Wednesday, May 17, 2006

Criatividade engessada


Pedro J. Bondaczuk



A criatividade pode ser "engessada", submetida a regras, amarrada a princípios, manietada por normas gerais, válidas para todas as situações, rigorosamente padronizada por manuais de redação, como se fossem comandos que se devessem aprender para operar alguma máquina? Poder até que pode. Mas não deve!
O espírito criador tem que ser deixado livre. Deve ter o infinito ao seu dispor. O céu precisa ser o seu limite. Tem que voar solto, descomprometido, sem amarras. Até porque, muitos dos dogmas vigentes jamais foram testados quanto à sua eficácia. Determinadas imposições parecem mais uma vingança dos que não têm talento, disposição, ou competência (ou todos esses atributos simultaneamente), para criar, e que os instituíram por essa razão. E só por ela.
O sujeito criativo é que deve estabelecer suas próprias regras, quando e se elas forem necessárias, e não se submeter às criadas por burocratas do jornalismo e da cultura. Por pessoas que aspiram ser jornalistas, intelectuais, e não conseguem.
Mas é este "engessamento" da criatividade que espíritos academicistas tentam impor nas redações de jornais e, pior, na literatura. A única norma aceitável nessas atividades (que não são incompatíveis, como alguns pensam), porém, é a sugerida por Jorge Luís Borges: "Acho que o escritor (e eu acrescentaria, jornalista) deve escrever para a alegria do leitor. Deve sentir alegria ao escrever". Ou seja, o exercício da comunicação, através da palavra escrita, não deve nunca ser uma obrigação cacete, monótona, arrastada, que judie do seu agente e, por conseqüência, force seu destinatário a recorrer seguidamente a dicionários ou a fazer complicadas acrobacias mentais para entender o que um farsante, travestido de intelectual, quer lhe impingir.
Borges foi além. Do alto da sua reconhecida competência, sentenciou: "Um livro não deve exigir esforço; a felicidade não deve exigir esforço". É na alegria de escrever que reside a principal diferença entre o escritor e o escrevinhador (ou o garatujador), ou entre o jornalista e o impostor. Por conseqüência, o leitor sentirá prazer na leitura, e buscará renovar, a cada dia, a cada momento, a cada oportunidade que tiver, essa satisfação, adquirindo este hábito não por imposição, necessidade ou obrigação, mas por puro gosto. Para Borges, (e para mim), "a leitura obrigatória é uma coisa tão absurda quanto se falar em felicidade obrigatória".
A crítica literária norte-americana Marjorie Perloff define no que consiste este "engessamento" da criatividade que se tenta impor aos que têm no ato de escrever sua maior alegria. Adverte: "O pior é a institucionalização total da literatura (e mais uma vez eu acrescentaria: do jornalismo). Tudo vira parte de um manual ou de um currículo. Pelas imposições acadêmicas, acabam sendo produzidos tantos livros de críticas que se torna impossível acompanhá-los".
Um dos poetas maiúsculos não apenas da Alemanha, mas do mundo, em todos os tempos, Johann Wolfgang Göethe, (que escrevia com gana, com garra, com alegria) aconselhou, a quem se sentisse criativo, mas se inibisse em enveredar por esse mundo encantado do texto, temendo não dispor da "chave" para abrir suas portas: "Se você pensa que você pode ou sonha que pode, comece. Ousadia tem genialidade, poder e mágica. Ouse fazer e o poder lhe será dado".
Gosto de escrever. Sinto uma necessidade física deste exercício do espírito, deste ato de coragem de me expor, com sinceridade e desprendimento, diante de pessoas que sequer conheço, e muitas das quais (a maioria, certamente) jamais lograrei conhecer. É tão vital quanto respirar, comer, dormir, amar...
É uma constante alegria, mesmo quando os temas abordados são os mais penosos e opressivos. É uma felicidade permanente poder dar asas à imaginação (no caso da literatura, é claro) onde e como quer que esteja e deixar que ela divague, preguiçosa, livre, descomprometida. É um ato lúdico, um jogo, uma brincadeira, uma ação de amor comunicar pensamentos, sentimentos, sonhos e até mesmo bobagens, tolices, palavras vazias, a interlocutores anônimos.
Tanto quanto escrever, gosto de ler bons textos. Aprecio demais aqueles com os quais me identifico e que procuro trazer sempre comigo, reler, meditar, concordar, discordar, comentar e principalmente citar nestas crônicas descomprometidas que escrevo diariamente, nesta orgia de alegria que é criar páginas e mais páginas de texto (se medíocres ou imortais não importa: o tempo e a posteridade os julgarão).
Quando me refiro às normas e regras que "engessam" a criatividade, não é, evidentemente, nas da gramática, da grafia ou da concordância que estou pensando. Para mim, a língua portuguesa é a ferramenta com a qual dou corpo aos meus sonhos. E nenhum artista ou artesão (ou jornalista) consegue executar sua obra se não souber como manejar o instrumental necessário para isso. No mais, sou um aventureiro, tentando desbravar o desconhecido e, sobretudo, conhecer a pessoa que está mais próxima de mim: eu...

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