Thursday, May 25, 2006
Sementes ao acaso
O homem evoluído, aquele que tem consciência do seu papel no mundo e se empenha na sua realização (raridade em todos os tempos), sem esperar qualquer vantagem material, é, sobretudo, generoso. A evolução da espécie humana deve tudo a essas pessoas abnegadas, que surgem, em maior ou menor número, a cada geração, determinando saltos evolutivos desse estranho e precioso animal que pensa (ou pelo menos conta com essa capacidade), mas que nem sempre dá um sentido positivo ao pensamento.
Esses indivíduos são os responsáveis pelas descobertas científicas, pelo desenvolvimento das artes, pela Justiça, pela organização política e social, pelos sistemas econômicos e pela geração e veiculação de idéias, entre outras coisas. Sua característica marcante é a generosidade. Semeiam inteligência e princípios incansavelmente, sem sequer atentar para o "solo" onde as sementes irão cair. Dão oportunidade a todos os que queiram usufruir de sua ação, sem nenhuma espécie de preconceito ou discriminação.
A propósito desses abnegados semeadores de ideais, que raramente (ou nunca) colhem aquilo que semearam, e se o fazem, jamais é em proveito próprio, o padre Antônio Vieira (um desses seres raros e preciosos que iluminaram os caminhos da humanidade) fez uma profunda reflexão, em um dos seus inesquecíveis sermões, que atravessaram três séculos, por sua forma e conteúdo serem primorosos. Constata o erudito sacerdote: "Nas outras artes, tudo é arte; na música tudo se faz por compasso, na arquitetura tudo se faz por regra, na aritmética tudo se faz por conta, na geografia tudo se faz por medida. O semear não é assim. É uma arte sem arte: caia onde cair".
Por isso, os homens criativos, que têm algo a acrescentar às suas comunidades, desde o seu restrito e particular núcleo familiar, à própria e gigantesca família humana, precisam contar não com uma, duas, cinco, dez ou cem "sementes". Devem ter milhares delas, para espalhar por todas as partes.
Jesus Cristo, em uma de suas mais profundas parábolas, tratou desse tema. Destacou as dificuldades das mensagens espalhadas frutificarem, em virtude do "solo" (no caso a mente das pessoas que são alvos do que se pretende semear) muitas vezes não ser propício.
Os tíbios, os egoístas e os acomodados, mesmo que semeiem ideais, quase sempre fracassam. E o insucesso deve-se à insuficiência de sementes. Basta que estas caiam em lugar errado para que seu empenho acabe sendo vão. Desistem. Ou querem colher frutos pessoais mesmo onde estes não existam e sejam impossíveis de existir. Dão-se por satisfeitos em semear ao léu, mesmo na ausência de resultados, como se desempenhassem uma obrigação e não se tratasse de uma dádiva espontânea ao mundo.
O semeador, da parábola de Cristo, lançou primeiro sua semente por entre as pedras. Mesmo tendo germinado, a planta embrionária não tinha como fixar raízes, dada a rigidez do solo. Não havia humus. Inexistia a umidade. Faltavam, portanto, o alimento e a água. Dessa forma, ou os pássaros devoraram o que foi semeado, ou o sol crestou a semente, a inutilizando.
A segunda foi lançada sobre a areia, em meio a urzes. Germinou, fixou raízes, mas estas não tinham firmeza. Um simples vento arrancou a planta em formação, matando-a ou as ervas daninhas sufocaram-na. A terceira semente, no entanto, caiu em terra fértil. Germinou, radicou-se, desenvolveu-se, cresceu e frutificou.
Assim são as mensagens espalhadas pelos idealistas. Têm que ser múltiplas e semeadas incansavelmente. Mesmo assim há riscos de nenhuma delas vingar. Compete ao semeador tentar, tentar e tentar indefinidamente, enquanto viver. Persistir na persistência. Nunca se fazer de difícil ou se deixar cegar pela vaidade. Não se prender a idéias preconcebidas ou a dogmas cristalizados. Precisa exercitar, sem cessar, a liberdade de pensar e de expressar seus pensamentos. Tem que proceder a constante autocrítica e saber mudar de rumo ao constatar equívocos.
O físico Albert Einstein afirmou, em seu livro "Como Vejo o Mundo": "É a pessoa humana, livre, criadora e sensível que modela o belo e exalta o sublime, ao passo que as massas continuam arrastadas por uma dança infernal de imbecilidade e embrutecimento". Sua condição é tão abjeta por ausência de líderes esclarecidos, de semeadores persistentes, de mestres perseverantes. A espécie carece de um número maior de pessoas "boas", altruístas, perspicazes e sobretudo abnegadas.
Platão, em seus "Diálogos", enfatizou: "O bem não é essência, mas excede em muito a essência em dignidade e poder". Não são os aparentemente poderosos que a humanidade reverencia através dos séculos. Guerreiros como Alexandre, Júlio César, Átila ou Napoleão são lembrados, é verdade, mas apenas pelo terror e morte que espalharam. A reverência, no entanto, é destinada a humildes semeadores. Como Sidarta Gauthama... Como Jesus Cristo... Como Maomé... Como São Francisco de Assis, Mahatma Gandhi e Madre Teresa de Calcutá, entre outros...
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