Monday, January 02, 2012







Surpresas de fim de ano

Pedro J. Bondaczuk

Os fins de ano, pelo menos os meus, são caracterizados por duas coisas principais: uma carga dobrada de trabalho e surpresas. Considero o primeiro fato altamente positivo, embora produza inevitável desgaste físico, psicológico e até afetivo. Nada, porém, que uma boa noite de repouso não resolva. Sempre resolveu. Sou, neste período (e felizmente) muito mais requisitado do que no restante do ano. Chovem encomendas de textos natalinos e alusivos à passagem de um ano para outro. Quem os encomenda exige ineditismo, válido, porém, apenas para a primeira publicação. Se souber torná-los atemporais (o que não deixa de ser enorme desafio, mas que tenho tido êxito), posso aproveitá-los em outras ocasiões do ano. E aproveito-os de fato.

Apesar do cansaço que geram, essas encomendas são sempre bem vindas. Alguns desses textos encomendados (diria que a maioria) são remunerados, o que melhora (e muito) o meu orçamento. E mesmo os que são gratuitos (raros, por sinal), trazem lá suas vantagens. Entre outras coisas, ajudam a divulgar meu nome, quer na mídia impressa quer na internet e, por conseqüência, divulgam minha obra literária, o que é não somente desejável, como crucial para um escritor remando contra a maré para interessar potenciais leitores a adquirirem seus livros. Portanto, quando menciono essa carga de trabalho dos finais de ano, a despeito da exaustão que produz, não estou, claro, me queixando (embora haja quem ache que sim). Apenas cito o fato a título de constatação.

Eu ficaria, isto sim, sumamente preocupado se essas solicitações diminuíssem ou (o que seria desastroso) se cessassem. Salvo engano, porém, a tendência é que aumentem ainda mais nos próximos anos. Tomara! É certo que adoto certas cautelas bem antes das encomendas começarem a chegar, lá pela metade de setembro. Leio o máximo que posso textos alusivos ao Natal e Ano Novo, até para não escrever nada de parecido. É a originalidade que torna o que escrevo tão atrativo para os que o requisitam. Pelo menos presumo que o seja.
Todavia, citei outra coisa que, invariavelmente, caracteriza meus finais de ano: surpresas. Apresso-me em ressaltar que nem sempre elas são positivas, embora a maioria seja mesmo. O que me surpreendeu negativamente neste 2011, por exemplo, foi o inverso do que havia me surpreendido positivamente em 2010, 2009, 2008 e assim por diante. Está confuso? Explico. Nos anos anteriores, um dos fatos que me causavam maior surpresa era a quantidade imensa de cartões de boas festas, impressos ou eletrônicos, que me enviavam. Houve ano de receber até três centenas deles, muitos de pessoas que eu sequer desconfiava que tivessem meu endereço ou mesmo que me conhecessem, posto que somente de nome.

Neste ano, a surpresa foi inversa. Recebi só uma e uma única dessas mensagens. Claro que a primeira reação que tive foi a de decepção. É verdade que meus amigos mais íntimos, aqueles escritores com os quais troco “figurinhas” o ano todo, manifestaram seu apreço por mim pessoalmente. Com isso, fizeram economia. Mas deixaram de “documentar” suas manifestações. Daqui a dez anos, por exemplo, como vou saber quem me cumprimentou e quem não? Não saberei!

Mas a surpresa maior não foi a ínfima quantidade de mensagens de boas festas que recebi. Foi a preciosidade em que se constitui a única que alguém teve a gentileza de me enviar. Sem menosprezar quem quer que seja, ela vale mais, muito mais do que as 300 recebidas em alguns anos ou mesmo se recebesse três mil ou três milhões. Quem me brindou com sua lembrança foi um dos intelectuais mais ilustres do País, que sempre admirei e que jamais supus que sequer soubesse da minha existência. Todavia, sabia. Ou sabe. Tanto que me enviou originalíssimo e precioso cartão de boas festas.

E quem foi essa personalidade? Foi uma pessoa com currículo extensíssimo, que, sem exagero, perfaz grosso volume de um livro. Foi o lingüista e poeta Carlos Vogt, que entre tantas coisas positivas que fez, foi reitor da reputadíssima Universidade Estadual de Campinas, a nossa Unicamp. Sua trajetória, tanto acadêmica quanto literária, é notável. No primeiro caso, basta citar que recebeu, em 2005, a comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico da Presidência da República. De quebra, foi agraciado com o título de “Doutor Honoris Causa” da École Normale Supérieure de Lyon, na França.

Como escritor, seus feitos são igualmente notáveis. Entre tantos feitos, ganhou três Prêmios Jabuti, o que atesta sua qualidade. Seus livros (e cito apenas os de poesia), são preciosidades de refinada inspiração. Menciono, de passagem, só alguns, para não maçar o leitor, como “Metalurgia” (Companhia das Letras), “Mascarada” (Editora da Unicamp), “Paisagem doméstica” (Massao Ohno), “Geração” (Brasiliense) e “Pisca alerta” (Landy Editora).

Seu cartão de boas festas é originalíssimo (só poderia ser). Na frente, traz um poema de apenas três linhas, intitulado “Vazio”, que diz:

Tudo é tão grande
que nada pequeno
cabe nessa imensidão


E arremata, como que em complemento: “O Natal também!”. Ou seja, o evento é tão importante pelo seu significado que cabe a caráter nessa imensidão que é o vazio universal.

No outro lado do cartão há outro poema, na verdade um soneto, intitulado “Bolero”, que diz:

Abraça-me assim, esta noite preciso sentir
como nunca meu desejo encontrar
não quem amo e que está por aqui,
mas a mesma que amei e andava por lá

no país da infância, quando conheci
a confusa presença que me fez amar
uma ausência infinita também feita de ti
que em nós nos prendia para nos libertar

Hoje embarga a solidão minha amargura
de navegar, no exílio, fera lembrança
de como foi tranqüila a loucura

de amar, constantes, nossa distância
e juntos, solidários, nos sentir sem cura
do mal que o amor na bondade alcança

Como se vê, não exagero quando afirmo que a surpresa positiva ofuscou e anulou a negativa, a de não ser lembrado por quem sempre se lembrou de mim. Encerrei o ano, pois, no absoluto lucro. E assim começo 2012 com todo o gás, no maior entusiasmo, buscando recuperar o prestígio junto a eventuais admiradores que eventualmente tenham me esquecido e conservar a lembrança desse magnífico poeta que se lembrou de mim por anos e anos a fio.

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

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