Wednesday, May 03, 2006
A arte de ver arte
* Pedro J. Bondaczuk
A arte, na conceituação de Fernando Pessoa, tem por finalidade "a elevação" do ser humano. Sua transformação em valor econômico é secundária (embora investir em bens culturais e principalmente artísticos seja altamente rendoso, em longo prazo) e nunca é a motivação do artista quando produz uma obra. É a mais sofisticada (e inteligente) forma de comunicação entre seres sensíveis e com capacidade de transmitir essa sensibilidade. Há os que confundem "elevação" com "libertação", em especial da imaginação (a capacidade que o ser humano tem de criar "imagens", na mente, de coisas abstratas).
Mas existe uma forma especial de “ver” arte? Alguns acham que sim, outros entendem que basta ter sensibilidade e um mínimo de conhecimento para entender o que o artista quis transmitir. E no caso do jornalista, logicamente, para interpretar essa mensagem para o leitor, principalmente o leigo. Meu gosto estético "empurra-me" para todos os gêneros de arte (literatura, música, pintura ou escultura), sem qualquer discriminação, embora a minha capacidade (e predileção) seja pela escrita: pelo conto, pelo romance, pela crônica (a preferida), pelo ensaio e pelo teatro.
Talvez essa preferência esteja inconscientemente ligada ao desafio que implica em escrever. Gosto das coisas difíceis. Aprecio a comunicação através desse instrumento frágil (e perigoso, quando mal utilizado), muitas vezes frustrante e raramente compensador, que é a palavra. Sou jornalista por gosto e vocação! Contudo, em um país com índice tão elevado de analfabetos (principalmente os funcionais, que não conseguem entender e nem interpretar o que lêem), como é o Brasil, chega a ser temeridade querer fazer disso um meio de subsistência, uma profissão.
Tenho o hábito (salutar) de freqüentar museus e galerias. Compareço, quando possível (e se convidado) a exposições de artes plásticas, tanto de artistas consagrados, quanto de novatos que expõem seus primeiros trabalhos. Prefiro até mais estes últimos, que têm maior capacidade de me "surpreender". É verdade que raramente encontro tempo para me dar esse prazer estético, já que o jornalismo é bastante absorvente. Embora seja uma atividade que lida com fatos, isto é, com a realidade, em alguns aspectos nós, jornalistas, acabamos por ficar "alienados" daquilo que nos cerca. Ao contrário do que damos a entender aos nossos leitores, a vida não se caracteriza somente por atos de violência, por burlas de diversas naturezas às leis, por corrupção política ou por competições esportivas e outros entretenimentos.
A última vez em que estive num museu foi em São Paulo, mais especificamente no campus da USP, no MAC, cujo acervo é dos melhores do mundo e até surpreendente num país como o Brasil, onde pintura e escultura não são popularizadas e são consideradas coisas da "elite". Não sou propriamente um "expert" em artes plásticas, embora meu conhecimento possa ser classificado como acima da média. Até já assinei coluna de crítica em jornal, sobre esse tema. Meu julgamento não se baseia muito em técnica, em perspectivas, jogos de luz e sombra, proporções, etc. apesar de ter noção desses conceitos e de levá-los, obviamente, em conta.. É mais intuitivo. Aprecio as obras que me despertam emoção e, sobretudo, que "assanham" a minha imaginação.
Já escrevi contos "inspirados" em telas de artistas, não muito conhecidos, mas cujas imagens retratadas eram tão dramáticas, que deixavam entrever toda uma história. É o caso, por exemplo, do quadro (utilizando a técnica da água-forte, água-tinta e ponta seca), intitulado "A Inflação", pintado pelo artista fluminense Henrique Carlos Bicalho Oswald em 1945. A imagem mostra um homem de chapéu, com o rosto escondido entre os braços, tenso, passando a impressão de desespero, por causa, provavelmente, do desemprego e da falta de recursos para comprar o necessário para o sustento da família. Como se vê, sugere, por si só, todo um drama. Essa obra é uma das centenas expostas no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo.
Este é apenas um exemplo, entre tantos. Poderia citar, entre outros quadros que me causaram viva impressão (e inspiração), "Idílio na Noite", do santista Mário Gruber Correia; as xilogravuras "Favela", da carioca Renina Katz , "Fazendo Marmelada", do gaúcho (de Bagé), Glênio Bianchetti e "Pescadores", do consagrado Oswaldo Goeldi; "Roda Gigante", do pernambucano Darel Valença Lins; o aquarela e nanquim sobre papel "Mani-Oca (Nascimento de Mani)", de Vicente do Rego Monteiro e o "Nu e Barco", do genial Emiliano Di Cavalcanti.
Claro que esta enumeração não esgota minhas preferências. Longe disso. Cada uma dessas manifestações de racionalidade e de interpretação do mundo (exterior ou interior do artista) elevou-me, acrescentou-me, enriqueceu-me e deu-me nova perspectiva, tanto da vida – com facetas múltiplas e virtualmente infinitas – quanto do cenário em que ela se desenvolve.
Volto à questão inicial: existe alguma forma especial de ver arte? É claro que um mínimo de conhecimento teórico ajuda no entendimento. Mas a teoria está longe de ser fundamental. O que conta, mais do que tudo, (e acima de tudo), é a emoção. É deixar os "canais da alma" abertos, para que a beleza, a compreensão e a elevação espiritual fluam por eles. É tentar entender o artista e ter empatia com suas emoções, fazendo-as nossas também. O resto virá com o tempo e com o constante exercício que, para o jornalista que lida com esse tipo de assunto, é imprescindível e fundamental.
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