Friday, May 12, 2006
Apenas com a corda
Pedro J. Bondaczuk
As pessoas precisam ter grande cuidado na escolha de seus objetivos se não quiserem amargar fracassos e terminar a vida frustradas e decepcionadas. O pressuposto básico é que o alvo pretendido seja alcançável. A segunda condição é que suas forças e sua capacidade sejam suficientes para chegar até ele. E que a estratégia adotada seja a adequada.
Recordo-me de um conto russo, intitulado "Uma Vaca", escrito por Arcádio Avertchenko, que ilustra bem o que quero dizer. Mostra que quem erra na determinação de sua meta, qualquer que esta seja – ou por arrogância, ou por superestimação da própria capacidade, ou por vaidade, ou por não querer ouvir conselhos – acaba "dando com os burros n'água", como diz o vulgo.
E são muitos os que cometem esse equívoco e depois culpam, invariavelmente, os outros pelo fracasso. Jogam a vida fora e quando não a estragam por completo, perdem, pelo menos, o mais precioso dos capitais que qualquer homem possui: o tempo. Esse texto vem a propósito de muitos jornalistas (entre os quais, infelizmente, me incluo) que em sua carreira nunca souberam ser “profissionais” na acepção do termo. Sempre foram “amadores”, no sentido lato da expressão, fazendo da atividade um exercício lúdico, e não aquilo que ela é, ou seja, uma profissão, nunca se importando com horários de trabalho, com horas extras, com direitos sociais ou com remunerações.
Hoje, essas pessoas, em sua maioria, vivem na rua da amargura, não raro passando privações, sem poderem usufruir os frutos do seu trabalho, como seria lícito, honesto e lógico de se pensar. Apenas enriqueceram – ou pelo menos ajudaram a enriquecer – empresas de comunicação, às quais se dedicaram de coração, corpo e alma, e que os trataram, somente, como aquilo que de fato eram: “empregados”.
Não receberam nem um reconhecimento, nem uma ajuda, nem uma colher de chá, nada que expressasse a mínima gratidão pelo que fizeram, que não constava de nenhuma cláusula contratual. Fizeram por amor, por serem apaixonados pelo jornalismo. Horas extras? Nem pensar! Tudo o que tiveram, em troca do seu entusiasmo e da paixão pela atividade jornalística, foi a liberação do fundo de garantia, após a demissão (claro que sem justa causa), e assim mesmo, de valor contestável. Não quiseram recorrer à Justiça do Trabalho. E se deram mal...
Avertchenko narra, em seu conto, que Pétia (diminutivo de Pedro, em russo) ganhou uma vaca em uma quermesse, a que compareceu com a namorada, Nástia. Foi felicitado por todos pela grande sorte. Recebeu, no ato, oferta do equivalente a R$ 3 mil reais para vender o animal, que de fato era bonito e sadio. Recusou. Achava que poderia conseguir mais, muito mais no futuro. Mas tinha um problema com o qual não havia contado. Como vinha de outra cidade, morava em um pensionato de rapazes, uma espécie de "república". Não tinha, portanto, onde guardar o animal.
Para alugar um estábulo, seu dinheiro era insuficiente. Ademais, vinha economizando para poder pedir Nástia em casamento. Cada centavo de economia era importante. Tratava-se do passaporte para uma vida melhor. Pelo menos Pétia entendia que fosse assim. A namorada insistiu para que vendesse logo a vaca. Afinal, a quantia oferecida não era para se desprezar. Era lucro puro, pois não havia gastado nada para adquirir o animal. O moço, porém, nem ligou para a insistência da amada. Pelo contrário, exigiu que ela não tocasse mais no assunto.
Terminada a quermesse, lá foi o nosso Pétia carregando a vaca sorteada pela rua, tendo a namorada ao lado, em uma cena no mínimo insólita. As pessoas paravam para ver o estranho cortejo. Uns apenas olhavam e seguiam em frente. Outros, faziam piada a respeito. As crianças começaram a correr atrás do animal e jogar-lhe pedra. Pétia teve que dar uns cascudos no mais atrevido para espantar os demais. Nástia não conseguia, por mais que tentasse, esconder o constrangimento. Sentia-se ridícula. A cena era. Foi diminuindo o passo, ficando para trás, como que dando a entender que não estava na companhia do rapaz e que era apenas uma transeunte curiosa, como os demais. O moço notou o distanciamento e perguntou-lhe se não o acompanharia. Nástia disse-lhe que não. Em resumo, após breve discussão, a namorada, irritada, rompeu o namoro ali mesmo, no meio da rua.
Ao chegar ao pensionato, Pétia ainda teve que convencer os amigos a deixarem o animal pousar no quarto, "somente por esta noite". Garantiu que a vaca era dócil e que ficaria quietinha. Mas não ficou. Lá pela alta madrugada começou a mugir sem parar. O rapaz tentou fazer de tudo para calá-la. Deu-lhe capim, cobriu-a para não sentir frio e por fim aplicou-lhe umas vassouradas. Em vão. Não queria que o senhorio descobrisse a presença do animal. Mas descobriu. Acabou sendo expulso, junto com a agora incômoda prenda, do pensionato. Saiu dali, sonolento – ainda estava muito escuro – em direção à primeira fazenda nos arrabaldes da cidade. Cansado, deitou-se em um monte de feno. No dia seguinte, decidiria o que fazer. Amarrou cuidadosamente a corda que prendia a vaca no pulso e adormeceu.
De manhã, a primeira preocupação, ao acordar, foi com o animal. O corpo estava todo dolorido. Lembrou-se, com uma pontinha de tristeza, que havia rompido com Nástia. Decidiu procurá-la mais tarde para se reconciliar. Mas havia uma compensação. A vaca estava ali e era sua. Faria uma boa venda. Com o dinheiro, reconquistaria a namorada. Pediria sua mão em casamento sem mais tardar. Antes de abrir os olhos, porém, sentiu, ao dar uma sacudidela na corda, que esta estava leve demais. Olhou na direção onde o animal deveria estar e gelou. Não quis acreditar no que viu. A vaca havia sido roubada! Tanto empenho, tanta confusão, tanta esperança, por nada!
Assim são as pessoas que escolhem objetivos errados ou exageram na dose. Projeto isso em minha própria vida, no caso do jornalismo. Abri mão de uma série de sonhos por um "lugar ao sol" nessa espinhosa profissão. Durante certo tempo, em que era considerado um "astro", pelos textos que publicava, me deixei empolgar pelos elogios.
Passei a me dedicar ao ofício em tempo integral. Abandonei os amigos, afastei-me da família, abdiquei do descanso e fiquei sem lazer. O jornalismo transformou-se em obsessão. E os artigos, crônicas e comentários foram sendo publicados aos borbotões, às dezenas, às centenas, aos milhares. E eu escrevendo cada vez mais, em uma verdadeira fúria produtiva. Tudo sem ser remunerado, espontânea e gratuitamente, acreditando ser esse meu dever de cidadão. Obviamente não era. Hoje, passados alguns anos, olho para trás e tento divisar o que consegui com tanto trabalho. E, aturdido, como o Pétia (meu xará), do conto de Arcádio Avertchenko, percebo, decepcionado, que fiquei apenas "com a corda na mão"...
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