Wednesday, May 31, 2006
Frankenstein: fruto de uma aposta
Pedro J. Bondaczuk
Não há, certamente, nenhum apreciador de Cinema que não conheça, ou que pelo menos nunca tenha ouvido falar sobre a desengonçada, horripilante e monstruosa figura, criada pelo doutor Viktor Frankenstein, e “batizada” com o nome do seu imaginário criador. O personagem, que ainda hoje mexe com a imaginação das pessoas, foi popularizado em Hollywood por Boris Karloff, embora outros tantos atores o tenham, também, interpretado, posto que não com o mesmo convincente desempenho.
O que quase ninguém sabe, no entanto, é que o “monstro”, que fez gelar o sangue de gerações de cinéfilos, é fruto da imaginação de uma delicada jovem inglesa, que nada tinha de mórbido ou de perverso em suas idéias e atitudes, esposa de um consagrado poeta romântico da Inglaterra do século XIX que, por sua vez, também não era dado a monstruosidades e aberrações em seus poemas, caracterizados pela delicadeza e pelo lirismo.
Tanto a monstruosa figura, pré-fabricada em laboratório com partes de cadáveres roubadas de um cemitério, quanto o imaginário Dr. Viktor Frankenstein, autor da “façanha” científica, de “vitória” sobre a morte, foram “inventados”, apenas, por causa de uma inocente aposta entre amigos.
Sua criadora foi a escritora Mary Shelley, casada com Percy Shelley, que teve morte trágica, já que se afogou, quando velejava na Baía de Spezia, no Mar Tirreno. Em 1816, a romancista inglesa, então com 19 anos de idade, passava uma temporada de férias na Suíça, com o namorado, que viria a ser seu futuro marido, num aconchegante chalé, às margens do Lago Lehman. Certa noite, o casal recebeu duas ilustres visitas: Lorde Byron, amante inveterado de histórias e de assuntos mórbidos, e um médico italiano, conhecido apenas como Dr. Polidori.
Durante horas, não se falou de outra coisa que não fossem fantasmas, almas de outro mundo, evolucionismo e experiências científicas de tentativas de reprodução da vida humana em laboratório. Quando escritores se reúnem, mais cedo ou mais tarde, a conversa acaba descambando, invariavelmente (salvo raríssimas exceções), para a literatura. Foi o que aconteceu na ocasião.
Em determinado momento, Shelley, Byron e Mary fizeram uma aposta sobre quem conseguiria escrever a história mais horripilante, ou mais fantástica, ou mais convincente sobre a criação (ou a reprodução) da vida em laboratório e as possíveis conseqüências desse ato. O normal é que tudo não passasse de uma conversa sem compromisso e sem conseqüência, que no dia seguinte estivesse esquecida. Não foi, no entanto, o que aconteceu. Os três levaram mesmo a sério o desafio e puseram mãos à obra.
Passado algum tempo, estipulado pelos apostadores, o trio confrontou os respectivos textos, tendo o Dr. Polidori como árbitro, para ver qual era o mais assustador. A lógica indicava que o vencedor deveria ser, até sem nenhum esforço, Lorde Byron, que apreciava o gênero e tinha enorme facilidade em escrever sobre o tema. Não foi, todavia, o que ocorreu.
Para surpresa geral, a história escolhida foi a da supostamente frágil e romântica garota inglesa, mal saída da adolescência, cujo enredo, convenhamos, nada tinha de delicado ou de piegas conforme a expectativa dos seus dois adversários. Dessa forma, nascia um clássico da literatura de terror, que teria no norte-americano Edgar Allan Pöe seu expoente maior na literatura mundial.
Em 1818, dois anos após o desafio, Mary resolveu publicar o romance. Byron, tido como mau perdedor, que detestava perder apostas, ainda mais para mulheres, e principalmente quando estas envolviam literatura, desta vez teve que se curvar à imaginação lúgubre e mórbida de uma mocinha.
Em carta escrita ao casal, após a edição do livro, o poeta e aventureiro concluiu: “Trata-se de um excelente trabalho para uma moça de 19 anos”. É mister não se esquecer que os fatos ocorreram em 1816, início do século XIX. Recorde-se que, na época, a mulher estava longe de poder competir, em pé de igualdade, com o homem, fosse no que fosse. Era tida como ser “inferior” e seu papel social restringia-se ao lar, ao cuidado do marido e dos filhos e, quando muito, às fúteis reuniões sociais dos salões da moda.
Ademais, ninguém poderia imaginar (muito menos Mary Shelley, sua criadora), que um personagem, nascido de uma simples brincadeira, de uma aposta sem maior importância entre amigos, fosse ter o destino que teve. Ou seja, que iria conquistar a imortalidade literária. O romance tornou-se grande clássico – senão o maior –, das histórias de terror. Hoje, rivaliza (supera muitos deles), com os livros do consagrado “pai dos contos de mistério e de terror”, Edgar Allan Pöe. As grandes obras, como se vê, nem sempre são as planejadas nos mínimos detalhes pelos autores. Muitas, como esta, não passam de frutos apenas das circunstâncias e do acaso. Ou, para ser mais específico, de mera aposta.
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2 comments:
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