Wednesday, January 25, 2012







Autodefinição

Pedro J. Bondaczuk

Outro dia, um amigo,
desses taciturnos, calados,
que a tudo ouvem com paciência
--- jóias raras em meio às escórias –
pediu-me, num rompante,
insólito, em se tratando dele,
que definisse a vida.

Tracei-lhe a mais erudita
das exposições.
Falei, com empáfia, do mistério
metafísico da fecundação,
enquanto sorvíamos um chope
e nos julgávamos sábios.

Expus-lhe teorias complicadas,
cheio de pose e pedantismo,
do alto da minha súbita importância.

Falei-lhe de séculos de História,
sob meu caolho prisma maniqueísta,
de filosofias variadas,
mal-digeridas, de leituras apressadas,
acerca do princípio e do fim.

De repente, na rua,
bem em frente ao bar
onde vagabundamente
filosofávamos,
movidos mais a álcool
do que a conhecimento,
passou um cortejo fúnebre.

Um frio, de mal-estar,
pela incerteza
do último destino,
percorreu-nos a espinha.

Olhamo-nos, embaraçados,
e nos surpreendemos
ambos com o mesmo pensamento.

Como se combinados,
persignamo-nos, ao mesmo tempo,
sorrateira, mas respeitosamente,
não sem uma pontinha
de um atávico, ancestral medo
diante do mistério da morte.

E mudamos, tacitamente, de assunto.
Passamos a falar das mulheres,
do futebol e da inflação
diante da eloqüente definição
do fenômeno da vida
dada por ela mesma
através da imagem do antípoda.

(Poema composto em Campinas, em 3 de março de 1981).

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