Sunday, May 28, 2006

A vida é o principal dos direitos


Pedro J. Bondaczuk


O comportamento humano não acompanhou, em absoluto, o incrível avanço das ciências físicas e biológicas, em especial após a segunda metade do século passado. Por esta razão, muitas das maravilhas criadas por mentes privilegiadas, que poderiam significar a redenção da humanidade e a melhoria do seu padrão de existência, acabaram transformadas em objetos de tortura, em armas terríveis para que se cometam as mais abjetas ações e heresias que se possa imaginar.

A todo o instante se ouve alguém reivindicar um elenco de direitos, alguns legítimos e outros apenas imaginados. Mas o que todos parecem se esquecer é que estes sempre vêm acompanhados de deveres. Os dois são indissociáveis.

Uma das tarefas básicas do ser humano é a de viver e deixar viver. A ninguém deve, e nem pode, ser concedido o poder de decidir sobre quem continuará existindo e quem não. Qualquer coisa que ao menos lembre este tipo de arbitrariedade é ilegítima, imoral e ilegal.

Contraria a própria lógica. O princípio básico de Justiça, o alicerce que lhe dá sustentação, preceitua que “todos” são iguais perante a lei. O fato dessa igualdade não passar hoje em dia de mera ficção é que impede que no campo do comportamento, a humanidade acompanhe o vertiginoso progresso científico.

O direito mais sagrado e inalienável de qualquer ser é, portanto, o da vida. E quando esta passa a existir de fato? Em que instante mágico e miraculoso se corporifica e se reproduz milhões de vezes por dia, embora cada uma dessas reproduções não deixe de ser um milagre? No instante exato da fecundação!

É perda de tempo teorizar a respeito o sofismar dizendo que o feto disforme, de uma, duas, dez, doze ou catorze semanas, não é um ser humano. É evidente que é. Afirmar, portanto, que impedir que uma mulher grávida cometa o criminoso ato do aborto é tolher seus direitos não passa de uma irresponsabilidade. De cumplicidade num assassinato. Ninguém, mas ninguém mesmo, pode decidir sobre a vida e a morte do próximo, sejam quais forem os motivos. Pessoa alguma, por outra parte, pode tomar decisões absurdas envolvendo um outro ser humano.

“O meu direito começa onde o do próximo termina”. Por esta razão, é ilegítimo, imoral e ilegal apelar-se para meios artificiais de concepção somente para satisfazer a uma vaidade, ou para arranjar companhia futura. Uma decisão desse porte é gravíssima. Se a natureza impediu que certas pessoas tivessem o dom da paternidade ou da maternidade, deve ter tido suas razões.

Nada acontece por acaso no universo. Não são casuais as leis da física, da química, da biologia e da astronomia. Tudo segue a regras fixas, inexoráveis, imutáveis. O mesmo deve valer para o campo da moral.

Que direito um casal tem de se impor a um ser humano como seus pais? O casal, ao tomar tão grave decisão, está consciente do que está fazendo ou está sendo levado apenas pelas emoções? Seus membros têm qualquer condição ou possibilidade de prever o futuro do novo ser, que por meios tão antinaturais (no caso dos bebês de proveta) estarão trazendo ao mundo?

Sabem se ele será feliz? E se não for? Não seria melhor que não tivesse existido? Serão capazes de suprir o amor que lhe faltará no ato inicial da sua concepção? Porque, a menos que se trate de um imbecil, ninguém ama uma proveta, um tubo de ensaio, um recipiente de nitrogênio líquido ou uma seringa.

Mas o mais incompreensível é o fato de alguém “alugar” uma mulher para gerar-lhe um filho. Espezinhar um ser humano, reduzi-lo à condição de fria máquina, que a troco de um metal ou, o que é pior, de um papel impresso chamado dinheiro, deve lhe entregar um “pedaço” do seu ser. Tem a obrigação de gerar em suas entranhas, carregar por nove meses, dar à luz e depois se descartar de uma vida!

Que direito quem age assim tem de proceder dessa maneira? De impor pais aos outros, baseado apenas na própria vontade? De realizar caprichos, explorando o corpo, a mente e a afetividade alheios? Por que tais indivíduos não recorrem à adoção, tentando corrigir uma distorção social já existente, sem criar uma nova?

Elas têm garantias de que o ser que vão gerar dessa forma antinatural será feliz? Têm, elas próprias, felicidade? São capazes de livrar esse alguém a quem darão existência das vicissitudes nefastas de um mundo tão cheio de aberrações? A ciência, portanto, não tem o “direito” de invadir este campo, enquanto estas questões (e tantas outras) não forem respondidas insofismavelmente. Caso contrário, estará compactuando com taras, com horrores e com perversidades.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 11 de março de 1987).

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