Tuesday, January 10, 2012







Do poder à desgraça foi somente um passo

Pedro J. Bondaczuk


O julgamento do general Manuel Antonio Noriega --- ex-homem forte do Panamá e que agora é um réu comum nos Estados Unidos ---, que começou nesta semana em Miami e vai se estender por um período entre quatro a seis meses, promete trazer à baila grandes revelações acerca da forma "informal" da Agência Central de Inteligência norte-americana, a CIA, de formar seu quadro de agentes.

O processo, por outro lado, abre um precedente internacional. Trata-se da primeira vez em que um ex-chefe de Estado de algum país é levado perante a Justiça de outro, que se diz prejudicado por suas ações. É provável, pois, que o caso venha a firmar jurisprudência a respeito, dependendo do veredito da corte.

É inegável que Noriega desperta um certo fascínio no público, por sua trajetória inconstante. Subiu na vida, saindo das favelas panamenhas para o posto máximo de seu país. Ocupou a presidência por poucos dias, é verdade, mas esteve lá.

Subitamente, depois de desafiar vezes sem conta um poderoso inimigo, para o qual havia trabalhado, desceu ao máximo da degradação. Viu-se na humilhante condição de prisioneiro comum, numa prisão de Miami, envolvido não com outros estadistas e militares, mas com reles traficantes de drogas, que embora poderosos, não deixam de representar a escória das escórias na escala social.

O general panamenho, que conseguiu resistir às ameaças de invasão aos vários refúgios em que se abrigou, quando da intervenção dos soldados norte-americanos ao seu país, acabou sendo vencido por uma "arma" absolutamente não convencional, que para parcela considerável da juventude é algo que dá prazer, mas que para ele representou um penoso instrumento de tortura.

Quando esteve refugiado na embaixada do Vaticano, no Panamá, Noriega foi "bombardeado" dias a fio pelo "rock 'n roll" tocado no último volume. Certamente o repertório não incluía Beatles e nem Rolling Stones. O conjunto, ou conjuntos, que lhe devem ter sido apresentados, certamente, foram daqueles de irritar até estátuas de pedra.

O fato é que a estratégia funcionou. Duas semanas exatas após a invasão norte-americana, o ex-ditador concordou em se render, para não ter que ouvir mais aquela algaravia de ruídos irritantes que chamam de música, em 3 de janeiro de 1990.

A acusação, nos primeiros dias de julgamento, está lançando mão de todos os recursos para mostrar o envolvimento do réu com o narcotráfico, em especial com o Cartel de Medellin. Para tanto, arrolou, entre as testemunhas, gente que ocupou funções de mando na cúpula da poderosa quadrilha colombiana, como é o caso do ex-número dois da organização, Carlos Lehder Rivas, tido e havido como um dos homens mais ricos do mundo, a despeito de estar cumprindo pena de prisão perpétua nos Estados Unidos.

A tática principal da defesa, neste caso, será a óbvia, que seria adotada até por advogados principiantes, quanto mais por raposas dos tribunais, como são os defensores de Noriega. Será baseada na desclassificação dos depoentes.

Consistirá em mostrar que estes não têm moral para acusar ninguém, já que se tratam de criminosos sentenciados. Além disso, a defesa promete trazer à baila o aliciamento do general por parte da CIA e os "serviços" que prestou para a agência.

Alguns podres, certamente, serão revelados, embora ninguém espere que um sistema de inteligência desse porte seja um seminário de padres. A impressão que se tem é a de que Noriega não tem a mínima chance de absolvição.

Por mais que se tenha pedido ao júri para se ater às provas a serem apresentadas, isto não será muito provável. Trata-se de um processo francamente político, em que a soberania nacional do Panamá não passará de ficção. Noriega não é nenhum santo. Tanto é que, anteriormente a janeiro de 1990, já havia sido preso por duas vezes por agentes federais norte-americanos: a primeira, num escândalo de drogas no início da década de 70 e a segunda, numa operação de contrabando de armas, em fins de 1979.

Isto também irá pesar para o júri --- talvez decisivamente --- no momento de determinar a culpabilidade ou não do general.

(Artigo publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 19 de setembro de 1991).

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