Friday, May 05, 2006

Ao entardecer


Pedro J. Bondaczuk


O homem, caso queira conservar a dignidade até o último suspiro, não pode deixar o espírito envelhecer. Que a matéria envelheça, tudo bem. Ninguém tem como evitar, embora haja condições de retardamento desse processo de envelhecimento. Quem quiser estar bem consigo até o derradeiro momento da existência não pode permitir que suas idéias fiquem velhas. Precisa conservar o interesse pela vida, mesmo sabendo que pode expirar a qualquer momento. Tem que estar sempre motivado.
É verdade que não são apenas os idosos que correm o risco de morrer subitamente. A morte não tem dia e nem hora marcados. Ocorre de repente, de maneira fulminante, sem avisos e sem muita lógica. Por isso é tão traumatizante e desperta tanto terror. Tanto atinge um bebê que acabou de nascer, quanto um centenário ancião. Tanto quem "venda" saúde, quanto o doente terminal.
Compete, contudo, ao "guerreiro" expirar na batalha. Não, evidentemente, num campo de guerra, trucidando inimigos. Mas na mais nobre de todas as lutas: a da evolução da espécie humana, em todos os sentidos. Ai daquele que deixa o espírito envelhecer, que não renova idéias, informações, estilos e comportamentos! É posto de lado como objeto imprestável, sem uso, e perde o respeito até daqueles que gerou. E o próprio, evidentemente.
Mesmo que essa atividade extemporânea esgote mais depressa as energias e abrevie a morte, é melhor assumir esse risco do que se tornar imprestável. Cesare Pavese, em uma de suas conferências, em 13 de junho de 1941, observou: "Se é possível lançar mão da analogia com o dia, a velhice é a idade mais aborrecida porque não se sabe mais o que fazer de si, como a noite, quando a faina diária está concluída". Isto, quando o espírito envelhece.
Para evitar esse brutal tédio, é necessário que consideremos nossa tarefa sempre inconclusa. Que nunca venhamos a aposentar o nosso raciocínio, o nosso interesse pela vida, a nossa participação no mutirão para tentar civilizar a espécie. A missão do homem jamais se esgota. Não termina com a reprodução, a criação, a educação e o sustento da cria. Vai muito além. Não prevê aposentadoria. Não admite interrupção, a não ser a ditada pela força maior: a morte. É tão extensa, que seria necessária a eternidade para a sua conclusão.
Se não pode ser concluída, que permaneça inconclusa, mas que trabalhemos nela até o último sopro de vida, a derradeira parcela de energia, o momento mesmo em que perdermos a lucidez segundos antes de expirar. Temos que entender que, da mesma forma que o corpo se transforma para pior com o envelhecimento, podemos e devemos deflagrar um processo inverso com a nossa mente.
Ou seja, temos que modificar conceitos sem nunca permitir que se cristalizem em dogmas, alterar opiniões quando os fatos comprovarem que estávamos errados e jamais admitir que qualquer espécie de preconceito se instale em nosso cérebro. "É difícil", dirão alguns, citando centenas de exemplos. "É impossível que alguém seja assim", afirmarão outros, desfiando um rosário de argumentos. Estão todos errados.
O homem não explora dez por cento do magnífico potencial do seu cérebro. Abrevia sua morte, entregando-se à indolência e ao ócio e até contrariando a natureza. É fácil de se comprovar o axioma de que "o uso desenvolve e a falta dele atrofia". Isto vale para qualquer órgão e principalmente para o mais nobre e poderoso de todos, o que comanda os demais: o cérebro.
Somos aquilo que mentalizamos. Se nos virmos como fracos, como tíbios, como doentios, nos transformaremos nesse estereótipo que criarmos. Mas o contrário também é verdade. É certo que existe um arraigado preconceito na sociedade contra as pessoas idosas. Esses tolos que alimentam tal visão distorcida serão colhidos na própria armadilha que montaram. Um dia vão envelhecer (se não morrerem antes). E o comportamento que ajudaram a cristalizar em relação aos mais velhos se voltará reforçado contra eles.
O que cada um de nós tem que fazer é se impor. É provar, se preciso, que o mundo inteiro está errado sobre a imagem que faz de nós. É não nos deixarmos abater diante de opiniões e atitudes alheias. Mas essa demonstração de força não se pode fazer apenas com palavras. Exige ação, mesmo que o corpo teime em pedir repouso. Requer energia, tirada não se sabe de onde. Impõe férrea força de vontade. É indispensável que se ame a vida. Tanto, a ponto de não desperdiçar nada dela, mesmo os sofrimentos, a "sorvendo até sua derradeira gota". Com alegrias ou tristezas. Feliz ou infeliz. Acompanhado ou solitário. Este é o "entardecer" digno, da forma que entendo. Essa é a única maneira nobre de morrer: lutando.

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