Sunday, January 01, 2012







Nova crise em gestação

Pedro J. Bondaczuk

Os preços do barril de petróleo estão despencando espetacularmente no mercado internacional, tirando o sono de muita gente, assustada ante a iminência de uma enorme crise financeira mundial, às avessas daquelas acontecidas em 1974 e 1980. Naquelas oportunidades, os consumidores, acostumados à abundância do produto e às suas cotações irrisórias, subitamente se viram privados dessas facilidades. Essa situação provocou um desequilíbrio fantástico, gerando a maior recessão planetária deste século da qual mal começamos a sair. Agora, ocorre exatamente o inverso. O algoz de ontem, no caso o poderoso cartel dos países exportadores, é a vítima de hoje.

Desde 1980, quando a guerra entre o Irã e o Iraque provocou o maior sobressalto já registrado no Ocidente, diante da aziaga possibilidade de escassez de petróleo, os vários consumidores começaram a se precaver. Arcando, às vezes, com custos proibitivos, empreenderam uma política de acelerada estocagem dessa matéria-prima, acompanhada da diminuição, ou pelo menos da racionalização, do consumo. Os preços, então, batiam na casa dos US$ 34 o barril, sendo algumas variedades comercializadas até a US$ 40. Na oportunidade, só se falava em petrodólares. O Brasil foi um dos países que sentiram duramente na carne os dois chamados "choques do petróleo". Subitamente, nossa reserva de moeda forte, já então escassa, foi drenada para bolsos alheios. Afinal, o País não podia parar, mas estava nessa iminência.

Chegou-se, até mesmo, a ser cogitado, na época, um racionamento de combustível, para forçar a redução do consumo. Estávamos queimando, nessa ocasião, mais de US$ 12 milhões anuais no motor dos nossos carros. Sendo um País de dimensões continentais, com uma política equivocadíssima de transportes, toda ela calcada na rodovia, era evidente o elenco de dificuldades que teríamos de enfrentar, como de fato enfrentamos e ainda estamos tentando superar. Até vales chegaram a ser impressos, com os quais o consumidor deveria abastecer o seu veículo em dias predeterminados, as malfadadas "simonetas", que findaram por se tornar motivos de anedota e se constituíram num insensato desperdício de dinheiro.

Todavia, da mesma maneira que o Brasil passou a se prevenir contra novos contratempos como esses, os demais importadores de petróleo também adotaram suas providências. Novas prospecções foram feitas, passou-se a explorar o caríssimo e dificultoso óleo do Mar do Norte, o México descobriu as maiores reservas do Planeta, tudo isso sob os olhares serenos e às vezes galhofeiros da Opep. Mas, confiante no seu poder, o cartel não se apercebeu que algo estava mudando. Quando deu conta, e isso ocorreu somente no ano passado, já era tarde demais. O mundo estava literalmente inundado de petróleo. E a mais inflexível das leis, num mercado sadio, a da oferta e da procura, passou a imperar. O excesso do produto determinou, como só poderia acontecer, o fragoroso desabamento dos preços.

É evidente que a situação atual é bastante perigosa. Em condições normais, este seria o período em que as cotações deveriam estar em alta. Afinal, é inverno no Hemisfério Norte e o frio força os consumidores dessa região a um consumo mais elevado do petróleo na calefação das residências. Só que desta vez, para desespero da Opep, não se repetiu aquilo que ocorreu nos dois anos anteriores. A atual estação é uma das mais suaves que a Europa e os Estados Unidos já enfrentaram nos últimos tempos. Com os reservatórios superlotados e com necessidade de consumir surpreendentemente reduzida, quem quiser vender terá que aceitar praticamente qualquer preço. A luta, agora, nem é mais pela manutenção de uma cotação razoável, mas pela simples conservação do freguês.

O desequilíbrio que isso vai causar no sistema financeiro internacional é imprevisível. Bancos poderosos passarão por sérias dificuldades, já que boa parte da sua estabilidade e poderio está alicerçada nos petrodólares. Certamente, eles deverão pressionar os países endividados, com a corda no pescoço e prestes a lhes causar asfixia, a que liquidem seus débitos. Empresas poderosas, que apostaram em capitais alheios, vão balançar. Fortunas vão mudar de endereço. Até que ponto isso irá nos afetar, ainda é cedo para prever. Talvez até nos traga benefícios, acelerando a nossa grande virada. Talvez...

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 23 de janeiro de 1986)


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