Wednesday, May 24, 2006

Explosão de luz


Pedro J. Bondaczuk


A arte precisa ser instintiva, natural, selvagem e espontânea na sua concepção (claro que não na técnica) para merecer essa designação. Trata-se da única forma de sermos autênticos, sem representações e nem dissimulações. É a nossa carta de alforria, nossa absoluta e irrestrita liberdade. Ninguém é forçado a ser artista: músico, escritor, pintor, escultor, poeta... É uma escolha pessoal. Ou se é ou não se é. É o modo de que cada um dispõe para ser livre, para impor sua personalidade, para deixar sua marca no mundo. A aceitação ou não do que o artista produzir vai depender de critérios subjetivos de apreciação e de avaliação dos destinatários das obras produzidas. A arte, contudo, é o nosso "ADN"! É o nosso ser! É a nossa vez! É a nossa voz...e única...
Todos somos artistas potenciais, embora muitas vezes não pareça que seja assim. Ocorre que alguns (senão a maioria) sufocam esse pendor natural, voltados que estão para coisas aparentemente mais “importantes”, mais "sérias" e que, na verdade, quando submetidas a uma análise lógica mínima, se revelam supérfluas, triviais, fantasiosas e absolutamente dispensáveis. Só a arte dá dimensões divinas ao ser humano. É por seu intermédio que ele verdadeiramente se revela em toda a sua grandeza e transcendência. É a linguagem “dos anjos”, de que nos fala São Paulo, em uma de suas inspiradas cartas apostólicas.
A principal característica dos bons escritores (a arte que abracei) é a sua capacidade de observação. Ou seja, é o talento, desenvolvido com a prática e a disciplina, para captar todas as nuances da realidade e fazer delas matérias-primas de suas obras (poesia, conto, romance, crônica, não importa), conferindo-lhes a desejável verossimilhança.
Claro que o escritor deve dominar o idioma (exigência mínima, lógica, básica, óbvia e até primária), além de ser emérito comunicador. Tem que ser, sobretudo claro e inteligível, se possível para qualquer pessoa, mesmo que esta não tenha qualquer cultura. Quem escreve complicado é porque não tem, de fato, o que dizer. A beleza e a simplicidade andam sempre de mãos dadas.
Paulo Mendes Campos constatou que “o escritor, ao contrário da caneta-tinteiro, carrega-se devagar e se esvazia depressa”. Ou seja, despende muito mais tempo no estudo, na pesquisa, na observação, de tudo e de todos que o cercam, do que na redação dos seus textos, que fluem (se de fato tiver competência para a atividade) espontâneos e inteligíveis, sem maiores esforços.
Só a arte tem o condão de revelar a genuína grandeza do ser humano (em termos potenciais), a transcendência da vida e a beleza em toda a sua majestade e magnitude. Por meio dela, com a sua linguagem simbólica, realçada pelo talento, é que expressamos, sem enganos, dissimulações ou temores, os grandiosos ideais, tanto os individuais, quanto os coletivos (os da humanidade), esquecidos no dia-a-dia. Aqueles mesmos que nos empolgaram um dia, na juventude, mas que, na luta feroz do cotidiano, pelo pão nosso de cada dia, na batalha inglória pela sobrevivência, deixamos, pouco a pouco, se esvair e se perder no meio do caminho, em algum segmento do tempo.
Perguntam-me, amiúde, qual é minha fonte de inspiração. Ela é, confesso, a natural. É espontânea e, felizmente, freqüente. Gosto de dias quentes e ensolarados, de céu completamente azul, e cheios de luz. Um cenário radioso, como esse, faz com que eu releve meus problemas e os coloque em suas mesquinhas dimensões, para valorizar a vida no que ela tem de belo, transcendente e único. Ela é a matéria-prima dos textos que produzo.
Não nascemos, convenhamos, para desperdiçar nossas melhores energias com isso que aí está. Ou seja, com a luta mesquinha e desesperada por bens materiais que nada nos acrescentam, em detrimento do que nos é oferecido de graça pela natureza. Temos uma oportunidade única, que é o privilégio de viver, à qual não damos o devido valor. Transformamos, com nossa cobiça e intolerância, o paraíso num inferno.
Marc Chagall confessou, certa feita: “Em Paris a luz explodiu em mim como uma centelha de liberdade, de revolução”. Essa luz, essa centelha de liberdade e de revolução, essa veneração pela beleza explode em meu peito todas as manhãs, ao meu redor e ao redor de todas as pessoas que, no entanto, raramente se dão conta desse privilégio. Vêem mas não enxergam. Apostam na infelicidade e acabam, de fato, infelizes.
Uma das minhas maiores satisfações, físicas e espirituais, é o contato com a natureza. É, por exemplo, um passeio despreocupado por um bosque, com todos os sentidos alertas, usufruindo o aroma das flores, o canto dos pássaros, o frescor da sombra e o sabor exótico dos frutos silvestres. Ou é a caminhada preguiçosa e sem rumo por um jardim florido, com a explosão de cores, em cada canteiro, ao meu redor. Essa é a minha fonte de inspiração.
Claro que aquilo que tenho para expressar está em mim, adormecido no fundo da memória, pronto para ser despertado. E é a beleza o despertador da minha sensibilidade. Concordo com Le Corbusier quando diz: “A poesia está no coração dos homens; por isso, é preciso se abrir para as alegrias da natureza”. Temos que cuidar dela. Infelizmente, quase nunca fazemos isso. A natureza é, cada vez mais e há tanto tempo, extremamente agredida e muito judiada pela insensatez e pela cobiça dos estúpidos! Somos, porém, suas partes integrantes. Procedemos dela e a ela retornaremos.
Sem a natureza (se isso fosse possível), ou com ela devastada (o que ocorre há tanto tempo), certamente não sobreviveríamos (e não sobreviveremos). Morreríamos sufocados, esturricados e de inanição! Seria nossa inexorável extinção, tanto a física, quanto a espiritual (ambas, claro, definitivas). E, neste último caso, perderíamos o que de mais nobre e elevado temos e raramente exercitamos. Ou seja, a fome imensa, permanente e insaciável de beleza. Esta é a morte que luto, com todas as forças, para evitar! Daí apostar todas as “fichas” que a vida me deu na arte!

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