Thursday, May 11, 2006

Comunicação verbal


Pedro J. Bondaczuk


A facilidade de comunicação através da palavra falada, ou seja, da conversa, do olho no olho, daquilo que os franceses chamam de "tête-a-tête" é um dom. Alguns, são mais articulados, outros, nem tanto, outros, ainda, têm dificuldades muitas vezes intransponíveis de entender e de se fazerem entendidos pelos que os cercam.
De minha parte, vim a descobrir que tinha essa vocação para falar em público há vinte anos, embora há 44 houvesse trabalhado em rádio, profissão que voltei a exercer tempos depois, em Campinas, de 1980 a 1982, na excelente Rádio Educadora (atual Band Campinas). Não me refiro, porém, ao simples bate-papo, que sempre gostei, por apreciar as pessoas, o ser humano, os indivíduos (claro, os positivos e inteligentes, que não lesam ninguém e têm postura construtiva). Desde 1985, venho realizando na cidade (e fora dela, inclusive em outros Estados) constantes palestras, proferindo discursos em solenidades diversas, fazendo, até, conferências, e inclusive dando aulas inaugurais em universidades.
O engraçado é que até então não me julgava capaz de enfrentar grandes platéias. Sempre me considerei tímido, inibido, medroso em relação a estranhos. No rádio não havia problema: ficava confinado em um estúdio, na companhia somente do operador de som. Mesmo sabendo que do outro lado eu poderia estar sendo ouvido por milhares, provavelmente milhões de pessoas, inclusive de outros países, dado o incrível alcance das ondas sonoras, nunca me preocupei. Até porque, voz (principal instrumento do radialista) sempre tive boa (pelo menos os que me empregaram diziam isso, além dos ouvintes fiéis que consegui conquistar).
Encarar um auditório, principalmente desconhecido, como faço freqüentemente, não é brincadeira. E interessá-lo de formas a que me ouça por meia hora ou mais, sem impaciência, tédio ou irritação, e aprenda alguma coisa comigo, é constante desafio. A arte da oratória ajuda e tive a felicidade de fazer um curso desses, o que me deu pelo menos autoconfiança, mas nunca me tirou o nervosismo.
Um orador (palestrista ou conferencista) sente, antes de começar a falar, a mesma tensão de um ator. Fica dopado de adrenalina. Tanto, que só consegue voltar ao normal duas ou três horas depois de cada apresentação. Sua frio, a boca fica seca, o coração dispara e o sangue lateja nas têmporas.
Quando o mestre de cerimônias me anuncia, e todos os olhares se voltam para mim, dá um medo terrível. Não das pessoas ali presentes, é óbvio, mas do ridículo. A mesma coisa eu sinto quando encaminho à editoria competente (não a que sou responsável, é óbvio) um texto para ser publicado, artigo ou crônica (não importa). Mas ao vivo, diante de uma grande platéia, em geral desconhecida, a sensação de medo é muito pior.
A vista fica turva, a respiração ofegante e entrecortada e é difícil dizer as primeiras palavras. Chego a ficar em pânico, embora ninguém perceba. Ao contrário, em geral os que me ouvem comentam, depois, sobre a minha frieza, minha calma, minha tranqüilidade. Mal sabem que tão logo sou anunciado, tenho, apenas, vontade de fugir, de correr, de sair daquele local. Respiro fundo, olho para todos os lados do auditório e fixo o olhar na última fileira. É um truque que aprendi. Parece, a cada pessoa presente, que estou olhando diretamente para ela. Na verdade, não olho especificamente para ninguém.
Feita a saudação de praxe, a tensão baixa. A mente fica clara e só tenho um objetivo: fazer-me entendido. O nervosismo desaparece por completo, substituído por uma euforia muito grande, uma espécie de embriaguez. Essa sensação é que tem garantido meu sucesso no contato com o público. Nestes vinte anos, fiz mais de quatrocentas apresentações. E posso contar nos dedos de uma só mão as que, na minha autocrítica – e no consenso dos que me assistiram – não foram pelo menos corretas.
Os que me acompanham nestes anos todos garantem que 30% delas foram brilhantes. Acho exagerado. Talvez 5%, quando muito, mereçam essa classificação. Medíocres, por outro lado, foram umas dez ou doze, em que senti a platéia bocejar e alguns chegarem até mesmo a abandonar o recinto. E qual a razão dessa arriscada exposição? Vaidade? Dinheiro? Fome de elogios? Pode até ser. Mas o motivo maior é a generosidade, a convicção de que devo passar adiante os conhecimentos e a experiência que adquiri. Só mesmo ela poderia levar-me a abrir mão da privacidade, vencer a timidez, superar o medo do ridículo e enfrentar públicos dos mais variados e complexos, tornando-me "viciado" em adrenalina.

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