos. Melhor do que o rádio, sem dúvida, é a prece, maneira direta, e infinitamente mais eficaz, de ser ouvido pelo Eterno.

Estigma da brutalidade


Pedro J. Bondaczuk

O homem contemporâneo é tão, ou na verdade muito mais brutal do que nossos mais remotos ancestrais, inclusive os primitivos habitantes das cavernas. Teoricamente, a educação e o crescente acesso às informações, ditados pela fantástica evolução da tecnologia, deveriam reduzir, se não eliminar, todo e qualquer tipo de brutalidade. Não é, porém, infelizmente, o que acontece. Muito pelo contrário.
A História registra guerras e mais guerras, ferocíssimas e sanguinárias, desde a invenção da escrita. Mas nenhuma das atrocidades de um Átila, de um Alarico, de um Genserico ou de tantos e tantos outros ferozes matadores sequer se compara, por exemplo, nem de longe, ao Holocausto, da Segunda Guerra Mundial, ou aos massacres ocorridos ainda recentemente na Bósnia, em Kosovo, na Chechênia e, notadamente no Iraque e no Afeganistão.
Os combates, na Antiguidade, eram uma espécie de jogo. Os combatentes tinham chances não só de atacar, mas de se defender (mesmo que remotas). Havia tácito código de honra, que era seguido à risca. Mesmo as campanhas de Napoleão Bonaparte, no início do século XIX, tinham essas características de prevalência de táticas e competência dos soldados e não de equipamentos bélicos para superar a estratégia dos inimigos. Não quero, com isso, justificar a existência de guerras, longe disso, qualquer que seja o pretexto dos antagonistas para recorrer às armas. O que pretendo demonstrar é que hoje elas são muito mais brutais e covardes.
As potências têm recursos de eliminação de contingentes de pessoas e de destruição de quarteirões, bairros e até de cidades, tão sofisticados, que prescindem do confronto cara a cara dos soldados. Quem nunca ouviu falar, ao longo da Guerra do Golfo de 1991, de “ataques cirúrgicos” das forças aliadas (na verdade, dos EUA disfarçadas sob esse eufemismo), contra as tropas de Saddam Hussein?
Os meios de comunicação a todo o momento usavam essa expressão, dando a impressão ao telespectador desavisado (a maioria) que a população civil iraquiana não corria o mínimo risco de ser atingida e que apenas suas forças militares estavam expostas aos bombardeios, feitos a quilômetros de distância, com mísseis de extrema precisão, disparados de navios.
Quem tem, porém, mais do que dois neurônios em funcionamento, sabe que o conflito não transcorreu de acordo com as informações (informações?) parcialíssimas da imprensa do chamado mundo ocidental. Escolas, creches, hospitais e dezenas, centenas, quiçá milhares de residências foram pelos ares, supostamente confundidas com quartéis, o que resultou em milhares de mulheres, crianças e idosos mortos sem a mais remota chance de defesa. Nem Átila, o huno, agia assim, com tanta frieza, cinismo e covardia.
A brutalidade a que me refiro, porém, não é somente a das guerras, embora seja, igualmente, conseqüência delas. Querem coisa mais brutal, por exempolo, do que os campos de concentração atuais (como o de Guantanamo, território norte-americano encravado em Cuba), tão pavorosos ou mais do que os dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial? E isso, jornal e revista nenhum noticiam. Muitíssimo menos a televisão (o que implica na suprema brutalidade da omissão, quando não da distorção e, pior, da parcialidade dos veículos de comunicação).
Outra coisa brutal são os campos de refugiados espalhados pelo mundo afora. Querem nos impingir que sua existência é, na verdade, uma “ação humanitária” das Nações Unidas, pois ali as pessoas encontrariam abrigo, proteção, alimentos e tratamento médico. Pelo contrário, são a prova mais concreta e palpável da suprema brutalidade do homem contemporâneo, que reduz semelhantes a cifras estatísticas, desprezando seus sonhos, anseios, ideais e, em suma, sua humanidade.
Atitude humanitária seria a reintegração desses contingentes de zumbis às respectivas sociedades, com igualdade de direitos e deveres. Raros são reintegrados. Essas pessoas perderam tudo, absolutamente tudo, famílias, casas, carros, documentos etc. e só lhes restou a roupa do corpo (quando restou) e a vida, porém sem esperanças e perspectivas, em decorrência de guerras e conflitos regionais, internos ou envolvendo vários países, com a participação ou a conivência das potências que posam de “civilizadas” e, não raro, com o aval da ONU.
E não pense o leitor que são poucos os que são submetidos a esse horror. São muitos. Muitíssimos! De acordo com a organização Médicos sem Fronteira, estima-se que haja, na atualidade, 12 milhões de seres humanos vegetando em campos de refugiados mundo afora, sem direito à cidadania, à liberdade, a ambições pessoais e a sonhos. Esse tanto de gente equivale, grosso modo (apenas para comparação) com a população total da zona urbana da cidade de São Paulo, a terceira mais populosa do mundo.
Falar de brutalidade pessoal, da individual, é absolutamente desnecessário. Vemos, diariamente, onde quer que formos, atos brutais e insanos sendo cometidos até em plena luz do dia, não raro sob o olhar complacente, omisso e covarde dos que arrotam uma cidadania que de fato não têm. Muitos vivem essa realidade em suas próprias casas, ou como vítimas, ou, não raro, como verdugos, muitas vezes até inconscientes, por entenderem que suas atitudes são “normais” e socialmente aceitáveis.
Por isso, não tenho como deixar de dar razão ao escritor peruano, Mário Vargas Llosa (que foi candidato à Presidência da República do Peru e derrotado pelo ora exilado Alberto Fujimori), que constatou: “A brutalidade constitui uma das mais constantes heranças humanas, que o desenvolvimento absolutamente não elimina”.
Eu aduziria, desolado: “infelizmente”. Na verdade, a tão apregoada “evolução dos povos” (Onde? Como? No que?), ditada pela falácia da “globalização”, não raro até incrementa a brutalidade ao limite do paroxismo e é infinitamente mais bárbara e cruel do que a do nosso remotíssimo ancestral das cavernas.

Tuesday, March 17, 2009

REFLEXÃO DO DIA


O homem ainda tem um longo caminho a percorrer até entender, no fundo da sua alma, que seu papel no mundo é o de ser parte de um todo e que sua vida será um fracasso caso se volte exclusivamente para o individual, em detrimento do coletivo. Não se trata de abrir mão da individualidade, mas de colocá-la a serviço do grupo. Podemos ilustrar essa situação com o que ocorre no nosso corpo. Somos integrados por bilhões, quiçá trilhões, de células, cada uma com sua individualidade e vida próprias. Nascem, crescem, se reproduzem e morrem, como todos nós. Todavia, cada qual executa sua função, integrada ao todo, nunca em oposição a ele, o que garante a saúde e a sobrevivência do organismo inteiro e, por conseqüência, a própria. No entanto, se alguma célula eventualmente se desgarrar e, subitamente, sem nenhum aviso, passar a atacar as demais e a devorá-las, o corpo todo ficará desarranjado. Adoecerá gravemente. E se a agressora não for contida, ou imediatamente eliminada, o conjunto morrerá inexoravelmente. E, com sua morte, os bilhões, quiçá trilhões de células morrerão também, inclusive, claro, a que deflagrou o processo destrutivo. Assim são os homens. Atuando de forma egoística, o que conseguem é, apenas, “adoecer” o corpo social. E se o “remédio” não for logo aplicado, ou não se mostrar eficaz, todo o organismo haverá de se extinguir fatalmente (no caso, a humanidade).

Consolação ou humor?


Pedro J. Bondaczuk

A imaginação, se ou quando bem-utilizada, nos é altamente benigna. Serve-nos de consolo por aquilo que não conseguimos (e que não podemos) ser, permitindo-nos apelar para outras características ao nosso alcance, que compensem nossas fraquezas e contradições e nos valorizem. Ademais, nos possibilita que venhamos a desenvolver senso de humor. Que, em vez de nos afligirmos com nossas trapalhadas e deficiências, possamos rir delas, sem qualquer complexo ou constrangimento.
Apenas pessoas que confiam no que são (e no que podem fazer) e, sobretudo, imaginativas, sabem rir dos próprios defeitos e tropeços. Em contrapartida, as que buscam dissimular suas evidentes falhas, dando a entender que se tratam de virtudes, caem no ridículo, sem que sequer se apercebam. São destituídas de imaginação, ou não a usam de forma adequada e, por isso, sofrem em dobro: pelo que não são e pelo que são.
Pessoas desse tipo parecem sofrer de perpétua “auto-idolatria” (e classifico isso, sem pestanejar, assim mesmo, de sofrimento). São Narcisos que se apaixonam pela própria imagem e acabam se afogando no regato do ridículo. Adoram o próprio umbigo e sentem-se (ou pelo menos agem) como se fossem o centro do universo. Evidentemente, não são! Esse tipo de postura é caminho mais do que certo para acumular decepções, mágoas, rancores e profundíssimas frustrações.
Indivíduos que agem dessa forma – e não necessariamente os paranóicos megalomaníacos – acabam garantindo, mais cedo ou mais tarde, a clientela dos psiquiatras (e isso quando se dão conta da sua distorção comportamental e tentam corrigi-la), quando não se tornam presas fáceis de charlatães, que lhes subtraem, sempre que podem, até o derradeiro centavo. Bem feito!
E tudo por que? Porque são despidos de imaginação. Porque não sabem rir das próprias deficiências e colocá-las no devido lugar. Por não se darem conta de que os que zombam deles são tão imperfeitos e contraditórios (quando não muito mais) do que eles.
Quem, alguma vez na vida, não desejou ser um craque de futebol famoso, ou um mega-star de música pop, ou um ator consagrado que impressione todas as mulheres (e durma com muitas delas) etc.etc.etc.? Quando crianças, ao nos perguntarem o que desejamos ser quando crescermos, via de regra citamos quatro ou cinco atividades que, no íntimo, sabemos que nos são interditas, como astronauta, piloto de Fórmula 1, centro-avante da Seleção Brasileira de Futebol e assim por diante. E quantos conseguem essa façanha? Pouquíssimos, não é verdade?
Por outro lado, quantas pessoas se sentem efetivamente satisfeitas com o que de fato são? Embora não pareça, são poucas, muito poucas, diria que em quantidade irrisória. Algumas fazem dessa insatisfação – que na medida certa é saudável – mola propulsora para grandes realizações. Outras... sentem-se inúteis, derrotadas, inferiores, imprestáveis e caem em depressão. Valorizam-se em demasia e quando descobrem que não são o que pensavam que fossem, se sentem perdidas. Carecem de imaginação. Não podem, não querem e não sabem relevar os próprios defeitos e muito menos rir deles.
Os que têm essa faculdade, ou seja, os que não se levam tão a sério assim, não raro até ganham uma profissão que os pode consagrar. Tendem a tornar-se humoristas, por que não? Afinal, as cenas mais engraçadas e hilariantes são as que refletem deficiências, trapalhadas, tolices etc., nossas e dos outros. Ninguém ri de virtudes, da competência e do talento. Estas características, no entanto, infelizmente são raras, daí terem tamanho valor.
Quando criança, eu quis ser, quando crescesse, pela ordem: cientista, escritor, peão de rodeio, centro-avante, médico, músico e pintor. E tudo ao mesmo tempo. A fértil imaginação fez com que, pelo menos na minha mente, eu fosse, de alguma maneira, tudo isso simultaneamente.
Se eu disser que não me frustrei com o fato de não ter conseguido atingir a maioria desses objetivos, estarei mentindo. Como gostaria de ter vocação para a música! Não tenho. Como eu queria ser um artista plástico, um Rembrandt, um Rubens, um Monet ou um Rafael! Nunca passei, todavia, sequer próximo a isso.
Mas de sete desejos, concretizei, ao menos, um. Nada mau, não é verdade, se levar em conta que a maioria das pessoas não concretiza nenhum?. Sou escritor. Se bom ou ruim, não me compete julgar. Claro que conheço minhas deficiências e, estejam certos, me divirto com elas.
Rio das minhas distrações. Comento, sem nenhum escrúpulo, minhas trapalhadas, as infinitas mancadas que dou praticamente todos os dias e as perpetuo em textos. E apesar dos meus (felizmente poucos) inimigos me acusarem de narcisismo intelectual, não me considero belo, nem sábio e nem charmoso. Talvez me ache (embora não tenha certeza) um tantinho competente no que faço. Se não for, também, não irei considerar essa inabilidade nenhuma tragédia. Afinal, tenho imaginação, que me consola e faz com que ache graça naquilo que desespera tanta gente.