Mário Soares recupera prestígio
Pedro J. Bondaczuk
O eleitorado português, mais uma vez, deu uma demonstração de sabedoria política, nasx eleições presidenciais realizadas neste domingo, ao adiar para um segundo turno a escolha do primeiro presidente civil em seis décadas de sua história. Embora manifestasse uma clara preferência pelo candidato de centro-direita, Diogo Freitas do Amaral, apoiado pelo partido do atual primeiro-ministro, o Social Democrata Aníbal Cavaco da Silva, reservou para si próprio o direito de pensar mais um pouco.
Concedeu ao favorito 46,31% dos votos, cifra insuficiente para que ele fosse declarado o vencedor. Ponderando, dentro de 60 dias, entre apenas dois postulantes (e não mais entre os quatro que se apresentaram nesta rodada) as chances do eleitor fazer a melhor escolha aumentam bastante.
Com o resultado desta votação, o ex-primeiro-ministro socialista, Mário Soares, cuja carreira parecia estar num irreversível declínio, principalmente após a derrota de sua agremiação nas eleições parlamentares de outubro passado, ressurgiu praticamente das cinzas.
Após uma campanha caracterizada pelo ceticismo geral, inclusive de muitos de seus correligionários, e de um entusiasmo incomum de sua parte, eis que ele emerge das urnas com amplas possibilidades de cumprir o seu maior objetivo político: tornar-se o primeiro presidente civil de Portugal em seis décadas.
Até a semana passada, todas as pesquisas de opinião no país previam um novo vexame eleitoral de Mário Soares. Ele estava situado em 3º lugar nas preferências, abaixo de um dissidente do seu partido, Francisco Azenha, que contava, ainda, com o apoio do atual chefe de Estado, Antonio Ramalho Eanes.
Na sexta-feira passada, portanto a apenas 48 horas da votação, o candidato comunista Ângelo Veloso retirou-se da disputa. E convocou os seus eleitores a votarem em Azenha, numa clara manobra contra o ex-primeiro-ministro. Mas não são os joguinhos dos políticos e nem as suas manobras por baixo do pano, por mais hábeis que sejam, que decidem eleições.
O que conta, de fato, é a decisão do eleitor, naquele instante mágico em que ele fica sozinho com sua consciência na cabine indevassável. Nesse momento, ele é o grande soberano e faz valer, somente, a sua vontade. E foi o que aconteceu.
Doravante, as chances de Mário Soares, que até sexta-feira eram consideradas, virtualmente, nulas, crescem de tal maneira a ponto dele poder, inclusive, ser considerado o favorito no segundo turno. E explico porque.
Enquanto as forças conservadoras não apresentaram qualquer divisão nessa primeira fase, lançando um único candidato e obtendo, por conseqüência, o máximo rendimento da sua candidatura, as esquerdas entraram na disputa fragmentadas. Além de Francisco Azenha e de Ângelo Veloso, tinham a postulação da ex-primeira-ministra Maria de Lurdes Pintassilgo, que concorreu sem partido. E obteve parcela razoável do voto feminino, teoricamente destinada a Mário Soares.
Para o segundo turno, Freitas do Amaral continuará contando com o apoio da agremiação do premier Aníbal Cavaco da Silva. Mas não terá pela frente uma esquerda dividida. Nenhum analista político concebe que os dissidentes socialistas ou os comunistas de Álvaro Cunhal emprestem respaldo àqueles que têm um programa diametralmente oposto ao seu.
É evidente que uma eleição dessa natureza tem muito de lotérico. Muitas vezes, toda a lógica dos pactos e coalizões cai por terra quando as urnas começam a contar a sua verdade. Entretanto, mesmo que Mário Soares não logre recuperar o seu prestígio junto ao eleitorado, e que seja mandado por ele, compulsoriamente, para casa, para uma prematura aposentadoria política, não haverá de se retirar de cena melancolicamente.
Terá a chance, caso perca, de sair da vida pública com grandeza. A mesma que caracterizou toda a sua carreira de homem público desde os tempos em que amargou as agruras do exílio. Depois da volta por cima que deu, tudo o que vier, doravante, será lucro. E este poderá, até mesmo, ser total.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 28 de janeiro de 1986)
Pedro J. Bondaczuk
O eleitorado português, mais uma vez, deu uma demonstração de sabedoria política, nasx eleições presidenciais realizadas neste domingo, ao adiar para um segundo turno a escolha do primeiro presidente civil em seis décadas de sua história. Embora manifestasse uma clara preferência pelo candidato de centro-direita, Diogo Freitas do Amaral, apoiado pelo partido do atual primeiro-ministro, o Social Democrata Aníbal Cavaco da Silva, reservou para si próprio o direito de pensar mais um pouco.
Concedeu ao favorito 46,31% dos votos, cifra insuficiente para que ele fosse declarado o vencedor. Ponderando, dentro de 60 dias, entre apenas dois postulantes (e não mais entre os quatro que se apresentaram nesta rodada) as chances do eleitor fazer a melhor escolha aumentam bastante.
Com o resultado desta votação, o ex-primeiro-ministro socialista, Mário Soares, cuja carreira parecia estar num irreversível declínio, principalmente após a derrota de sua agremiação nas eleições parlamentares de outubro passado, ressurgiu praticamente das cinzas.
Após uma campanha caracterizada pelo ceticismo geral, inclusive de muitos de seus correligionários, e de um entusiasmo incomum de sua parte, eis que ele emerge das urnas com amplas possibilidades de cumprir o seu maior objetivo político: tornar-se o primeiro presidente civil de Portugal em seis décadas.
Até a semana passada, todas as pesquisas de opinião no país previam um novo vexame eleitoral de Mário Soares. Ele estava situado em 3º lugar nas preferências, abaixo de um dissidente do seu partido, Francisco Azenha, que contava, ainda, com o apoio do atual chefe de Estado, Antonio Ramalho Eanes.
Na sexta-feira passada, portanto a apenas 48 horas da votação, o candidato comunista Ângelo Veloso retirou-se da disputa. E convocou os seus eleitores a votarem em Azenha, numa clara manobra contra o ex-primeiro-ministro. Mas não são os joguinhos dos políticos e nem as suas manobras por baixo do pano, por mais hábeis que sejam, que decidem eleições.
O que conta, de fato, é a decisão do eleitor, naquele instante mágico em que ele fica sozinho com sua consciência na cabine indevassável. Nesse momento, ele é o grande soberano e faz valer, somente, a sua vontade. E foi o que aconteceu.
Doravante, as chances de Mário Soares, que até sexta-feira eram consideradas, virtualmente, nulas, crescem de tal maneira a ponto dele poder, inclusive, ser considerado o favorito no segundo turno. E explico porque.
Enquanto as forças conservadoras não apresentaram qualquer divisão nessa primeira fase, lançando um único candidato e obtendo, por conseqüência, o máximo rendimento da sua candidatura, as esquerdas entraram na disputa fragmentadas. Além de Francisco Azenha e de Ângelo Veloso, tinham a postulação da ex-primeira-ministra Maria de Lurdes Pintassilgo, que concorreu sem partido. E obteve parcela razoável do voto feminino, teoricamente destinada a Mário Soares.
Para o segundo turno, Freitas do Amaral continuará contando com o apoio da agremiação do premier Aníbal Cavaco da Silva. Mas não terá pela frente uma esquerda dividida. Nenhum analista político concebe que os dissidentes socialistas ou os comunistas de Álvaro Cunhal emprestem respaldo àqueles que têm um programa diametralmente oposto ao seu.
É evidente que uma eleição dessa natureza tem muito de lotérico. Muitas vezes, toda a lógica dos pactos e coalizões cai por terra quando as urnas começam a contar a sua verdade. Entretanto, mesmo que Mário Soares não logre recuperar o seu prestígio junto ao eleitorado, e que seja mandado por ele, compulsoriamente, para casa, para uma prematura aposentadoria política, não haverá de se retirar de cena melancolicamente.
Terá a chance, caso perca, de sair da vida pública com grandeza. A mesma que caracterizou toda a sua carreira de homem público desde os tempos em que amargou as agruras do exílio. Depois da volta por cima que deu, tudo o que vier, doravante, será lucro. E este poderá, até mesmo, ser total.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 28 de janeiro de 1986)
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