Tuesday, January 24, 2012







Consagração de um poeta

Pedro J. Bondaczuk

O poeta Tomas Tranströmer, que em 15 de abril de 2011 completou 80 anos de idade, tornou-se o sétimo sueco a conquistar o tão cobiçado Prêmio Nobel de Literatura. Antecederam-no, nessa que é tida e havida como a mais prestigiosa premiação literária do mundo, os escritores Selma Lagerlof (1909), Carl Gustaf Verner Von Heidenstam (1916), Erik Axel Karlfeldt (1931), Pär Lagerkvist (1951) e a dupla Eyvind Johnson e Harry Martinson (que dividiram o prêmio em 1974). Isso demonstra, sobretudo, a excelência da literatura que se pratica na Suécia.

Esse escritor, fartamente conhecido na Europa e nos Estados Unidos, porém pouco (ou quase nada) divulgado no Brasil, filho de um jornalista e de uma professora, começou a compor precocemente, com apenas 13 anos de idade. Sua poesia enquadra-se, toda ela, no Modernismo, mais especificamente, na vertente surrealista. Sua obra ascende a 15 coletâneas publicadas na Suécia e outros 24 livros em inglês. Seu trabalho foi traduzido para o idioma de Shakespeare em 1987, pelo poeta norte-americano Robert Bly, seu admirador incondicional e amigo íntimo.

O que me chama a atenção em Tomas Tranströmer, além, claro, de sua poesia (da qual tomei conhecimento, apenas, muito recentemente, por indicação de amigos), é a sua garra em superar dificuldades. E estas são imensas. Explico. Há 21 anos, em 1990, o poeta foi acometido por um derrame, que lhe deixou duras sequelas. Entre estas, o AVC afetou sua capacidade de fala. Todavia, ele não se entregou a este infortúnio, como muitos fazem em circunstâncias semelhantes (e não os critico, pois se trata de terrível provação). Tão logo recuperou os movimentos (alguns), Tranströmer retomou sua produção literária, com o mesmo vigor, a mesma lucidez e o mesmo talento que sempre o caracterizaram e talvez, até, com intensidade maior do que antes.

Há quem não goste de sua temática e a considere lúgubre e mórbida. Era de se esperar. Afinal, uma das coisas mais raras, em literatura, é alguém conseguir consenso em torno do que faz. E, como destaquei em minhas reflexões anteriores, “gosto não se discute”. De fato, a morte é uma constante entre os assuntos que o poeta saueco aborda. Mas, mesmo nos temas mais desagradáveis e sombrios, como este, ou principalmente neles, Tranströmer exibe toda a força do seu talento poético e a profundidade e reralismo com que encara a vida e suas circunstâncias.

Há outra característica na obra do ora laureado do Nobel: seu fascínio pela natureza. A essa fascinação, é mister acrescentar a sua outra grande paixão: a música. Aliás, esta última é tão intensa, que tão logo o poeta recuperou parte dos movimentos perdidos em decorrência do derrame, voltou a praticar piano. E, atualmente, toca esse instrumento com perfeição e, sobretudo, com paixão.

Como sempre faço ao tratar de poetas, trago-lhes quatro poemas de Tomas Tranströmer, de quatro fases diferentes da sua produção, embora não tenha encontrado na internet, traduzido para o português, nenhum que tenha sido composto após o acidente vascular cerebral que o acometeu. Quem conhece bem a sua obra, todavia, assegura que, se mudanças houve, foram para melhor. Que seu estilo se tornou mais enxuto e sua temática mais reflexiva e profunda.

Aliás, os segredos da mente das pessoas não são novidade para o poeta. Afinal, formou-se em Psicologia pela Universidade de Estocolmo e exerceu, durante o período talvez mais profícuo de sua produção poética (entre 1960 e 1966) essa profissão, atuando na prisão juvenil de Roxtuna, auxiliando jovens dependentes de drogas a tentarem se livrar do vício.

Leiam os quatro poemas abaixo e sintam toda a força da inspiração poética de Tomas Tranströmer:


HISTÓRIAS DE MARINHEIROS (1954)

Há dias de inverno sem neve em que o mar é parente
de zonas montanhosas, encolhido sob plumagem cinza,
azul só por um minuto, longas horas com ondas quais pálidos
linces, buscando em vão sustento nas pedras de à beira-mar.
Em dias como estes saem do mar restos de naufrágios em busca
de seus proprietários, sentados no bulício da cidade, e afogadas
tripulações vêm a terra, mais tênues que fumo de cachimbo.
(No Norte andam os verdadeiros linces, com garras afiadas
e olhos sonhadores. No Norte, onde o dia
vive numa mina, de dia e de noite.
Ali, onde o único sobrevivente pode estar
junto ao forno da Aurora Boreal escutando
a música dos mortos de frio).


***


A ÁRVORE E A NUVEM (1962)

Uma árvore anda de aqui para ali sob a chuva,
com pressa, ante nós, derramando-se na cinza.
Leva um recado. Da chuva arranca vida
como um melro ante um jardim de fruta.
Quando a chuva cessa, detém-se a árvore.
Vislumbramo-la direita, quieta em noites claras,
à espera, como nós, do instante
em que flocos de neve floresçam no espaço.


***


DESDE A MONTANHA (1962)

Estou na montanha e vejo a enseada.
Os barcos descansam sobre a superfície do verão.
«Somos sonâmbulos. Luas vagabundas.»
Isso dizem as velas brancas.
«Deslizamos por uma casa adormecida.
Abrimos as portas lentamente.
Assomamo-nos à liberdade.»
Isso dizem as velas brancas.
Um dia vi navegar os desejos do mundo.
Todos, no mesmo rumo – uma só frota.
«Agora estamos dispersos. Séquito de ninguém.»
Isso dizem as velas brancas.


***


PÁSSAROS MATINAIS (1966)

Desperto o automóvel
que tem o párabrisas coberto de pólen.
Coloco os óculos de sol.
O canto dos pássaros escurece.
Enquanto isso outro homem compra um diário
na estação de comboio
junto a um grande vagão de carga
completamente vermelho de ferrugem
que cintila ao sol.
Não há vazios por aqui.
Cruza o calor da primavera um corredor frio
por onde alguém entra depressa
e conta como foi caluniado
até na Direção.
Por uma parte de trás da paisagem
chega a gralha
negra e branca. Pássaro agourento.
E o melro que se move em todas as direções
até que tudo seja um desenho a carvão,
salvo a roupa branca na corda de estender:
um coro da Palestina:
Não há vazios por aqui.
É fantástico sentir como cresce o meu poema
enquanto me vou encolhendo
Cresce, ocupa o meu lugar.
Desloca-me.
Expulsa-me do ninho.
O poema está pronto.

Gostaram? Eu gostei! Tanto que afirmo com convicção que o Prêmio Nobel de Literatura de 2011 (claro, na minha avaliação pessoal), ficou em boas mãos. Aliás, em excelentes mãos.

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: