Saturday, January 21, 2012







Nova idade da pedra

Pedro J. Bondaczuk

O tempo é uma abstração, embora “exista” e sintamos seus efeitos. É uma convenção humana, que sequer comporta definição exata e dá muito o que pensar. A rigor, tem apenas duas vertentes: o que passou e o que ainda há de vir. O presente é tão fluido, que se pode dizer que nem mesmo existe. Como medi-lo com os instrumentos de medição disponíveis? No mesmo instante em que digitei a primeira letra desta oração, ela já se tornou passado. Em que momento esse ato foi presente? Como medir? Não há como. Para todos os efeitos, porém, dividimos o tempo em passado, presente e futuro e estamos conversados.
Essa abstração, que todavia “existe”, e que não podemos ver, apalpar, ouvir, mas cujos efeitos “sentimos”, suscita toda a sorte de reflexões e de fantasias. Para pessoas ditas “práticas”, refletir a respeito é absoluta inutilidade por não conduzir a resultado algum. Será? Eu não teria tanta certeza. É óbvio que a tal “máquina do tempo”, que nos permitiria retroceder ao o que já aconteceu, com seus cenários, personagens e circunstâncias tais como eram originalmente, é uma das tantas fantasias humanas. E avançar rumo ao ainda não ocorrido é uma abstração que beira a insanidade, por sua absolutíssima impossibilidade. Aliás, a mera cogitação de uma “máquina do tempo” é insana. Insaníssima. Louca. Louquíssima.
Metaforicamente, porém, afirmo que a humanidade vive, atualmente. nova Idade da Pedra. Esse período histórico das primitivas civilizações é dividido, para efeito de estudos, em duas fases. A primeira teria ocorrido há um milhão de anos antes de Cristo. Como se chegou a essa conclusão? Mediante a datação de esqueletos do humanóide primitivo pelo método do carbono. Essa época é chamada, também, de Paleolítico e marca o surgimento do homem moderno, desse nosso remotíssimo ancestral, hábil, inteligente, criativo e que aprendeu a caminhar ereto sobre as pernas (daí ser batizado de “homo erectus”).
Entre suas “peripécias” mentais, esse nosso engenhoso antepassado aprendeu a produzir e controlar fogo, o que, para suas circunstâncias, foi um feito tecnológico miraculoso e inacreditável que, proporcionalmente, equivale às mais fantásticas descobertas científicas dos cientistas atuais. Até porque, se esse ser primitivo não se adaptasse ao meio hostil e não sobrevivesse, os homens de ciência de hoje (e nós todos, logicamente) sequer existiria. Essa era já tão distante é batizada por nós de “Pedra Lascada”.
Qual a razão dessa denominação? Simples. Seu próprio nome sugere o motivo. Deve-se ao fato de, lascando as pedras, nosso ancestral fabricar ferramentas para produzir o que precisasse (inclusive armas para se defender de feras muito mais fortes, posto que nem um pouco inteligentes).
A etapa seguinte é bem mais próxima de nós. A história, como a conhecemos, a registra (não sei se com precisão. Suponho que 90% do que descreve se trate de fantasia. Ou não?). Refiro-me à Idade da Pedra Polida, que data de 10 mil antes de Cristo. Como se vê, na ronda do tempo, foi praticamente “ontem”. Na sequência, (de acordo com suas descobertas de materiais para fabricar ferramentas e armas), nossos ancestrais estabeleceram novas etapas evolutivas. Vieram, então, as idades do Bronze (3.500 a.C), do Ferro (1.000 a.C), Alta Idade Média (476 a.D), Baixa Idade Média (século X), Idade Moderna (1453) e Idade Contemporânea (1789).
E por que afirmo que voltamos no tempo e vivemos em plena nova Idade da Pedra (Lascada? Polida?)? Claro que esse “retrocesso” é somente metafórico. É verdade que, em alguns aspectos, o comportamento humano decaiu tanto que pode ser comparado ao dos remotíssimos ancestrais ou até pior do que o deles. Mas não se pode deixar de reconhecer que o “homo erectus” desenvolveu suas habilidades, cerebrais e/ou manuais, provavelmente ao seu limite. Ou quase a ele.
Essa nova idade da pedra não é, claro, nenhuma referência à atual tecnologia. E nem mesmo ao comportamento (embora, reitero, em certo aspecto, este seja comparável, ou até pior, do que o daquele remotíssimo período). Nem se trata de nada sumamente crítico da minha parte ou tenha conotação minimamente pejorativa. É literal. Essa designação hodierna refere-se às artes. Mais especificamente, a uma delas: à música. Vivemos, em termos musicais, a era do “rock’n roll”. Ele congrega multidões nos vários shows apresentados por artistas alçados à condição de mitos, ao redor do mundo. Exemplo: O público (de cem mil pessoas por dia) que compareceu ao Rock in Rio”.
Esse ritmo frenético, e às vezes alucinante, surgido nos Estados Unidos em fins dos anos 40 e princípios dos 50 do século XX, é uma fusão de diversas outras manifestações musicais, como o blues, música country, rhythm blues, folk, jazz etc. e até da música clássica. Como se vê, não exagero quando afirmo que vivemos (pelo menos musicalmente) em plena “Idade da Pedra”. E não da lascada ou da polida e muito menos da estática, mas da dinâmica. Afinal, é a época da “pedra que rola”. O ritmo veio acompanhado de todo um estilo de vida, de maneiras de se vestir, de formas de se apresentar, de falar, de se pentear e de encarar o mundo (para mim um tanto agressivas e pessimistas, mas inegavelmente rebeldes ao sistema vigente).
Como música é questão de gosto, confesso que não se trata do meu ritmo predileto. Por questão de temperamento, prefiro compassos mais lentos e harmoniosos e letras poéticas e sobretudo ternas. Daí minha predileção (fanática) pelas composições da dupla Tom Jobim-Vinícius de Moraes (entre outras).
Todavia não ignoro esse fenômeno cultural, de cultura de massas, que hoje empolga platéias de praticamente todos os recantos do mundo. Ouço-o atentamente (embora muitas vezes me pareça estar ouvindo monótono bate-estacas). Tento diferenciar suas várias vertentes. Traduzo e interpreto as letras “iradas” das suas inúmeras composições. E, metaforicamente, afirmo, sem receio de ridículo, que, pelo menos do ponto de vista musical, vivemos em plena “Idade da Pedra”. Aduzo: “que rola”. E reitero: classifico esse período dessa forma sem nenhuma conotação pejorativa, creiam-me.

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